Bituca, L�, Samuel Rosa e Fernanda Takai homenageiam Fernando Brant
Obra do compositor mineiro � reverenciada no disco 'Vendedor de sonhos', que re�ne 25 cantores. Milton Nascimento gravou pela primeira vez 'O medo de amar � o medo de ser livre'
O medo de amar � o medo de ser livre, m�sica de Fernando Brant e Beto Guedes, foi lan�ada em 1979. O t�tulo veio de uma frase do espanhol Pedro Casald�liga, o “bispo do povo”. Essa can��o � uma das 320 que Fernando comp�s em quase 50 anos de carreira – 110 delas em parceria com Milton Nascimento, que, praticamente, interpretou todo o repert�rio do amigo. Uma das rar�ssimas exce��es � justamente O medo de amar... Pois agora ela est� na voz de Bituca. A grava��o in�dita faz parte do �lbum Vendedor de sonhos (Biscoito Fino), que acaba de chegar �s plataformas digitais, produzido e idealizado por Robertinho Brant, sobrinho do letrista, que morreu em 2015.
Foi um verdadeiro mutir�o afetivo: 25 cantores participaram do disco – de companheiros do Clube da Esquina a novas vozes da MPB. Eu, Ana Clara, sobrinha de Fernando, acompanhei meio de longe o projeto, iniciado em 2014, antes da morte dele. Cheguei a ouvir algumas faixas, sabia de uma ou outra hist�ria de bastidor. Meu tio, que planejava fazer um livro com as hist�rias de suas can��es, ficaria feliz em ouvir Vendedor de sonhos. “Muito legal saber que esse material finalmente ganhou o mundo. Fernando Brant teve uma vida grandiosa, sua obra � imortal. E n�o podemos parar por a�. Fernando Brant � o Brasil, a gente jamais deve se esquecer disso”, afirma Bituca, em entrevista por e-mail.
A ideia inicial era que o repert�rio abrangesse de 1967 – ano em que Robertinho Brant nasceu e Travessia conquistou o pa�s – a 1987, quando o produtor fez a primeira parceria com o tio, Alma animal. “Queria abarcar boa parte dessa obra, mas n�o privilegiar apenas cl�ssicos. Um pouco do lado B tamb�m. Maria, maria, Nos bailes da vida, Can��o da Am�rica j� ganharam tantas vers�es, quis privilegiar outras. Mais do que isso, com artistas, mesmo os mais pr�ximos do Fernando, cantando algo dele que nunca gravaram”, explica.
Robertinho sugeriu todas as faixas. Inicialmente, pensou em Milton Nascimento para C�u de Bras�lia ou O medo de amar � o medo de ser livre. “Falei com o Fernando, e ele disse que provavelmente o Bituca escolheria a segunda op��o por conta da hist�ria do Pedro Casald�liga, parceiro dos dois no musical Missa dos quilombos. N�o deu outra”, revela.
Fernando n�o chegou a dar muitos palpites, mas fez quest�o de sugerir Dori Caymmi e Joyce para o projeto. Com Dori, ali�s, comp�s sua �ltima can��o, Serra do Espinha�o. Em Vendedor de sonhos, o filho de Caymmi solta o vozeir�o em Sentinela, cl�ssico eternizado por sua irm�, Nana, e pelo pr�prio Milton. � a �nica das 20 faixas que n�o tem arranjo de Robertinho.
“Gravei em Los Angeles, s� eu e meu viol�o, com o meu jeito. Tem um toque de tristeza, porque o Fernando havia acabado de partir. Quis colocar aquele sentimento ali. Sentinela � uma m�sica linda, da fase criativa do Brasil. Dos mineiros, Fernando Brant era a pessoa mais pr�xima a mim, eu o admirava profundamente. Ele faz muita falta, ainda mais nestes tempos sombrios que o pa�s e a cultura atravessam”, lamenta Dory.
Coube a Joyce a can��o sugerida por Fernando – Saudade dos avi�es da Panair –, que ficou bastante marcada pela interpreta��o de Elis Regina. “Ele foi um amigo querid�ssimo, que faz muita falta ao Brasil numa hora dessa. Ningu�m falaria com tanta propriedade do que estamos vivendo. Imagino o que Fernando diria. Ele escolheu essa m�sica para mim. No processo de pr�-grava��o, ele partiu, mas a homenagem ficou.”
Outra m�sica “da Elis”, O que foi feito devera ganhou o toque delicado e, ao mesmo tempo, intenso de M�nica Salmaso. “Ela � muito linda, forte, uma can��o que ou�o desde crian�a. � uma felicidade fazer parte desse projeto. Neste momento, a gente precisa reafirmar o tempo todo e o m�ximo poss�vel o valor da nossa hist�ria, da nossa cultura e da nossa identidade. A obra do Fernando Brant tem a ver com isso. Esta m�sica, especialmente, � muito atual. O arranjo � lindo”, diz M�nica.
Fernando Brant em 1972, ano de lan�amento do disco Clube da Esquina (foto: Arquivo EM)
''Fernando Brant � o Brasil, a gente jamais deve se esquecer disso''
Milton Nascimento, cantor e compositor
SABOR
Robertinho Brant queria “um sabor de Minas e do Clube” na atmosfera do disco. A ideia era fazer um projeto de amplitude nacional com mineiros e n�o mineiros. Est�o l� Djavan (Milagre dos peixes), Seu Jorge (Sa�das e bandeiras nº 1), Roberta S� (Ponta de Areia) e Nina Becker (Outubro). Quem n�o era t�o pr�ximo do homenageado, mas foi influenciado por ele, tamb�m contribuiu. � o caso de Samuel Rosa. Ele diz que admira n�o s� o compositor, mas o poeta e escritor Fernando Brant.
“Brant tem uma escrita muito f�cil, divertida e inteligente. E ajudou muito naquilo que foi o am�lgama, a g�nese da transforma��o da MPB”, diz. Samuel canta Paisagem da janela, que considera obra-prima. “E ela ainda est� no disco Clube 1. Gravei-a num show com o L� e me sinto honrado de estar ao lado de grandes nomes da m�sica popular neste tributo a um dos grandes poetas e compositores brasileiros, mineiro como eu. O projeto contribui para perpetuar ainda mais a j� eterna obra de Fernando Brant”, destaca.
Veveco, panelas e canelas ganhou a vers�o de Fernanda Takai, que j� havia cantado essa m�sica no programa Som Brasil (Globo) em homenagem a Milton Nascimento. De acordo com ela, a faixa transmite “uma esperan�a com cara de liberdade”. “Ao mesmo tempo, fala de coisas bem cotidianas. Meu pai tinha uma compila��o em cassete de can��es mineiras, essa era uma de minhas preferidas. Ainda bem que pude ficar com ela. Curiosamente, a Mariana, filha do Veveco (o arquiteto �lvaro Hardy, inspirador da letra), tem feito as �ltimas capas de meus �lbuns com sua equipe”, comenta.
PARCEIROS
Os v�rios parceiros de Brant n�o poderiam faltar. A primeira faixa � San Vicente, na voz de Beto Guedes. Toninho Horta canta a primeira composi��o de Fernando, Travessia. J� Canoa, canoa, parceria com Nelson Angelo, foi uma das �ltimas grava��es de Vander Lee, que morreu em 2016. L� Borges ficou com Durango Kid.
“O Robertinho me deu umas duas, tr�s op��es. Quis essa m�sica n�o s� por ser parceria com o Toninho (Horta), que adoro, mas porque o Fernando era o pr�prio Durango Kid. Ele costumava assinar cartas com esse pseud�nimo. Fiquei muito feliz em participar da homenagem a esse cara genial da nossa m�sica”, diz L�.
Tadeu Franco, que tem uma parceria com Fernando (Musa), ficou com Beco do Mota. “Como sou do Jequitinhonha (a can��o fala de um lugar simb�lico de Diamantina), a escolha n�o poderia ser melhor. Certa vez, o Fernando comentou que a melodia da introdu��o, lembrando canto gregoriano, foi feita por ele, algo raro num letrista. � uma obra forte, o arranjo ficou especial”, diz. “Uma das coisas que mais me marcaram nele foi o fato de ser poeta dos maiores, mas nunca se comportar como tal. Fernando era uma esp�cie de Carlos Drummond dos letristas”, define.
Outro grande amigo � Tavinho Moura, que interpreta Maria Tr�s Filhos. “Fernando � a melhor pessoa para nos representar em nossa luta pela poesia, pela m�sica e pela literatura. Essa composi��o ficou muito marcada pelo Bituca,e eu adoro. Os arranjos do Robertinho deram o diferencial”, elogia.
Vendedor de sonhos, a �ltima faixa, reuniu Fl�vio Venturini e Marina Machado. Foi o primeiro nome dado � letra de Travessia, comenta o produtor. Al�m de Robertinho Brant (arranjos, vocais e viol�o), o disco contou com Lincoln Cheib (bateria), En�ias Xavier (baixo), Rafael Vernet (piano e �rg�o), Marco Lobo (percuss�o), Beto Lopes (viol�o e trompete), Pedro Martins (guitarra), Guilherme Monteiro (guitarra), Jorge Continentino (flautas e sax-bar�tono), Tat� Spalla (viol�o), Ricardo Fi�za (teclado), Thiakov (wurlitzer e guitarra) e Rodrigo Moreira (vocais).
O lan�amento do CD f�sico est� marcado para 17 de dezembro, no Rio de Janeiro, com pocket show de Tadeu Franco. Em BH, o show deve ocorrer depois do carnaval.
