A compra da obra A lua pelo Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA) levou Tarsila do Amaral (1886-1973) para outro patamar da arte internacional. Agora, ela est� ao lado de Pablo Picasso e Henri Matisse. Literalmente, j� que vai passar a integrar a exposi��o permanente da institui��o no m�dulo dedicado �s mesmas vanguardas das quais Picasso faz parte, mas tamb�m financeiramente. O museu norte-americano pagou US$ 20 milh�es (R$ 75 milh�es) pela obra. Foi a maior quantia j� paga por uma obra de arte de um artista latino-americano. Nem Frida Kahlo atingiu esse valor. Quando vendido para o colecionador argentino Eduardo Constantini, em 1995, o Abaporu, tamb�m de Tarsila, custou US$ 2,5 milh�es.
Para Tarsila do Amaral, sobrinha-neta da artista e administradora dos bens da pintora, a venda marca uma nova fase na valoriza��o da obra da modernista, que passa a ser reconhecida internacionalmente. O interesse pela produ��o da tia come�ou h� cerca de tr�s anos, quando Tarsilinha, como � conhecida, sugeriu uma exposi��o ao Instituto de Arte de Chicago. A institui��o coproduziu, com o MoMA, a exposi��o Tarsila do Amaral: inventing modern art in Brazil, primeira retrospectiva de Tarsila nos Estados Unidos. O museu recebeu, em 2018, 130 obras da fase mais importante da artista, o per�odo antropof�gico. “A repercuss�o foi incr�vel”, lembra a sobrinha-neta.
Desde ent�o, o MoMA, cujo acervo contava apenas com um desenho da artista doado por Max Perlingueiro, passou a ficar de olho no mercado para uma eventual compra de maior porte. Quando preparava a exposi��o para a institui��o, o curador Luis P�rez-Oramas esteve em S�o Paulo para conhecer as cole��es que poderiam emprestar obras. P�rez ficou encantado com A lua, mas n�o p�de contar com a tela por quest�es judiciais relacionadas a um invent�rio. “O MoMA vinha pensando em adquirir pinturas de Tarsila desde que Luis Perez-Orama come�ou a trabalhar na exposi��o apresentada no ano passado”, revela Ann Temkin, curadora-chefe de pintura e escultura do MoMA.
Segundo Temkin, a obra entrar� em exposi��o em outubro, quando o museu deve inaugurar a expans�o que vai permitir um aumento importante no espa�o expositivo. “� importante para o museu porque n�s consideramos nossa cole��o uma fonte prim�ria da arte moderna, e o trabalho de Tarsila tem um lugar significativo e fascinante na hist�ria da arte.”
VANGUARDAS
A lua pertencia � cole��o Fanny Feffer, da fam�lia propriet�ria da f�brica de papel Suzano. Fanny comprou a obra das m�os da pr�pria Tarsila, nos anos 1950. “Eu adorava pedir a ela que me contasse como foi ir no ateli�, escolher a obra e lev�-la para casa”, conta Tarsilinha. “Ela ficava toda orgulhosa.” A lua, uma pintura a �leo de 110 X 110 cm, n�o era uma obra qualquer. Pintada em 1928, simboliza a melhor fase da pintora, aquela em que faz a fus�o definitiva da brasilidade com as ideias das vanguardas modernas europeias. A partir dos anos 1920, Tarsila pintou os quadros mais importantes da carreira, como o Abaporu e Urutu (O ovo), telas que inauguram o movimento antropof�gico.
A d�cada de 1920 foi de interc�mbio entre a artista e os pintores, que, concentrados em Paris, encabe�avam o movimento modernista europeu. Tarsila morou em Paris e estudou com Fernand L�ger, expoente do movimento. “Com trabalhos como esse (A lua), ela come�ou um novo estilo, distinto de tudo o que havia na cena parisiense: sensual, com paisagens altamente estilizadas e representa��es da vida cotidiana realizadas com uma rica paleta de cores saturadas”, pontua texto sobre a artista publicado no site do MoMA.
Na pintura, um quarto de lua desponta no horizonte sob o olhar de uma silhueta que lembra uma pessoa em cen�rio extremamente on�rico, caracter�stica que marcaria boa parte dos quadros de Tarsila pintados na �poca.
Desde a exposi��o e, sobretudo, desde a compra de A lua pelo MoMA, Tarsilinha tem recebido pedidos de informa��o para poss�veis exposi��es. Em abril, o Museu de Arte de S�o Paulo (Masp) inaugura a mostra Tarsila popular e traz O pescador, do Hermitage Museum, de S�o Petersburgo (R�ssia), e A cuca, do Museu de Grenoble (Fran�a). H�, no entanto, poucas obras da artista fora do Brasil|: boa parte das 240 telas pintadas por ela est�o em cole��es privadas brasileiras. “Ela n�o pintou tantas telas assim”, afirma a sobrinha-neta. “E � muito dif�cil comprar uma obra dela. Mas essa venda vai agitar o mercado.”
Tarsila do Amaral teve uma filha e uma neta, que morreram antes dela. Os herdeiros, hoje, s�o os sobrinhos-netos. Para administrar o esp�lio da tia, eles criaram uma empresa. “E s�o muitos. Mas, felizmente, meus primos me d�o muita autonomia para trabalhar”, diz Tarsilinha. Hoje, parte do trabalho da empresa � lidar com autoriza��es para publicar reprodu��es das obras da artista. H� poucas pinturas da modernista ainda nas m�os da fam�lia. Quatro, no m�ximo, segundo as contas de Tarsilinha, cujo pai, irm�o da artista, era o advogado respons�vel pelo legado.
duas perguntas para...
ANN TEMKIN,
curadora-chefe de pintura e escultura do MoMA
Em qual sala voc�s pretendem exibir A lua? Quem ser�o seus vizinhos?
Quando o nosso museu abrir sua expans�o, em outubro, n�s instituiremos um sistema no qual galerias ter�o uma composi��o mais fluida. Em outras palavras, as galerias v�o mudar ao longo das esta��es e todo o nosso acervo poder� ser visto em diferentes contextos e configura��es. Para come�ar, n�s vamos mostrar A lua no contexto de outras obras feitas ou exibidas em Paris nos anos 1920.
O que � t�o peculiar nessa pintura? E foi dif�cil encontrar uma pintura da artista � venda no mercado de arte?
A pintura tem um esp�rito muito especial, ela �, ao mesmo tempo, inovadora e psicologicamente poderosa. Obras de Tarsila dos anos 1920, que � sua d�cada mais importante, que n�o est�o em institui��es p�blicas, s�o muito raras e n�s tivemos muita sorte de encontrar uma oportunidade de adquirir essa linda pintura.