
Quando o organismo dos seres vivos � surpreendido por um agente invasor, como v�rus e bact�rias, ele passa a produzir anticorpos. Em busca de terapias para enfermidades complexas, cientistas usam esses soldados como mat�ria-prima para o desenvolvimento de medicamentos mais eficazes. A estrat�gia tem surtido resultados positivos para c�nceres e outros problemas de sa�de. Agora, � investigada para combater a pandemia da COVID-19. Nesse caso, pesquisadores apostam no uso de c�lulas do sangue de pessoas e de animais infectados pelo novo coronav�rus para criar, em laborat�rio, um ex�rcito de defesa mais potente do que o natural.
A ideia de usar anticorpos para o desenvolvimento de medicamentos surgiu em 1975, mas somente nas �ltimas d�cadas as pesquisas com base nessa premissa ganharam for�a, principalmente na busca de tratamentos para doen�as incur�veis. J�lio Cesar Lorenzi, pesquisador da Universidade de Rockefeller, nos Estados Unidos, � um dos cientistas que trabalham nessa �rea. “Eu e meu grupo buscamos, h� anos, anticorpos humanos para serem usados contra o HIV. Selecionamos pacientes que responderam bem ao tratamento, escolhemos as c�lulas de defesa mais fortes ao v�rus para clon�-las e testamos o uso desses anticorpos monoclonais em animais”, conta o especialista brasileiro.
O cientista detalha que, na pesquisa feita com o HIV, os testes em ratos foram positivos, e o pr�ximo passo ser� repetir o experimento em cobaias maiores. O grupo de pesquisadores, por�m, deu uma pausa no trabalho para se dedicar � busca por anticorpos para tratar a COVID-19. “Com o problema da pandemia, vimos que era importante dar foco a essa enfermidade. Pela nossa experi�ncia anterior e por essa t�cnica ser muito promissora, resolvemos us�-la. A premissa � a mesma: pegamos as c�lulas de defesa de pacientes aqui de Nova York que responderam bem ao v�rus Sars-CoV-2 para test�-las em animais”, relata.
Lorenzi e seus parceiros de pesquisa encontraram dois anticorpos promissores em pacientes recuperados da COVID-19. As c�lulas de defesa obtiveram resultados animadores no combate ao v�rus Sars-CoV-2 em ratos. Agora, ser�o testadas em macacos. “Acreditamos que vamos conseguir divulgar os resultados em cerca de 30 dias, n�o posso dar detalhes, mas digo que estamos muito animados”, diz. “Acreditamos que esse tipo de tratamento vai ser muito importante porque, no melhor cen�rio, mesmo que tenhamos uma vacina, pode ser que ela n�o funcione em uma parcela da popula��o. Al�m disso, rem�dios eficientes ser�o necess�rios”, diz.
"Acreditamos que esse tipo de tratamento vai ser muito importante porque, no melhor cen�rio, mesmo que tenhamos uma vacina, pode ser que ela n�o funcione em uma parcela da popula��o. Al�m disso, rem�dios eficientes ser�o necess�rios"
J�lio Cesar Lorenzi, pesquisador da Universidade de Rockefeller, nos Estados Unidos
COQUETEL
Al�m do grupo de Lorenzi, outros pesquisadores e empresas m�dicas t�m realizado pesquisas com anticorpos monoclonais para tratar a COVID-19. Um dos projetos mais avan�ados pertence ao grupo farmac�utico americano Regeneron. No in�cio de julho, a empresa anunciou que deu in�cio � fase de ensaios cl�nicos de um coquetel de anticorpos para tratar o novo coronav�rus. Os pesquisadores usam duas c�lulas de defesa: uma retirada de pacientes infectados e outra produzida totalmente em laborat�rio.
“A nossa estrat�gia consiste em usar essas mol�culas que j� respondem bem ao v�rus, porque isso gera maior efic�cia do medicamento. Os anticorpos t�m as armas necess�rias para lutar contra a infec��o”, explica, em comunicado, George D. Yancopoulos, diretor cient�fico da Regeneron. “Estamos realizando testes com seguran�a, e o mais r�pido poss�vel, para fornecer uma solu��o potencial para prevenir e tratar infec��es por COVID-19.”
Gesmar Rodrigues Silva Segundo, coordenador do Departamento Cient�fico de Imunodefici�ncias da Associa��o Brasileira de Alergia e Imunologia (Asbai), explica que os anticorpos monoclonais t�m sido muito explorados para a COVID-19 porque sua estrat�gia de a��o faz parte de uma nova tend�ncia na �rea m�dica: a terapia-alvo. “Ao usar um anticorpo que se manifestou no corpo de um paciente, ele vai agir diretamente naquele v�rus. Voc� tem a chave para aquela fechadura. � o ideal. Muitas empresas usaram esse recurso para outras enfermidades e tiveram sucesso. Consequentemente, v�o investir nela para a COVID-19 tamb�m”, avalia.
O especialista ressalta que os testes com anticorpos monoclonais precisam avan�ar para que a efic�cia da abordagem no combate ao novo coronav�rus seja comprovada e para que os protocolos de uso sejam bem definidos. “At� agora, temos visto muitas not�cias positivas, mas � prudente esperar e n�o comemorar antes da hora. H� grupos espec�ficos, como crian�as, idosos e pessoas com comorbidades, que precisamos saber se, neles, o efeito ser� o mesmo. Al�m disso, h� o pre�o, esses medicamentos s�o bem caros”, afirma. “Somente com testes mais avan�ados, teremos como nos planejar melhor e saber de que forma esses anticorpos podem nos ajudar no combate � COVID-19.”
Atividade imune em cobaias at� 50 vezes maior
Al�m da utiliza��o de c�lulas de defesa humanas para o desenvolvimento de medicamentos para a COVID-19, especialistas t�m testado o poder dos anticorpos provenientes de animais. Os cientistas buscam nas cobaias uma rea��o imune ainda mais forte do que a humana. A primeira pesquisa sobre o tema foi feita por cientistas da Universidade do Texas, nos Estados Unidos. Em artigo publicado, em maio, na revista especializada Cell, eles revelaram que anticorpos produzidos por lhamas foram capazes de combater com efic�cia o Sars-CoV-2.
“Os anticorpos humanos ligam-se a uma prote�na-chave, respons�vel pela prolifera��o do v�rus. Observamos que algumas das c�lulas de defesa das lhamas tamb�m se ligam a essa pe�a-chave, mas tinham um efeito maior, pois reconheciam outras partes do pat�geno. Isso faz com que elas lutem contra o v�rus com ainda mais for�a”, detalha Jason McLellan, professor de bioci�ncia molecular na Universidade do Texas e um dos autores do artigo.
Os pesquisadores realizaram testes laboratoriais com os anticorpos das lhamas e observaram resultados positivos em ratos infectados com COVID-19. Eles pretendem dar continuidade ao estudo. “Queremos analisar agora em macacos e, depois, seguiremos para testes cl�nicos (em humanos), com esperan�a de repetir o sucesso que tivemos at� agora, mesmo que demore um pouco mais. Obtivemos esses resultados iniciais r�pidos porque j� est�vamos buscando anticorpos para tratar outros coronav�rus”, conta McLellan.
Uma empresa de biotecnologia americana tamb�m encontrou anticorpos mais potentes para tratar a COVID-19 em animais. Os pesquisadores do grupo SAb Biotherapeutics usaram vacas como cobaias. Na an�lise do sangue de animais infectados pelo Sars-CoV-2, os cientistas encontraram anticorpos com rea��es expressivas contra o coronav�rus. Com base neles, desenvolveram o soro SAB-185. Em testes com ratos, o soro mostrou-se quatro vezes mais efetivo no combate � enfermidade quando comparado aos anticorpos humanos. Os cientistas acreditam que poder�o desenvolver medicamentos com base no soro de anticorpos das vacas.
APOSTA NACIONAL
Uma pesquisa brasileira � a mais recente a mostrar anticorpos de origem animal como uma esperan�a de tratamento para a COVID-19. Cientistas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em parceria com outros grupos de pesquisa, infectaram cinco cavalos com uma prote�na produzida em laborat�rio. A mol�cula foi desenvolvida para ter semelhan�as ao v�rus da COVID-19 e, assim, provocar a produ��o das c�lulas de defesa ao v�rus.
Os pesquisadores encontraram uma atividade imune 50 vezes mais potente no plasma retirado de equinos que receberam a prote�na. “A prote�na que produzimos mostrou-se muito efetiva para estimular a produ��o de anticorpos em cavalos, tendo-se obtido uma quantidade muito maior do que a de anticorpos encontrados em humanos que j� contra�ram COVID-19”, relata, em comunicado emitido pela UFRJ, Leda Castilho, coordenadora do projeto e pesquisadora do Laborat�rio de Engenharia de Cultivos Celulares (Lecc) da institui��o de ensino.
O grupo brasileiro pediu a patente da t�cnica. Enquanto espera o resultado, vai se concentrar no desenvolvimento de terapias com base no soro dos superanticorpos. Presidente do Instituto Vital Brazil, que participa do projeto, Adilson Stolet explica que o volume de plasma produzido � outro atrativo da abordagem. “N�s temos 300 animais, mas podemos comprar mais 500. Em dois meses, ter�amos uma quantidade enorme de anticorpos.” (VS)
Palavra de especialista
Natalia Pasternak
diretora do Instituto Quest�o de Ci�ncia (IQC), em S�o Paulo
Pr�ticas promissoras
"Essas pr�ticas j� v�m sendo testadas em busca de medicamentos de outras doen�as e aos poucos vemos como s�o promissoras. Elas s�o muito similares ao que fazemos com o soro usado para tratar picadas de cobra, que s�o feitos com base no veneno do animal. Pegamos o material do paciente infectado e com base nele tentamos desenvolver rem�dios. Esses rem�dios, feito com anticorpos monoclonais, que s�o sintetizados em laborat�rio, podem ser uma das melhores esperan�as que temos para chegar a um tratamento espec�fico para a COVID-19. Outro ponto positivo foram as descobertas vistas em pesquisas com anticorpos de animais, um processo mais simples, mas tamb�m promissor. N�o � regra que ao infectar o animal ele tenha uma resposta imune maior que a dos humanos, s�o gratas surpresas as que tivemos at� agora. Seria muito positivo ter ainda mais essa arma para nos proteger."