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Com uma longa peruca preta, meias arrast�o e uma minissaia, Lila Fadista levanta um leque na altura da barba, enquanto canta a dor e a revolta de uma comunidade gay ausente, at� agora, do universo do fado, a m�sica tradicional de Portugal.
Tiago Lila, seu nome verdadeiro, est� acompanhado por Jo�o Ca�ador, que, agarrado ao seu viol�o el�trico, se oculta debaixo de um chap�u de aba longa, cal�a de leopardo e saltos altos. Juntos, os dois artistas formam o grupo Fado Bicha.
Desde 2017, fizeram 150 shows em Portugal, Espanha, Fran�a e B�lgica, e animam regularmente as noites de um hotel de Lisboa para turistas gays. A dupla se apropria do patrim�nio do fado para contar os amores de um pescador com um vendedor de mariscos, a desesperan�a de um dan�arino homossexual trancado em um hospital psiqui�trico e o orgulho de uma mulher transexual que se tornou l�der dos militantes a favor dos direitos das pessoas LGBT.
“Quando canto o fado, sinto uma energia muito feminina. Compreendi r�pido que n�o h� lugar para mim no meio do fado tradicional”, afirma o cantor de 34 anos, que deixou a escola de fado que frequentava para criar seu alter ego travesti. “Foi a solu��o que encontrei para viver meu sonho sem ter que renunciar a uma parte da minha identidade”, diz Tiago Lila, que � psic�logo de profiss�o.
Ele se apropria das can��es mais famosas, inclusive as cantadas pela grande diva do fado Amalia Rodrigues, falecida h� 20 anos, e reescreve suas letras. O uso do viol�o el�trico em vez do cl�ssico � tamb�m “uma forma de liberta��o e subvers�o”, afirma Jo�o Ca�ador, instrumentista de 30 anos que estudou jazz e continua tocando para empresas musicais de fado tradicional.
“� a primeira vez que ou�o fado e � comovente. � necess�rio que os artistas se comprometam assim. � incr�vel o que fazem por nossa comunidade”, diz Guillaume Bellon, turista franc�s de 31 anos hospedado nesse hotel situado em um bairro elegante de Lisboa. “N�o fa�o distin��o se � cultura gay ou n�o. Canta com a alma, com todo o seu ser”, diz Ana Pereira, que veio ouvir a dupla em um festival de m�sica e arte emergente.
Os artistas, que cresceram nos sub�rbios de Lisboa, afirmam que esse g�nero musical surgiu � margem da sociedade, nos bairros populares da cidade no fim do s�culo 18, e foi inscrito no patrim�nio imaterial da Unesco em 2011. Maria Severa, cantora que viveu no s�culo 19, “� considerada a primeira lenda do fado e era cigana e trabalhadora sexual”, diz Lila, com um sorriso.
“Perante um projeto como o Fado Bicha, tem gente tradicional que critica”, diz Carlos Sanches Ruivo, propriet�rio do hotel onde a dupla toca. Sanchez Ruivo � presidente da C�mara de Com�rcio e Turismo LGBT de Portugal. “Mas n�s queremos sair desse status quo que continua ligado a uma sombria etapa da nossa hist�ria”, disse o empres�rio franco-portugu�s, de 51 anos, referindo-se � ditadura de Antonio Salazar, cuja pol�tica cultural se apoiava sobre “tr�s Fs”: fado, futebol e F�tima, o santu�rio cat�lico do centro do pa�s.
Tiago Lila e Jo�o Ca�ador come�aram a gravar um primeiro �lbum, que ser� produzido por Luis Clara Gomes, artista conhecido por seu projeto de pop eletr�nico Moullinex. “O que gosto no Fado Bicha � sua capacidade de prestar homenagem � heran�a do fado, lan�ando-o em um universo filos�fico com o qual me identifico”, afirma o produtor.