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Livro revela amizade epistolar de Drummond com poeta pouco mais velho

O livro 'Correspond�ncia: Carlos Drummond de Andrade e Ribeiro Couto' acrescenta um cap�tulo na hist�ria da forma��o do poeta mineiro ao revelar uma troca de cartas com coment�rios sobre a pr�pria obra e a de colegas


postado em 25/10/2019 04:00 / atualizado em 24/10/2019 19:25

Drummond enviou para Ribeiro Couto trechos de Alguma poesia antes da publicação de seu livro de estreia. O destinatário se calou, porque não gostou dos poemas (foto: Chá com Letras/Divulgação )
Drummond enviou para Ribeiro Couto trechos de Alguma poesia antes da publica��o de seu livro de estreia. O destinat�rio se calou, porque n�o gostou dos poemas (foto: Ch� com Letras/Divulga��o )

Em uma cr�nica publicada no Jornal do Brasil, em mar�o de 1958, o poeta Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) lembrou-se do anivers�rio de 60 anos de um grande amigo – o diplomata, contista, poeta e romancista paulista Rui Ribeiro Couto (1898-1963). No texto, o itabirano afirma que o colega “� o brasileiro que escreve as cartas mais deliciosas”. Durante 40 anos, os dois trocaram missivas em que abordavam os mais diversos assuntos, desde a produ��o liter�ria de cada um e dos colegas at� quest�es �ntimas.

“Realmente, Ribeiro Couto escrevia cartas muito agrad�veis e saborosas de ler. Ele se esfor�ava para criar um estilo, e a correspond�ncia acabou virando uma esp�cie de cr�nica do cotidiano, seja para falar de aspectos liter�rios ou pessoais. Tinha uma fluidez e por isso se tornaram textos muitos interessantes e atraentes,  n�o s� para pesquisadores, como para qualquer leitor”, afirma o jornalista mineiro Marcelo Botorloti, organizador de Correspond�ncia: Carlos Drummond de Andrade e Ribeiro Couto, que acaba de ser lan�ado pela Editora Unesp em parceria com a Imprensa Oficial de S�o Paulo.

A troca de ep�stolas tem in�cio em 11 novembro de 1925. Na ocasi�o, Drummond e Francisco Martins de Almeida, um dos integrantes do grupo de modernistas mineiros, haviam criado A Revista, que tinha o objetivo de difundir as ideias e a produ��o liter�ria dos modernistas de Minas. Ribeiro Couto recebeu um exemplar pelas m�os de Manuel Bandeira e fez quest�o de enviar uma carta � Reda��o da publica��o saudando seus diretores, que ficaram bastante comovidos. Dez dias depois, o autor de Claro enigma e Sentimento do mundo envia sua resposta a Ribeiro Couto. “Me comoveu imenso ver um camarada como voc�, poeta de minha velha admira��o, vir ajudar a gente a fazer A Revista. Isso � t�o bonito e t�o significativo que n�o sei como te agradecer.”

Ao todo, o livro re�ne 66 documentos, entre cartas, bilhetes, cart�es e telegramas. Todos (a maior parte manuscrita) se encontravam preservados e fazem parte do acervo da Funda��o Casa de Rui Barbosa, que fica no Rio de Janeiro. O curioso � que ambos moravam em Minas quando come�aram a se corresponder. Drummond era um estudante de farm�cia em Belo Horizonte e Ribeiro Couto era promotor de Justi�a em Pouso Alto, no Sul do estado.

Bortoloti, que acaba de concluir um doutorado sobre o vi�s mais pol�tico de Carlos Drummond de Andrade, destaca que, ao lado das cartas trocadas com M�rio de Andrade e Manuel Bandeira, essa correspond�ncia configura uma tr�ade epistolar que ajuda a compreender a inicia��o do poeta mineiro no caminho das letras. “� interessante que, mesmo sendo apenas quatro anos mais velho do que Drummond, Ribeiro j� era um autor com livros publicados e conhecido, enquanto Carlos Drummond de Andrade era um rapaz de 22 anos, buscando seu caminho e cheio de inquieta��es juvenis. Essa troca de cartas ajudou um pouco ele a sair daquele ambiente provinciano. O Ribeiro, de certa forma, n�o deixa de servir como amparo”, avalia.

Os dois se conheceram pessoalmente em 1926, em Pouso Alto, ap�s quatro cartas trocadas. Na ocasi�o, Drummond se encontrou tamb�m pela primeira vez com outra figura que admirava, Manuel Bandeira. A impress�o que aquele jovem poeta itabirano causou nos intelectuais n�o foi das melhores. Ribeiro Couto chegou a descrever a visita em versos: “Encontrou Manuel Bandeira,/ sobremesa imprevista e houve discuss�es fort�ssimas inenarr�veis a respeito do futurismo e da vida/ Carlos Drummond n�o sorriu nenhuma vez/ Deixou no copo tr�s dedos de vinho/ que Manuel Bandeira namorou”. J� o poeta pernambucano descreveu: “O Drummond jantou aqui conosco. Feinho pra burro. Implicantinho. A gente n�o faz f�. Couto deu uma esfrega de verve nele. Afinal, j� no trole a caminho da esta��o, ele riu. Uma semana depois ele escreveu de Belo Horizonte se rindo muito e mandando quatro poemetos, tr�s dos quais deliciosos, perfeitos, definitivos: Ouro preto, Cantiga de vi�vo e Inf�ncia. Ele � feinho mas � de fato”.

A troca epistolar entre dois poetas inclu�a o envio de material rec�m-produzido e o compromisso de avalia��o m�tua das obras ainda in�ditas. Drummond enviou a Ribeiro Couto tr�s poemas (Choque, Orozimbo e Religi�o) que ele jamais publicou em livro e que aparecem agora em Correspond�ncia: Carlos Drummond de Andrade e Ribeiro Couto.

Ribeiro Couto era apenas quatro anos mais velho do que Drummond, mas, no ano em que começaram a se corresponder, o mineiro tinha 22 e apenas o paulista era um escritor conhecido (foto: Arquivo Estado de Minas)
Ribeiro Couto era apenas quatro anos mais velho do que Drummond, mas, no ano em que come�aram a se corresponder, o mineiro tinha 22 e apenas o paulista era um escritor conhecido (foto: Arquivo Estado de Minas)


DIVERG�NCIAS 

Quando estava para lan�ar seu primeiro livro, Alguma poesia (1930), o escritor mineiro enviou ao colega paulista alguns trechos. Marcelo Bortoloti explica que, ao contr�rio de M�rio de Andrade, que costumava comentar com detalhes os escritos que recebia, Ribeiro ficou calado. Na verdade, ele at� se manifestou, mas numa carta enviada a Bandeira. E sua avalia��o era negativa. “O livro do Drummond � de uma secura agressiva. N�o conhe�o ningu�m t�o desesperado por despojar a alma da roupagem amorosa, das atitudes de afetuoso abandono.”

J� Drummond, ao comentar um livro do amigo, Um homem na multid�o, definiu Ribeiro Couto como poeta de um “lirismo pequeno”, na medida em que se ocupava das miudezas do cora��o e das pequenas como��es cotidianas, bem diferente, segundo ele, do “lirismo grande” de um M�rio de Andrade ou um Castro Alves, preocupados com quest�es mais gerais da poesia e do ser humano. Ribeiro n�o gostou da cr�tica, chegou a se queixar, mas, no fim das contas, prevaleceu a amizade.

“Os dois tinham personalidades diferentes, chegaram a ter vis�es ideol�gicas distintas tamb�m. Drummond at� se filiou ao Partido Comunista numa determinada �poca, enquanto Ribeiro Couto era integralista e mais conservador. Mas nada que interferisse na amizade. Essa discuss�o pol�tica n�o aparece nas cartas. Esse 'rompimento' fica expl�cito pelo sil�ncio prolongado, j� que ficam um bom tempo sem se corresponder”, comenta o organizador. As missivas s� cessaram quando Ribeiro faleceu. Antes disso, uma invers�o dos pap�is j� se notava. Se no come�o da correspond�ncia Ribeiro Couto era o escritor mais conhecido, no fim da vida do paulista � Drummond quem se sobressai.

Por n�o ter deixado herdeiros e ter passado as �ltimas duas d�cadas de vida servindo como diplomata fora do Brasil – ele morreu em 1963, em Paris –, o nome de Ribeiro Couto foi saindo de cena ao longo dos anos. “Ele foi uma figura muito importante. Foi imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL). Era respeitado nos meios  liter�rio e diplom�tico. Seu livro de maior sucesso, Cabocla, chegou a ganhar adapta��o para a televis�o (a vers�o mais recente, de 2004, est� sendo reprisada no Canal Viva). O livro tem essa miss�o tamb�m de trazer � tona essa figura expoente da nossa literatura”, afirma Bortoloti.


Correspond�ncia: Carlos Drummond de Andrade e Ribeiro Couto

. Imprensa Oficial/ Editora Unesp (226 p�gs.)
. Organiza��o: Marcelo Bortoloti
. R$ 42


POESIA AMIGA
Confira os poemas que Drummond enviou a Ribeiro Couto e nunca publicou em livro

Choque

Tomei o bonde.
Sentei.
Abri o jornal.
Cacete.
Olhei � toa.
An�ncios ilustrados
apregoavam utilidades.
Foi ent�o que encontrei
nos vimos
e intimamente nos amamos.
Me olhou s�.
N�o foi mais do que isso
nem lhe pedi mais.
N�o a bolinei.
N�o nos despedimos.
At� hoje n�o tornei a v�-la
n�o sei se a verei nunca.
N�o foi mais do que isso.
Foi muito pouco
e foi tudo.

Orozimbo

Este mulato � sem vergonha como ningu�m.
Ele vende bala num tabuleiro coberto com toalha de renda
mas furta nas contas e chupa metade das balas.

No fundo do ba� tem um livro velho de modinhas
e na mesa de pau tosco escovas e pomadas cheirosas.
No prego, ao lado duma mulher de cinema o viol�o � um agente l�rico.
Na alma do mulato a m�sica verte nostalgias enormes.

Ele enrabichou a mulata mais dengosa do arrabalde.
Sua voz constipada tem aud�cias e eloqu�ncias rom�nticas.
Seu punho nervoso nocauta os padeiros atrevidos.
Seu cabelo � todo encarapinhado.

Este mulato j� teve cinco vezes na cadeia,
tanto se mete em freges e gosta de beber o seu trago.
Se bebe � insuport�vel, se n�o bebe � como se bebesse.
Todos os senhores graves reclamam contra Orozimbo.

Orozimbo
� a pessoa mais importante do arrabalde.
E eu gosto profundamente de Orozimbo.

Religi�o

Bichinho quer ir s’embora da sala
pra dormir no sol do dia bonito.
Mas a porta da sala est� fechada
e ele n�o pode abrir a porta.
Bichinho planta-se de c�coras muito solene
diante da porta
e p�e-se a ador�-la.
P�e-se a ador�-la para que ela se compade�a.


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