
Nas 600 p�ginas de Grande sert�o: Veredas (1956) h� centenas de refer�ncias ao olhar de Diadorim. “Que vontade era de p�r meus dedos, de leve, o leve, nos meigos olhos dele”, assume, em dado momento, Riobaldo.
O professor titular aposentado de teoria da literatura da UFMG Wander Melo Miranda faz uma liga��o entre a obra m�xima de Guimar�es Rosa com um movimento nascido no Renascimento. “No dolce stil nuovo (doce estilo novo), manifesta��o da poesia italiana do s�culo 13, existe a ideia de que o amor entra pelos olhos. Pelos olhos voc� tem o conhecimento do amor e de que ele � de Deus. Para esse tipo de poesia, a mulher � vista como mulher-anjo. O olhar tem um fasc�nio em que, ao mesmo tempo, � conhecimento e ascens�o a Deus.”
Leitor de Grande sert�o desde os 14 anos, Melo Miranda, de 67, havia percebido na obra um “res�duo” do estilo novo. “� claro que ele (Rosa) deve ter lido Dante (que foi o primeiro a utilizar a express�o), mas n�o quer dizer que ele tenha feito isto conscientemente. Diadorim � uma personagem muito complexa para ser s� isto. Mas achei que seria uma maneira de aproximar a leitura”, afirma o professor.
Os olhos de Diadorim � o ensaio central do livro hom�nimo que Melo Miranda lan�a neste s�bado (19), na Quixote Livraria, em Belo Horizonte. Editado pela Companhia Editora de Pernambuco (Cepe), o livro re�ne 14 textos publicados ou apresentados em eventos acad�micos, entre 1995 e 2018.
O ensaio sobre a c�lebre personagem roseana divide a obra. Na primeira parte est�o textos dedicados � cultura contempor�nea; na segunda, os ensaios versam sobre a obra de autores da tradi��o liter�ria brasileira (Graciliano Ramos, Cyro dos Anjos, Carlos Drummond de Andrade, Pedro Nava).
''Minha preocupa��o, nos �ltimos 20 anos, � responder a uma quest�o: o que pode a literatura neste novo mil�nio? Porque o valor liter�rio, como conhec�amos na modernidade, se fragmentou. O valor hoje � relativo''
Wander Melo Miranda, autor de 'Os olhos de Diadorim'
“Minha preocupa��o, nos �ltimos 20 anos, � responder a uma quest�o: o que pode a literatura neste novo mil�nio? Porque o valor liter�rio, como conhec�amos na modernidade, se fragmentou. O valor hoje � relativo”, afirma o cr�tico. Nos ensaio iniciais, P�s-cr�tica e o que vem depois dela e Comunidades aleat�rias de leitura, Melo Miranda analisa tal quest�o.
“Hoje n�o h� hegemonia: 'isto � literatura; isto n�o'. Depende do grupo. Para mim, que sou professor universit�rio, acostumado com a academia, literatura � uma coisa. Para o leitor comum, outra coisa. Para os jovens que fazem slam, por exemplo, � ainda outra coisa. Mas tudo � literatura. Antonio Candido falava que o direito de literatura � de todos. Acho que hoje temos que fazer da literatura um direito de todos.”
ALTO N�VEL
Para o professor, a paix�o pela palavra, seja de que forma for, � muito forte na cultura brasileira por causa da can��o popular, “de alto n�vel”. Por outro lado, ele destaca, mesmo que a academia “tenha o mais alto ponto de reflex�o liter�rio, tem tamb�m o mais baixo valor mercadol�gico, pois quase n�o se vende texto de ensaio liter�rio, a n�o ser para o p�blico universit�rio”.
A fun��o do cr�tico, na opini�o dele, � tentar entender o contempor�neo sem abrir m�o da tradi��o liter�ria. “O importante � ler o c�none liter�rio aos olhos de hoje. Ningu�m consegue explicar como se consegue ler Cervantes hoje como um autor contempor�neo. Claro que a leitura atual � diferente daquela de 400 anos. O cl�ssico � a leitura que nunca termina, sempre tem algo a apresentar. Agora, a cr�tica � datada, pois ela depende das discuss�es do momento, do contexto hist�rico. A cr�tica acaba ficando como um documento de recep��o da �poca. N�o tenho ilus�o de eternidade de uma cr�tica liter�ria.”
''Para mim, que sou professor universit�rio, acostumado com a academia, literatura � uma coisa. Para o leitor comum, outra coisa. Para os jovens que fazem slam, por exemplo, � ainda outra coisa. Mas tudo � literatura. Antonio Candido falava que o direito de literatura � de todos. Acho que hoje temos que fazer da literatura um direito de todos''
Wander Melo Miranda, autor de 'Os olhos de Diadorim'
Ainda que sempre tenha sido fascinado pelo olhar de Diadorim, Melo Miranda afirma que a interpreta��o que faz da personagem hoje � “uma constru��o que vem da leitura de v�rias literaturas”.
Em sua an�lise, ele relaciona o olhar da personagem com a imagem do p�ssaro. “A imagem an�loga do anjo � a do p�ssaro, pois h� a quest�o da asa, do que voa. Imagina um jagun�o do final do s�culo 19 apaixonado por outro? A beleza do livro est� nisto, pois trata-se de um tipo de amor que n�o tem limite, que foge como um p�ssaro. Tanto que, quando Diadorim morre, Riobaldo fala: 'como que gar�as voavam'.”
Em meio ao lan�amento de Os olhos de Diadorim e outros ensaios, Melo Miranda se prepara para assumir uma vaga na Academia Mineira de Letras. Eleito no in�cio deste m�s com 32 dos 37 votos, ele vai ocupar a cadeira de n�mero sete. Fundada por Avelino F�scolo, tendo Lu�s Cassiano como patrono, ela era ocupada anteriormente por Ricardo Arnaldo Malheiros Fiuza, morto em junho. A posse ser� na primeira quinzena de dezembro.
J� no in�cio de 2020 ele pretende ir a Alagoas, viagem essencial para seu pr�ximo livro. Um dos maiores especialistas na obra de Graciliano Ramos, Melo Miranda, que esteve por 15 anos � frente da Editora UFMG, prepara para a Companhia das Letras biografia do autor de Vidas secas (1938). A previs�o � de que a obra seja publicada em 2021.
Em 1992, o professor publicou a tese Corpos escritos: Graciliano Ramos e Silviano Santiago, estudo pioneiro na reavalia��o da import�ncia de Mem�rias do c�rcere (1953) dentro da obra de Graciliano Ramos. Ainda sobre o escritor alagoano, Melo Miranda publicou em 2004 o ensaio Graciliano Ramos.
Com dois ter�os do livro j� escritos (ele prev� uma biografia em torno de 300 p�ginas), o autor tem que ir a campo. Em Alagoas, onde Graciliano nasceu e viveu suas primeiras d�cadas, Melo Miranda vai at� a cidade natal, Quebrangulo; a Palmeira dos �ndios, onde ele foi prefeito e que abriga o Museu-Casa Graciliano Ramos. Ir� tamb�m a Bu�que (Pernambuco), onde fica a fazenda que pertenceu � fam�lia de escritor. Sua inten��o � escrever uma biografia liter�ria, em que a “obra explica a vida e a vida explica a obra”.
Minha preocupa��o, nos �ltimos 20 anos, � responder a uma quest�o: o que pode a literatura neste novo mil�nio? Porque o valor liter�rio, como conhec�amos na modernidade, se fragmentou. O valor hoje � relativo”
''O importante � ler o c�none liter�rio aos olhos de hoje. Ningu�m consegue explicar como se consegue ler Cervantes hoje como um autor contempor�neo. Claro que a leitura atual � diferente daquela de 400 anos. O cl�ssico � a leitura que nunca termina, sempre tem algo a apresentar''
Wander Melo Miranda, autor de 'Os olhos de Diadorim'
“Para mim, que sou professor universit�rio, acostumado com a academia, literatura � uma coisa. Para o leitor comum, outra coisa. Para os jovens que fazem slam, por exemplo, � ainda outra coisa. Mas tudo � literatura. Antonio Candido falava que o direito de literatura � de todos. Acho que hoje temos que fazer da literatura um direito de todos”
“O importante � ler o c�none liter�rio aos olhos de hoje. Ningu�m consegue explicar como se consegue ler Cervantes hoje como um autor contempor�neo. Claro que a leitura atual � diferente daquela de 400 anos. O cl�ssico � a leitura que nunca termina, sempre tem algo a apresentar. Agora, a cr�tica � datada, pois ela depende das discuss�es do momento, do contexto hist�rico. A cr�tica acaba ficando como um documento de recep��o da �poca. N�o tenho ilus�o de eternidade de uma cr�tica liter�ria”

Os olhos de Diadorim e outros ensaios
Wander Melo Miranda
Cepe Editora (212 p�gs.)
R$ 35 (livro) e R$ 9 (e-book).
Lan�amento neste s�bado (19), a partir das 11h, na Quixote Livraria (Rua Fernandes Tourinho, 274, Savassi).