
Em 12 de janeiro de 2018, Jos� Bonif�cio de Andrada e Silva (1763-1838) passou a ser considerado oficialmente o Patrono da Independ�ncia do Brasil. O senador Antonio Anastasia (PSDB-MG) foi o autor do projeto de lei que deu o reconhecimento oficial ao estadista.
“Quando Jos� Bonif�cio morre em Paquet�, ele est� esquecido. Teve uma cerim�nia f�nebre importante n�o porque fosse quem fosse, mas porque era um acontecimento social na �poca. Ele estava empobrecido, sequer foi reconhecido no Rio de Janeiro. Sua imagem s� foi recuperada em 1922, no centen�rio da Independ�ncia do Brasil”, afirma a historiadora Mary Del Priore.
Em As vidas de Jos� Bonif�cio (Sextante), que chega nesta segunda (25) �s livrarias, Del Priore apresenta uma imagem bem diferente da que a historiografia nos apresentou at� aqui. “Quando funda o jornal O Tamoio (em 1823), Jos� Bonif�cio constr�i a figura do patrono. Defende a ideia de que, sem os Andrada, a emancipa��o do Brasil n�o teria sido feita. S� que essa ideia foi constru�da � custa de muita ciz�nia, fofoca. Jos� Bonif�cio instrumentalizou a ma�onaria. Ele tinha um vi�s truculento”, afirma a historiadora.
Mary chegou � figura do tutor de D. Pedro II porque queria falar sobre um brasileiro exilado. “Ele passou 36 anos fora do Brasil. Sempre gostei de personagens com um p� entre o Brasil e o exterior, talvez por causa da minha pr�pria vida, um pouco c� e l�. Queria ver menos a parte pol�tica, pois n�o sou historiadora de hist�ria pol�tica, mas ter a possibilidade de analisar como um exilado se sentiria. E n�o sendo parte da fam�lia imperial, ele tem um perfil diferente.”
Nascido em Santos, na ent�o Capitania de S�o Paulo, Jos� Bonif�cio partiu para Portugal em 1783, onde estudou na Universidade de Coimbra. Como naturalista, fez sucessivas incurs�es no continente europeu – temporadas na It�lia, Su�cia, Noruega. Esteve tamb�m em Paris no in�cio da Revolu��o Francesa. S� retornou ao Brasil em 1819.
Para compor o perfil dessa primeira fase europeia, Mary pesquisou em diferentes arquivos. A correspond�ncia do pr�prio Jos� Bonif�cio foi uma fonte importante. “Como ele raramente datava as cartas, tive que reconstituir com muita min�cia cada lugar onde esteve, principalmente Paris e Coimbra, para poder associar com a correspond�ncia.”
O personagem passou para a hist�ria como naturalista, estadista e poeta. “Suas poesias s�o horrorosas, ele era um p�ssimo poeta”, destaca a autora. O naturalista tampouco teve grande carreira, Mary afirma. “Quando ele vai para o Norte da Europa (numa excurs�o cient�fica bancada pela Coroa Portuguesa), n�o consegue fazer rela��es humanas. As viagens foram muito frustrantes. O lugar mais importante daquela �poca era a Inglaterra, uma vez que a minera��o estava em desenvolvimento. Pois Jos� Bonif�cio n�o passa do porto. Na parte intelectual, ele n�o aparece em nenhuma publica��o, n�o deixa marcas.”
TATIBITATE Mary lembra-se do muito que se comenta das 11 l�nguas que ele falava. “Pois era tatibitate total, algo reconhecido por quem conversava com ele. Todo mundo tamb�m cita os cargos que ele teve. S� que ele tinha cargos que n�o exercia, era mal remunerado. Vivia sempre atr�s de dinheiro.” � essa figura, “extremamente frustrada”, que retorna ao Brasil tr�s d�cadas depois de hav�-lo deixado. Tinha 56 anos.
“Jos� Bonif�cio tinha um projeto de poder. O grande trabalho dele, que tem a ver com os dias de hoje, s�o os Brasis. Naquele momento, o Brasil tinha S�o Paulo come�ando com o caf�, a Bahia ainda com o cacau e o a��car, o Nordeste com o extrativismo. Cada regi�o tinha sua pr�pria agenda e seus pol�ticos defendendo os pr�prios interesses. Conseguir aglutinar tantas vozes � o grande trabalho que ele faz”, afirma Mary.
Para a historiadora, Jos� Bonif�cio era um “toleracionista”. “Ele dizia para as elites que n�o iria abolir a escravid�o, mas fazer a antecipa��o (extin��o gradual da escravid�o e emancipa��o, tamb�m gradual, dos escravos) para depois ver como iria ficar. Mais tarde, quando fala sobre a inclus�o dos escravos, n�o h� nenhum pioneirismo nisso. O que ele faz � beber no que j� havia sido escrito sobre o assunto por colegas.”
Realizada a independ�ncia, em 1822, Jos� Bonif�cio continua no poder at� o ano seguinte. Banido, acaba sendo exilado e volta para a Europa, numa temporada de mais seis anos. Em seu �ltimo retorno ao Brasil, Jos� Bonif�cio volta ao poder como tutor de D. Pedro II. “� interessante ver que, mesmo com a partida de D. Pedro I para a Europa, em vez de se acalmar, Jos� Bonif�cio volta a fazer pol�tica. Chega a falar mal at� da governanta das crian�as. Tenta dar o golpe da restaura��o (o que representaria o retorno de D. Pedro I), ou seja, est� sempre conspirando.”
Sua trajet�ria p�blica termina em dezembro de 1833, de maneira nada pac�fica. � acusado de trai��o. “Sob as armas de mais de 100 homens da cavalaria e da infantaria, o tutor foi obrigado a entregar o cargo. Seguiu, depois, na sege do juiz Pilar, at� a rampa da Praia de S�o Crist�v�o. De l�, atravessou �s escuras as �guas da ba�a, at� a pequena Paquet�. Em casa, ficou em pris�o domiciliar”, escreve a historiadora. Conclu�da a biografia de Jos� Bonif�cio, Mary j� est� �s voltas com outra personagem pol�mica da hist�ria do Brasil. “Vou mostrar que Dona Maria (rainha de Portugal entre 1777 e 1816, m�e de D. Jo�o VI) n�o era louca”, finaliza Mary.
TRECHO
“Mas, com tantas acusa��es, de onde veio a imagem de Patrono da Independ�ncia associada a Bonif�cio? A mesma historiadora explica que, at� pouco antes do 7 de setembro, os elogios que lhe eram dirigidos como var�o s�bio e judicioso eram insignificantes. Os holofotes estavam sobre D. Pedro, e o s�bio da Corte era Jos� da Silva Lisboa, futuro visconde de Cairu, economista leitor de Adam Smith, jurista e pol�tico amic�ssimo de D. Jo�o VI, de quem foi assessor para assuntos econ�micos, e de D. Pedro. Ali�s, Bonif�cio malevolamente o chamava ‘S�lvio, o corcunda, fra��o de gente, charlat�o idoso’. Raramente qualquer dos Andradas recebia elogios. Por�m frei Francisco Sampaio, importante figura da ma�onaria, fundou O Regulador Brasileiro, no qual brotariam – et pour cause – os maiores elogios a Bonif�cio. Foi, portanto, no Regulador que teve in�cio o engenhoso trabalho de cria��o da imagem que o fixaria na Hist�ria. Trabalho intensificado quando os irm�os passaram a editar O Tamoio.”
Jos� Bonif�cio tinha um projeto de poder. O grande trabalho dele, que tem a ver com os dias de hoje, s�o os Brasis. Naquele momento, o Brasil tinha S�o Paulo come�ando com o caf�, a Bahia ainda com o cacau e o a��car, o Nordeste com o extrativismo. Cada regi�o tinha sua pr�pria agenda e seus pol�ticos defendendo os pr�prios interesses. Conseguir aglutinar tantas vozes � o grande trabalho que ele faz”
Mary Del Priore, historiadora
Mary Del Priore, historiadora
As vidas de Jos� Bonif�cio
Mary Del Priore
Sextante (328 p�gs)
R$ 44,90 e R$ 24,99 (e-book)
