
“S� gritar isso n�o adianta nada na pr�tica. O que a gente tem que fazer, principalmente, � ir atr�s de quem a gente sabe que, num momento de complica��o, e a gente sabe por qu�, pelas coisas que acontecem no nosso pa�s, tomou essa decis�o conscientemente. Essa decis�o errada, pelo menos na nossa vis�o. O que a gente faz para mudar isso? Vamos pensar nisso. � mil vezes mais importante do que gritar essa parada, certo? Porque ele j� est� l�, t� ligado? ”.
Foi com esse discurso que o Djonga, conhecido pela objetividade nas cr�ticas e na tradu��o de suas ideias em rimas do rap, reagiu aos xingamentos desferidos ao presidente Jair Bolsonaro (PSL) pelo p�blico de seu show no Festival Sarar�, na Esplanada do Mineir�o, no �ltimo s�bado (31).
Desde a campanha eleitoral de 2018, shows e outros espet�culos culturais t�m sido palco para manifesta��es condizentes com a polariza��o do cen�rio pol�tico. Contudo, artistas e p�blico nem sempre est�o no mesmo tom, ainda que compartilhem o mesmo campo ideol�gico.
Durante show no #FestivalSarar�, neste s�bado, na Esplanada do Mineir�o, o rapper Djonga questionou o p�blico que xingava Bolsonaro. Segundo ele, o que deve ser feito � "evitar que essa reelei��o aconte�a" e que, na pr�tica, s� os insultos "n�o adiantam". ,%uD83C%uDFA5Alexandre Guzanshe/EM pic.twitter.com/Au3B6jGXJd
%u2014 Estado de Minas (@em_com) August 31, 2019
A combatividade de Djonga est� patente em letras como “Falo o que tem que ser dito, pronto para morrer de p�” ou “Na hora do julgamento, Deus � preto e brasileiro e, para salvar o pa�s, Cristo � um ex-militar, que acha que mulher reunida � puteiro”.
O rapper tampouco economiza no uso dos palavr�es ou adere ao comedimento, como comprova seu mais conhecido refr�o – “Fogo nos racistas!”. Por�m, quando o numeroso p�blico do Festival Sarar� (que colocou 35 mil ingressos � venda) entoou “Ei, Bolsonaro, vai tomar no …”, o cantor belo-horizontino questionou a efic�cia desse gesto. “O que deve ser feito � evitar que essa reelei��o aconte�a”, afirmou, durante um discurso que durou mais de um minuto. No final, Djonga foi muito aplaudido.
Convidado do rapper mineiro para o uma participa��o especial no show de s�bado, Mano Brown, o maior nome do rap brasileiro, adotou uma postura parecida alguns dias antes, em um show dos Racionais MCs em Curitiba (em 17 de agosto). O “grito de guerra” do p�blico era o mesmo, e o vocalista dos Racionais confrontou os que assim se manifestavam.''Ningu�m aqui votou no cara? Ent�o sou obrigado a acreditar no Ultraman, no Pato Donald, no Mickey. Vamos ser transparentes, todo mundo erra, parceiro. Todo mundo � enganado. Acreditou no que n�o era verdade? Tomar golpe n�o � crime nem pecado. � s� assumir. Agora vai xingar? Ningu�m votou no cara? T� bom. Em que cidade n�s estamos?''
Mano Brown, rapper (para p�blico de seu show em Curitiba, no �ltimo dia 17)
“Ningu�m aqui votou no cara?”, perguntou, dando uma risada debochada. “Ent�o sou obrigado a acreditar no Ultraman, no Pato Donald, no Mickey. Vamos ser transparentes, todo mundo erra, parceiro. Todo mundo � enganado. Todo mundo tomou golpe. Tomou golpe, assume e j� era. Tomou golpe da m�dia? Acreditou no que n�o era verdade? Tomar golpe n�o � crime nem pecado. � s� assumir. Agora vai xingar? Ningu�m votou no cara? T� bom. Em que cidade n�s estamos? Ent�o t� bom”. Aplaudido por muitos, seguiu o show. “Vou parar de falar, se n�o vira stand-up”, disse.

Para Veronez, que divide sua carreira entre a m�sica e o teatro, “o p�blico � vivo e n�o h� uma parede entre ele e o palco” e “por isso, o mais interessante � ouvir e iniciar uma conversa”. Por�m, ele destaca a urg�ncia de uma reflex�o maior sobre as manifesta��es.
“Nesse tipo de xingamento coletivo, as pessoas, pela sua grande insatisfa��o, entram na onda e n�o pensam no que est� sendo dito. Apenas expressam sua insatisfa��o, o que � maravilhoso, leg�timo e muito importante. Mas, ao mesmo tempo, penso que isso est� um pouco empobrecido. Esses termos eram usados contra a Dilma. E era muito grave, me lembro daqueles adesivos do tanque de gasolina, que eram de uma viol�ncia absurda", diz.''Tenho mais interesse em saber como conversar com quem o elegeu, democraticamente. � o povo que est� na rua todos os dias. Ele, n�o. Ele est� longe e vai cumprir seu governo. Se mudarmos o foco da pessoa f�sica para o que ela representa, teremos uma rela��o muito melhor e um di�logo que pode ser desenvolvido''
Marcelo Veronez, cantor
"Ent�o, ao mesmo tempo em que � grotesco, n�o contribui para que outras pessoas que est�o ali possam entender as raz�es daquela insatisfa��o. Digo que o atual presidente �, no m�nimo, desonesto nas suas ideias e posicionamentos desrespeitosos frente ao povo brasileiro. Ent�o, n�o gostaria que esse desrespeito fosse uma via de m�o dupla. Um xingamento homof�bico n�o contribui em nada, porque � agir da mesma forma que aquele que voc� confronta”, argumenta Veronez.

"Se mudarmos o foco da pessoa f�sica para o que ela representa, teremos uma rela��o muito melhor e um di�logo que pode ser desenvolvido. Estamos em 2019, existem outras formas de intera��o e comunica��o. As pessoas s�o uma no trato real e outra no virtual, tudo isso precisa ser considerado. N�o podemos ter as mesmas estrat�gias de 20 anos atr�s”, afirma. Por outro lado, ele faz quest�o de esclarecer: “Entendo quando as pessoas externam suas revoltas de forma mais direta e simples. Jamais tentarei censur�-las, apenas proponho a reflex�o”.

Uma discuss�o entre o comediante e alguns integrantes da plateia come�ou e s� terminou com a retirada de alguns deles por seguran�as, a pedido de Mendes. “Devolvo o dinheiro, mas quero voc�s fora, tchau”, disse ele, do palco.
No dia seguinte, domingo (1º), Gustavo Mendes usou suas redes sociais para comentar o epis�dio, num v�deo gravado. “Parte da plateia, insatisfeita com as piadas que fiz sobre Bolsonaro, se sentiu no direito de falar o que eu posso ou n�o posso falar nos meus shows e isso nunca vai acontecer, porque o nome disso � censura e n�o vou aceitar esse tipo de intimida��o, principalmente vindo de pessoas que se articularam para isso”, declarou.
Segundo ele, “o problema dessas pessoas n�o eram as piadas pol�ticas. Eu sou Gustavo Mendes, minha carreira sempre foi de assumir posi��es com for�a e transpar�ncia, mesmo sabendo que isso incomodava muita gente. Humor � sempre oposi��o".
O humorista seguiu dizendo: "Esse � o papel do artista, principalmente do comediante: incomodar os poderosos. Onde estavam essas pessoas quando eu debochava da Dilma e do Temer? Amo meu p�blico, mesmo quem votou no Bolsonaro, mas n�o vou me calar diante do que est� acontecendo no Brasil”.
No mesmo v�deo, Mendes lembrou que Roger Waters e Caetano Veloso tamb�m foram vaiados no palco por raz�es parecidas e Miriam Leit�o, impedida de participar de uma feira liter�ria em Santa Catarina, onde divulgaria um lan�amento.
No entendimento de Mendes, esses epis�dios s�o uma evid�ncia de “nova onda de intimida��o � liberdade de express�o no pa�s”, da qual ele se sente uma das v�timas.