
Em 2019, a Organiza��o Mundial da Sa�de (OMS) classificou o movimento antivacina como um dos maiores perigos sanit�rios do mundo e o incluiu no relat�rio que lista as dez maiores amea�as � sa�de global. Outra pesquisa feita pelo grupo Uni�o Pr�-Vacina (UPVacina), da Universidade de S�o Paulo (USP) de Ribeir�o Preto, aponta que houve um aumento de 383% em postagens com conte�do falso ou distorcido sobre vacinas contra a COVID-19 no Brasil nos �ltimos dois meses.
Pensando nisso, o Correio conversou com especialistas para sanar as principais d�vidas sobre o assunto e mostrar o que � verdade e o que � mentira sobre a t�o aguardada, e por vezes temida, imuniza��o.
Algumas pessoas acreditam que um tipo espec�fico de vacina contra a COVID-19 — as de RNA mensageiro, produzidas pelas empresas Pfizer e Moderna — podem causar altera��es no material gen�tico humano. Essa cren�a, no entanto, n�o tem nenhum embasamento cient�fico, uma vez que as f�rmulas desses medicamentos sequer entram em contato com o nosso DNA.

“Essas vacinas j� est�o sendo estudadas h� um tempo para outras doen�as de agentes infecciosos, como o zika e a raiva. Elas consistem no uso de uma fita de RNA mensageiro, ou seja, que carrega uma ‘mensagem’ ou informa��o de como construir uma prote�na. A prote�na em quest�o � a prote�na S da esp�cula do SARS-CoV-2. Ao receber a vacina, esses RNA mensageiros s�o entregues �s c�lulas, que, com a instru��o dada, produzem a prote�na e a apresentam para o nosso sistema imune, que vai ‘treinar’ para reconhec�-la e montar uma resposta especializada para isso”, explica a biom�dica e doutora em neuroci�ncias Mellanie Fontes-Dutra.
“N�o existem comprova��es cient�ficas sobre altera��es no nosso DNA promovidas por vacinas de RNA. Elas s�o rapidamente degradadas dentro de nossas c�lulas, ap�s a leitura da informa��o para a constru��o das prote�nas. Outra coisa que deve-se levar em conta s�o os compartimentos celulares em que o DNA e o RNA encontram-se, que s�o diferentes. O DNA fica no n�cleo, uma regi�o espec�fica dentro da c�lula que tem uma regula��o imensa do que entra e do que sai. J� o RNA mensageiro est� no citoplasma, uma regi�o externa ao n�cleo”, completa a profissional.

Essa teoria da conspira��o ganhou for�a ap�s o cofundador da empresa Microsoft Bill Gates declarar em uma entrevista que, eventualmente, "teremos alguns certificados digitais" para identificar quem se recuperou da COVID-19, foi testado ou que recebeu a vacina, sem qualquer men��o a microchips. A afirma��o, contudo, foi suficiente para que uma s�rie de boatos come�assem a se espalhar pela internet e dessem origem � falsa not�cia de que Gates planejava implantar microchips de rastreamento na popula��o mundial.
Um argumento que tenta sustentar essa teoria faz refer�ncia a um estudo, financiado pela funda��o do empres�rio, sobre uma “tinta invis�vel” que poderia ser aplicada na pele para identificar aqueles que j� se vacinaram contra o coronav�rus. O projeto funcionaria como um registro de vacina��o, mas n�o teria tecnologia para permitir o rastreamento de pessoas, nem a inclus�o de informa��es em banco de dados para vigil�ncia.

Esse rumor afirma que algumas vacinas contra a COVID-19 utilizam tecidos celulares de fetos abortados ou de tumores em suas formula��es. A informa��o, por�m, � falsa.
“As vacinas nunca trouxeram em suas composi��es res�duos de fetos abortados e tumores, muito menos agora que a ci�ncia desenvolveu tecnologias cada vez mais de ponta e super atuais, com a m�xima inten��o de preservar vidas”, pontua o professor de epidemiologia da Universidade de Bras�lia (UnB) Wildo Navegantes de Ara�jo. “S�o tecnologicamente avan�adas e inertes ao corpo humano”, acrescenta.

Em 1998, um m�dico brit�nico chamado Andrew Wakefield publicou um estudo desenvolvido por ele no qual afirmava que o autismo em crian�as poderia ser causado pela vacina tr�plice viral. No entanto, v�rios estudos realizados posteriormente a esta publica��o comprovaram que as conclus�es feitas por Wakefield estavam completamente erradas. O artigo foi retirado de circula��o e, al�m disso, o m�dico perdeu seu registro profissional e foi culpado por m� conduta �tica, m�dica e cient�fica. Na �poca, foi comprovado tamb�m, no tribunal, que havia conflitos de interesse envolvidos na pesquisa.
“Essa foi a primeira grande fake news envolvendo vacinas. O profissional que disseminou essa informa��o falsa teve que se retratar e perdeu o registro profissional dele. Devido � gravidade, at� hoje sofremos as consequ�ncias disso. Foi realizado um estudo muito s�rio na Dinamarca com mais de 600 mil crian�as, em uma avalia��o bastante aprofundada, onde se descartou realmente essa associa��o entre as vacinas e o autismo”, conta a m�dica infectologista Val�ria Paes.

Algumas pessoas acreditam que certas vacinas, por carregarem o v�rus inativado ou atenuado, podem ser as causadoras das doen�as �s quais foram destinadas a combater. Esse medo, por�m, n�o tem qualquer embasamento cient�fico.
“Em hip�tese alguma as vacinas hoje dispon�veis, ou em processo de fase III nas pesquisas registradas e acompanhadas pelos Comit�s de �tica de Pesquisa em Seres Humanos nos diversos pa�ses, podem levar a infectar algu�m com o SARS-CoV-2. O que pode acontecer � a situa��o em que uma pessoa j� infectada, mas incubando o v�rus naturalmente pego de algu�m doente, venha a tomar a vacina. Ao desenvolver a doen�a, ela atribui � vacina tomada dias antes mas, na verdade, j� seria o desenvolvimento da doen�a, que estava latente nesta pessoa”, explica o m�dico epidemiologista Wildo Navegantes de Ara�jo.

At� o momento, temos mais de 200 imunizantes contra a COVID-19 em estudo — 10 deles nas fases finais de teste — e algumas vacinas em produ��o. Antes de serem disponibilizadas � popula��o, elas passam por uma s�rie de testes minuciosos e extremamente cuidadosos. Confira a seguir quais s�o as etapas de uma nova vacina no Brasil, segundo o Instituto Butantan:
Prova de conceito: prova o efeito da vacina sobre determinada doen�a;
Pr�-cl�nico em animais: esse efeito e todos os quesitos de seguran�a para a sa�de s�o verificados em um primeiro grupo de indiv�duos. Tudo � feito em BPL (Boas Pr�ticas de Laborat�rio) com acompanhamento do Controle de Qualidade e da Ag�ncia Nacional de Vigil�ncia Sanit�ria (Anvisa);
Estudos cl�nicos: a Anvisa autoriza o in�cio dos estudos cl�nicos em seres humanos;
Fase I: com um grupo de pessoas, nesta primeira fase testa-se a seguran�a do medicamento, levando em conta as rea��es que as subst�ncias podem causar no organismo;
Fase II: os testes, neste momento s�o muito semelhantes ao anterior, por�m o grupo testado � maior;
Fase III: o grupo testado � ampliado para a avalia��o da efic�cia;
Registro do produto na Anvisa: a �ltima etapa � feita obedecendo aos seguintes crit�rios: avalia��o do processo produtivo, certifica��o da f�brica e do produto e resultado de efic�cia.
Assim, al�m de serem seguras, as vacinas passam por um longo e cauteloso controle de qualidade, para que cheguem at� as pessoas de forma a garantir uma imuniza��o ben�fica e tranquila.

Sim, � verdade que as vacinas, tanto as produzidas contra a COVID-19, quanto quaisquer outras, possam causar algum tipo de rea��o adversa, dependendo do paciente. Por�m, isso n�o � motivo para deixar de se vacinar, nem as torna menos seguras ou eficazes.
“As vacinas podem causar efeitos colaterais, por�m s�o t�o raros e leves, clinicamente falando, que o benef�cio acaba sendo muito maior que as poss�veis rea��es adversas. At� o momento, os pa�ses que come�aram a vacinar documentaram pouqu�ssimos casos de rea��o adversa, menos de 0.0001% de pessoas com rea��es leves”, afirma o epidemiologista Wildo Navegantes de Ara�jo.
“Com a imuniza��o, milhares de casos graves e �bitos relacionados ao coronav�rus ser�o evitados, al�m da retomada da economia das sociedades. Com certeza, valer� a pena tomar esta vacina”, arremata o profissional.
*Estagi�ria sob supervis�o de Fernando Jord�o