
Na primeira vez em que Jo�o Candido Portinari esteve em Belo Horizonte ele tinha apenas 5 anos. Era 1944 e o garoto estava acompanhando o pai, o pintor Candido Portinari (1903-1962), nas obras da Igrejinha da Pampulha.
“Lembro-me bem da minha m�e (a uruguaia Maria Martinelli) me dizendo: 'N�o p�e os p�s nessa lagoa, n�o, que tem um caramujo a� que faz mal pra gente...'", conta ele. Ao longo dos anos, Jo�o voltou � capital mineira para cumprir muitos compromissos ligados a Portinari, como o que ter� nesta ter�a-feira (10), na sala Juvenal Dias do Pal�cio das Artes. Como convidado do Projeto Sempre um Papo, Jo�o Candido Portinari falar� sobre um lado n�o muito conhecido do pai: o de poeta.
“Poucas pessoas conhecem essa faceta dele, mesmo quem � da �rea. E muitos ficam surpreendidos. Portinari passou a se dedicar aos poemas mais no fim da vida. Estava num momento de muita melancolia. A forma de arte que ele vinha praticando estava sendo questionada e ent�o ele usou a escrita como um modo de exprimir seus sentimentos. Mas ele nunca teve a inten��o de divulgar nada”, afirma.
O escritor e jornalista Antonio Callado foi quem insistiu no lan�amento de um livro com os textos de Portinari e chegou a fazer a sele��o de poemas. Em 1964, dois anos ap�s a morte do pintor, a Jos� Olympio Editora publicou Poemas de Portinari. Jo�o Candido conta que a primeira edi��o, que se esgotou rapidamente, saiu apenas com textos, sem nenhuma ilustra��o.
Neste ano, com o apoio da Funarte e com organiza��o de Let�cia Ferro, Patr�cia Porto e Suely Avellar, a obra ganhou uma reedi��o que preserva a sele��o de poemas de Callado e Manoel Bandeira e tamb�m os textos introdut�rios.
A apresenta��o de Marco Lucchesi, presidente da Academia Brasileira de Letras (ABL), foi escrita especialmente para essa nova edi��o. “A gente sempre quis fazer uma vers�o ilustrada, at� porque a obra po�tica dele � um reflexo de sua obra pl�stica.''Quando ele morreu, eu tinha 23 e estava na Fran�a. J� tinha um tempo que n�o t�nhamos mais a conviv�ncia di�ria. No Dia dos Pais de quando completei 40 anos, escrevi uma carta-p�stuma a ele e foi como um reencontro. Foi bem emocionante''
Jo�o Candido Portinari, matem�tico e fundador do Projeto Portinari
Quando voc� l� os versos, � como se estivesse assistindo a um filme da sua produ��o nas artes pl�sticas. Os temas, os personagens, tudo est� na poesia, por isso era importante ter ilustra��es de algumas de suas telas, desenhos”, observa.
O filho �nico do artista nascido em Brodowski, no interior paulista, diz que o pai n�o permitiu que a primeira edi��o fosse ilustrada para que sua poesia n�o se beneficiasse de sua fama de pintor. Ela costumava dizer: “Quanta coisa eu contaria se pudesse/ E soubesse ao menos a l�ngua como a cor...”
“Ele se considerava um poeta menor. Mas o pr�prio texto de abertura do Callado mostra o contr�rio e afirma que 'menor como � o poeta em rela��o ao pintor, o g�nio de Portinari era tanto que n�o coube numa arte s�'”, diz Jo�o Candido.
O lan�amento de Poemas de Portinari � uma das atividades que celebram os 40 anos do Projeto Portinari, criado por Jo�o e que se dedica a preservar e divulgar a produ��o e o contexto da obra de Portinari. “Decidi criar esse projeto quando vi a seguinte manchete de jornal: 'Portinari, o pintor. Um ilustre desconhecido. Mais de 95% de sua obra � inacess�vel ao p�blico, j� que est� guardada em cole��es particulares'”, revela.
A exposi��o Uma carta aos brasileiros: 40 anos do Projeto Portinari, que est� em cartaz at� dezembro na PUC-Rio, al�m de uma parceria com a Google Arts & Culture (plataforma que disponibiliza acervo de grandes museus e artistas do mundo), tamb�m marcam a efem�ride.
Com essa iniciativa, ficam � disposi��o do p�blico cerca de 5 mil obras e 15 mil documentos do artista. As obras j� estavam no cat�logo raison�e de Portinari, cuja vers�o impressa foi lan�ada em 2004, e no site do Projeto, mas agora ganham novos tratamentos, como exposi��es virtuais e ferramentas do Google, como a ArtCamera, que consegue registrar em gigapixel (mais de 1 bilh�o de pixels) e o Street View – filmagem que mostra em 360º a casa onde ele viveu em Brodowski.
“Ele � o primeiro artista brasileiro a ganhar uma exposi��o virtual do Google. Isso � muito importante, n�o s� para a divulga��o de seu trabalho, mas das artes e da cultura do Brasil de uma maneira geral”, avalia Jo�o.
Candido Portinari teve uma rela��o intensa com Minas e os mineiros. De Juscelino Kubitschek recebeu o convite para criar os famosos azulejos da Igrejinha da Pampulha, que viria a ser o principal cart�o-postal de BH. Carlos Drummond de Andrade o homenageou com o poema A m�o (Entre o cafezal e o sonho/o garoto pinta uma estrela dourada/na parede da capela, e nada mais resiste � m�o pintora).
Foram seus amigos Paulo Mendes Campos, H�lio Pellegrino, Fernando Sabino, An�bal Machado e Alberto Guignard, que teve a carreira consolidada nas Gerais. “Portinari sempre teve uma liga��o forte com Minas, com grandes amigos mineiros. E eu tamb�m acabei mantendo esses la�os, porque minha mulher � de Muria� (na Zona da Mata), tem parentes em BH. Ent�o, vira e mexe, estou a�”, diz Jo�o.

“Quando ele morreu, eu tinha 23 e estava na Fran�a. J� tinha um tempo que n�o t�nhamos mais a conviv�ncia di�ria. No Dia dos Pais de quando completei 40 anos, escrevi uma carta-p�stuma a ele e foi como um reencontro. Foi bem emocionante.”
Jo�o confidencia que, em sua inf�ncia e adolesc�ncia, pesou o fato de ser filho de Portinari. E como n�o teve irm�os, n�o tinha com quem dividir essa responsabilidade. “Era uma sombra que pairava sobre mim. Em qualquer lugar que eu ia, na escola, na festinha com os amigos, era assim: 'Esse � Pedro, essa � Maria e aquele (no caso eu) era o filho do Portinari'”, conta ele, que nunca tentou seguir os passos do pai nas artes pl�sticas. “Seria muita pretens�o. S� desenho alguma coisa no guardanapo e depois de algumas caipirinhas”, brinca.
Aos 80 anos, Jo�o Candido diz que tem “metade da vida dedicada � matem�tica e metade a Portinari. O Projeto surgiu num momento em que o pa�s se encontrava no por�o, fim da ditadura, anistia. Levar adiante essa empreitada � uma busca tamb�m com o pr�prio Brasil que estava na obra dele. N�o s� a forma est�tica, mas os pensamentos que ele expressou nas suas cartas, nos seus textos. Portinari n�o nos deixou apenas um legado pict�rico, mas um legado humanista, �tico, pela paz, contra a injusti�a social e pelo respeito � vida”.
JO�O CANDIDO PORTINARI NO SEMPRE UM PAPO
Ter�a (10), �s 19h30, na Sala Juvenal Dias do Pal�cio das Artes (Avenida Afonso Pena, 1.537, Centro). Entrada franca. Informa,��es: (31) 3261-1501.

Poemas de Portinari
• Candido Portinari
• Organiza��o de Let�cia Ferro, Patr�cia Porto e Suely Avellar
• Edi��es Funarte (192 p�gs.)
• Pre�o de capa: R$ 75 no local do evento (R$ 50 no site da Funarte – www.funarte.gov.br)
Faltam-me as pernas.
Tenho um bra�o e meus
Olhos s�o fracos. O cora��o palpitando
Sempre.
Vim da terra vermelha e do
Cafezal.
As almas penadas, os brejos e as matas virgens
Acompanham-me como o espantalho,
Que � meu autorretrato.
Todas as coisas
Fr�geis e pobres
Se parecem comigo

A Organiza��o das Na��es Unidas vai disponibilizar novamente ao Projeto Portinari a obra Guerra e Paz. Os dois pain�is produzidos por Candido Portinari entre 1952 e 1956 foram oferecidos pelo governo brasileiro como presente para a sede da ONU, em Nova York. Entre 2013 e 2015, os dois quadros foram expostos em algumas cidades brasileiras, incluindo Belo Horizonte. “Em abril de 2021, eles v�o nos emprestar para levarmos para a Sala delle Cariatidi, um dos espa�os expositivos mais belos do mundo, em Mil�o. A exposi��o vai ocorrer simultaneamente � grande Feira do M�vel de Mil�o, que recebe milhares de visitantes. A inten��o �, ap�s esse evento, trazermos de novo ao Brasil, mas para lugares onde nunca levamos Guerra e paz, como o Nordeste”, diz Jo�o Candido Portinari, que quer aproveitar a oportunidade e cobrar de Milton Nascimento a melodia da m�sica Guerra e Paz, uma parceria de Bituca com Fernando Brant (1946-2015). “A letra � linda e muito inspirada, como tudo o que Fernando nos legou e tenho certeza de que a melodia tamb�m ser�”, diz.