– Voc� n�o pode sair por a� gastando notas de 100, neg�o – diz Paper Boi.
– Por que n�o? � dinheiro americano leg�timo – responde Earn.
– Olha pra voc�, cara! Nem se parece com traficante... Eu tamb�m acharia que a nota � falsa – argumenta Paper Boi.
– Voc� disse que a �nica coisa de que eu precisava para dominar a cidade � dinheiro – reage Earn.
– Dinheiro � uma ideia, cara! Olha, tem um motivo pro cara branco, vestido igual a voc�, poder entrar no banco e pegar um empr�stimo, enquanto voc� n�o pode nem gastar a sua nota de US$ 100. Voc� tem de come�ar a agir como se fosse melhor do que os outros neg�es. S� assim eles v�o come�ar a te tratar melhor – aconselha Paper Boi.
A segunda temporada de Atlanta, agora dispon�vel na Netflix, � mais contundente que a primeira, que levou o Globo de Ouro de melhor s�rie de com�dia em 2017. Est�o l� o mesmo humor caustico, o roteiro sem clich�s manique�stas a respeito do racismo, o olhar perspicaz sobre o cotidiano dos niggas americanos.
No epis�dio Algu�m com grana, Earn (Donald Glover) – o jovem desencantado que abandonou a Universidade de Princeton e virou empres�rio do rapper Paper Boi (Brian Tyree Henry) – recebe um bom dinheiro. Finalmente, pode levar a namorada para a balada.
Pobre Earn. Sua nota de US$ 100 � recusada no cinema. A caixa diz que n�o h� troco, embora aceite uma igualzinha do branco, que exibe o rev�lver assim que o jovem negro reclama. Depois, Earn e sua garota v�o a um bar cool. Pagam, entram, mas o dono (negro) os expulsa, alegando que a nota � falsa. Earn argumenta, est� cheio de raz�o. O policial (negro) o obriga a sair. L� fora, o guarda confessa: todo mundo sabe que o dinheiro dele � de verdade.
Resta chamar Paper Boi para curtir num clube de strip. Earn at� consegue trocar seus US$ 100 em notas de US$ 1 (pagando comiss�o de 20%). � praticamente extorquido para se divertir, cobram dele US$ 200 por uma garrafa de tequila... Cabe ao pragm�tico Paper ensinar regras do “american way of life” ao amigo. Dinheiro tem cor. E aquele nigga sabe muito bem como s�o as coisas na “terra das oportunidades”.
Donald Glover, criador e protagonista de Atlanta, tamb�m sabe das coisas. Tanto sabe que, em fevereiro, p�s �gua no champanhe da festa do Grammy. Nem se deu ao trabalho de buscar os quatro pr�mios que seu alter ego, o m�sico Childish Gambino, ganhou pelo clipe This is America, um petardo contra o racismo.
Pra l� de tardio, o reconhecimento s� veio agora quando empoderamento virou “mainstream”, depois de o rap negro ser esnobado, anos a fio, nas principais categorias da festa pop. Finalmente, Earn – ou Donald “Gambino” Glover – foi � forra. E n�o deixou barato.