
Deslizado. Na falta de outra palavra, � dessa maneira que o core�grafo Rodrigo Pederneiras, de 64 anos, define Gil, novo espet�culo do Grupo Corpo. Depois de temporada de estreia em S�o Paulo, a montagem, a de n�mero 40 da companhia mineira, chega ao Pal�cio das Artes. A partir desta ter�a (27), ser�o seis apresenta��es – as tr�s primeiras j� t�m ingressos esgotados. Gil � a coreografia in�dita num programa que inclui Sete ou oito pe�as para um ballet (1994). A remontagem, no entanto, � uma novidade para a maioria dos bailarinos – apenas tr�s dos atuais 18 integrantes em cena haviam dan�ado anteriormente a coreografia.
“A trilha � mais linear, n�o tem grandes picos nem para cima, nem para baixo. � quase um cantoch�o, no sentido do desenho. (Por causa disto) Criei um bal� mais deslizado, todo ch�o, como se fosse passando uma prociss�o”, diz Pederneiras, a respeito dos 40 minutos de trilha criados por Gilberto Gil, de 77. O compositor, que at� ent�o s� assistiu aos ensaios do espet�culo, estar� em BH nesta semana e assistir� � sess�o de quinta-feira (29), de acordo com sua assessoria de imprensa.
A exemplo de Nazareth (1993), Bach (1996) e Lecuona (2004), Gil, a coreografia, carrega o nome do compositor de sua respectiva trilha sonora. Mas, diferentemente das montagens anteriores, esta � a primeira composta pelo autor-homenageado especificamente para o Corpo. E j� que estamos falando de duas trajet�rias que se encontram em um momento de maturidade – o grupo foi criado h� 44 anos; Gil tem mais de 50 de carreira (52 desde o lan�amento de Louva��o, seu �lbum de estreia) –, n�o h� como n�o reconhecer em cena elementos comuns �s respectivas carreiras art�sticas.
Do Corpo, est�o presentes os movimentos de quadril (a marca registrada do grupo), de p�s (semelhante a um chutinho, falando bem grosso modo) e tamb�m os de cabe�a, mais bruscos. “� a base de tudo, vem de quando come�amos a imaginar o que poderia ser uma dan�a brasileira. Praticamente todas as nossas dan�as come�am no quadril, que acaba no outro extremo (no caso, a cabe�a)”, explica o core�grafo.
PARAPAPA
De Gil, as refer�ncias tamb�m s�o claras. Dividida em quatro partes, a trilha original faz men��o a can��es como Aquele abra�o, Tempo rei, Andar com f�, S�tio do picapau amarelo, Ra�a humana. S�o coisas bem sutis. “N�o � necessariamente a melodia, mas pode ser s� um riff. No S�tio, por exemplo, tem aquele 'parapapa' do in�cio da m�sica”, conta Bem Gil, de 34, o filho n�mero seis dos oito do cantor e compositor baiano. Diretor musical de Gil, integrante de sua banda, foi ele quem produziu a trilha do Corpo.
Quando a trilha estava finalizada, “por um pedido do Paulo (Pederneiras, diretor art�stico do Corpo) e do Rodrigo”, foram inclu�das na base original as refer�ncias �s can��es. “N�o houve uma predisposi��o para fazer o uso dessas m�sicas j� conhecidas, mas elas acabaram entrando de maneira interessante, de forma bem experimental. Para o meu pai, o grande barato foi fazer uma trilha original. Se o pedido tivesse chegado com uma ideia de compila��o, talvez ele n�o se animasse tanto”, diz Bem. No est�dio, Gil gravou com sua banda atual, a mesma do �lbum Ok ok ok (2018).
Segundo Bem, o processo foi todo um desafio. Algo que Rodrigo tamb�m enfrentou. A linearidade da m�sica n�o permitiu que o core�grafo criasse, por exemplo, os famosos duos do Corpo. Os bailarinos agora fazem mais solos. “O que acabou sendo mais dif�cil”, admite Rodrigo Pederneiras. At� o n�mero final, que geralmente � o �pice da coreografia, foi diferente. “A m�sica vai 'descendo', 'morrendo'. Ent�o foi uma situa��o muito nova para a gente. Mas, para mim, este final � um dos pontos altos da pe�a.”
A aus�ncia do sempre aguardado pas de deux de Gil acabou dialogando com Sete ou oito pe�as para um ballet, a coreografia que abre o programa. A pe�a, com trilha de Philip Glass e Uakti, tampouco tem pas de deux. “Os dois espet�culos t�m muita cor, s�o claros, luminosos. Agora, tudo foi um grande acaso. A escolha (de remontar a pe�a) veio muito antes, foi uma decis�o do Paulo. Ele vai l� nos arquivos e v� h� quanto tempo n�o se faz um espet�culo. Essas coisas acabaram dando certa coer�ncia, mas isso foi um acaso, n�o foi porque a gente � muito bom ou coisa nenhuma”, diz Rodrigo. Em Gil, um painel cont�nuo em um tom forte de amarelo cobre a caixa c�nica.
O core�grafo se diz muito feliz pela escolha da montagem de abertura. “Quando Sete ou oito pe�as estreou, o coment�rio dos cr�ticos era de um espet�culo frio, sem emo��o. Segui a linha minimalista da m�sica do Philip Glass. Hoje, as pessoas ficam loucas, sentem um tipo de emo��o completamente diferente. � impressionante, mas, assistindo agora, vejo como o espet�culo n�o envelheceu. Acho, inclusive, que cresceu.”
Neste di�logo com o passado, Gil tamb�m busca suas pontes com o futuro. Entre as novidades da coreografia est� o samba – “Desta vez eles sambam de verdade, de forma muito leve, suave” – e um movimento com os bra�os. Logo no in�cio, os bailarinos batem com os bra�os no peito e nas costas. Essa foi a forma que o core�grafo usou para saudar Xang�, o orix� de Gilberto Gil. Tais movimentos marcam toda a coreografia – s�o sempre os mesmos, mas nunca exatamente iguais.
A sauda��o acaba estabelecendo ainda uma ponte com Gira (2017), a montagem anterior do Corpo. Naquele momento, a companhia mergulhou na umbanda – agora se volta para o candombl�. O cat�rtico bal�, considerado um dos mais inventivos da hist�ria da companhia, deu lugar a uma pe�a mais suave, leve, solar. Para Rodrigo, n�o h� como comparar. “Se entrar nesta de 'agora tenho que fazer melhor', estou ferrado. Fazer o que vier, o que deve ser feito.”
QUEBRA-CABE�AS
Encontre as can��es de Gilberto Gil na trilha da nova coreografia do Corpo
» Aquele abra�o e Andar com f�
�lbuns Gilberto Gil (1969) e Um banda um (1982)
Logo no in�cio do espet�culo, ouvimos Gil fazendo um vocalise todo 'quebrado' que remete � primeira parte da can��o de 1969. No mesmo trecho, um arranjo de metais recupera a melodia de Andar com f�.
» Serafim
�lbum Parabolicamar� (1992)
O �ltimo verso da can��o traz a seguinte frase em iorub�: "Oba bi Olorum koozi" (como Deus, n�o h� nenhum). Na trilha, Gil repete a frase v�rias vezes, em meio a uma base percussiva.
» A ra�a humana
�lbum Ra�a humana (1984)
Na parte final da trilha, cada trecho tem o nome de uma forma geom�trica. Em Tri�ngulo, Gil repete “a ra�a humana � uma semana do trabalho de Deus”, verso que abre e fecha a can��o original. Aqui, ele n�o canta, quase recita a frase.
» Tempo rei
�lbum Ra�a humana (1984)
Uma cita��o bastante discreta na parte final do espet�culo, no trecho que leva o nome de Ret�ngulo. Um dos cl�ssicos de Gil, o refr�o, facilmente reconhec�vel, aparece rapidamente em um arranjo de sopros.
GRUPO CORPO
Espet�culos Gil e Sete ou oito pe�as para um ballet. De hoje (27) a s�bado (30), �s 20h30, e domingo (1º), �s 19h, no Pal�cio das Artes – Avenida Afonso Pena, 1.537, Centro, (31) 3236-7400. Ingressos: Plateias 1 e 2: R$ 130 e R$ 65 (meia) e plateia superior: R$ 100 e R$ 50 (meia). Ingressos dispon�veis para apresenta��es de sexta a domingo (demais sess�es esgotadas). Vendas na bilheteria ou no www.ingressorapido.com.br (com taxa de conveni�ncia).