
Quando percebeu a m�e mais agressiva que o usual, o alarme de Ademar Costa Filho, de 38 anos, soou. Pouco tempo depois, ela esqueceu de colocar feij�o no prato da neta, que tinha acabado de pedir a iguaria. Para o advogado, n�o restava d�vidas: era Alzheimer. Testes cognitivos confirmaram o diagn�stico da professora Marta Gon�alves da Costa, de 73, desde os 69 em tratamento. Detectada no in�cio dos sintomas, a doen�a neurodegenerativa tem avan�ado lentamente.
O componente gen�tico � muito pequeno na forma cl�ssica do Alzheimer – diferentemente da vers�o precoce da enfermidade. Mesmo reconhecendo isso, Ademar, bisneto e filho de pacientes, diz que, com a estrutura ps�quica e material que tem hoje, faria um exame capaz de diagnosticar a doen�a antes de ela se manifestar, pensando em como minimizar danos futuros. “Ter ou n�o uma musculatura fortalecida � fundamental para enfrentar a velhice. Quanto mais m�sculos eu tiver, melhor minha velhice. Quando estudo m�sica, reaprendo uma linguagem, mantenho minha mente ativa”, exemplifica.
Esse teste, muito aguardado pela comunidade m�dica, est� mais perto de se tornar realidade, segundo um estudo publicado no Journal of Experimental Medicine (JEM).
No artigo, pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de Washington, em St. Louis, descrevem uma t�cnica que detecta, em um exame de sangue comum, pequenas quantidades do fragmento de uma prote�na associada ao Alzheimer. Os cientistas afirmam que n�veis dessa subst�ncia, a tau-217, s�o elevados nos est�gios iniciais da doen�a e que, anos antes de qualquer sintoma come�ar a aparecer, � poss�vel diagnostic�-la no plasma do paciente.
At� duas d�cadas antes das primeiras manifesta��es do Alzheimer, as prote�nas amiloide e tau, localizadas no c�rebro, passam a sofrer altera��es. Aglomera��es desordenadas provocam patologias conhecidas como placas e emaranhados, respectivamente. No caso espec�fico da tau, essas mudan�as se associam ao decl�nio cognitivo, e uma forma particular dela, a tau-217, tem se mostrado, em estudos recentes, tamb�m um indicativo do ac�mulo de amiloide.
J� � poss�vel, hoje, detectar as altera��es da doen�a antes que os sinais de dem�ncia se instalem. Por�m, para tanto, empregam-se t�cnicas caras e invasivas: a tomografia de emiss�o de p�sitron (PET) e a avalia��o do l�quido espinhal. Muitas vezes, n�o s�o exames cobertos por planos de sa�de, n�o est�o dispon�veis em todas as cidades, e, especialmente no caso da coleta do l�quido, feita com uma pun��o na coluna espinhal, algumas pessoas podem se recusar a fazer.
N�VEIS BAIXOS H� muitos anos, cientistas estudam uma forma de detectar os biomarcadores do Al- zheimer no sangue. Foi o que a equipe da Universidade de Washington conseguiu fazer agora. Em um estudo anterior, Randall Bateman, Nicolas Barth�lemy e outros pesquisadores da Faculdade de Medicina descobriram que a tau-217 se acumula no l�quido cefalorraquidiano dos pacientes com Alzheimer antes do aparecimento dos sintomas cognitivos, aumenta com a progress�o da doen�a e pode prever com precis�o a forma��o de placas amiloide. Eles suspeitaram de que o fragmento da prote�na tamb�m estaria presente no sangue dos pacientes, embora em n�veis muito baixos, o que dificultaria a detec��o.
“Quer�amos quantificar os n�veis de diferentes prote�nas tau, especialmente a tau-217, no sangue e compar�-los com a patologia amiloide (o ac�mulo dela em placas) e o in�cio da dem�ncia, para avaliar seu potencial como biomarcadores da doen�a de Alzheimer em um exame de sangue”, disse Bateman em uma coletiva de imprensa on-line.
No laborat�rio do pesquisador, Barth�lemy e a equipe desenvolveram um m�todo baseado em espectrometria de massa para medir a quantidade desse e de outros fragmentos de tau em apenas 4ml de sangue, mesmo que essas amostras pequenas contenham menos de um bilion�simo de grama de tau-217. “At� onde sabemos, essa � a menor concentra��o j� medida por espectrometria de massa para um marcador de prote�na no plasma sangu�neo humano”, afirmou Barth�lemy, professor-assistente no laborat�rio de Bateman.
Os pesquisadores descobriram que, semelhantemente aos n�veis de tau-217 no l�quido cefalorraquidiano, as taxas do fragmento no sangue eram extremamente baixas em volunt�rios saud�veis, mas elevadas naqueles com placas amiloides, mesmo nos que ainda n�o tinham desenvolvido sintomas cognitivos. A medi��o das taxas plasm�ticas de tau-217 no sangue foi capaz de prever com precis�o a presen�a de placa amiloides em exames de PET, com desempenho melhor que outro fragmento de tau, p-tau-181, que foi proposto anteriormente como um biomarcador para a doen�a de Alzheimer.
TRATAMENTO Os cientistas repetiram a an�lise, feita com amostras de 34 pacientes, em um outro grupo de 92 pessoas, divididas da seguinte forma: 42 sem amiloide; 20 com amiloide, mas sem sintomas cognitivos; e 30 com amiloide e sintomas. Na an�lise, os n�veis de tau-217 no sangue se correlacionaram com a presen�a de amiloide no c�rebro com mais de 90% de precis�o. Quando os pesquisadores analisaram apenas pessoas sem sintomas cognitivos, os n�veis sangu�neos do fragmento distinguiram os volunt�rios saud�veis daqueles no est�gio inicial e assintom�tico de Alzheimer com 86% de acur�cia.
“A descoberta de uma esp�cie �nica de tau que est� intimamente ligada a altera��es causadas por placas amiloides ajudar� a identificar e prever pessoas que t�m ou provavelmente desenvolver�o a doen�a de Alzheimer. Isso acelerar� bastante os estudos de pesquisa, incluindo a descoberta de novos tratamentos, al�m de melhorar o diagn�stico na cl�nica com um simples exame de sangue”, afirmou Randall Bateman, destacando que, antes de o teste ser incorporado � pr�tica laboratorial, ser�o necess�rios mais experimentos.
Palavra de especialista
Ot�vio Castello, presidente da regional DF da Associa��o Brasileira de Alzheimer (Abraz-DF)
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“A doen�a de Alzheimer tem um diagn�stico que � fundamentalmente cl�nico, ou seja, a narrativa de fen�menos, como perda de altera��o do estado mental, com os exames de imagem e os testes que avaliam a fun��o ps�quica. Em alguns casos selecionados, principalmente no ambiente de pesquisa, a gente faz uma pun��o do l�quor para dosar subst�ncias como a tau e a amiloide. Essa dosagem ajuda muito como padr�o de refer�ncia para ver bioquimicamente o que acontece no c�rebro. Mas � uma coisa cara, com riscos. Por isso, existe uma busca h� muito tempo de marcadores no sangue. Um desafio enorme � que, na fisiologia humana, existe a barreira hematoencef�lica. Ent�o, tentar encontrar, no sangue, coisas que est�o acontecendo no c�rebro � mais dif�cil, porque n�o passam nessa barreira. Nesse estudo, os pesquisadores descrevem um m�todo que consegue detectar v�rios tipos de prote�na tau no sangue. � um estudo muito inicial, mas parece promissor. Mas n�o quer dizer, de jeito nenhum, que � um teste novo e j� dispon�vel. Pesquisas adicionais ser�o necess�rias.”