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Em 'Synonymes', jovem tenta nascer uma segunda vez, longe de Israel

Diretor Nadav Lapid fala sobre seu filme em que um israelense busca se desvencilhar de sua identidade, foge para Paris, deixa de falar hebraico e tem num dicion�rio de franc�s seu escudo


13/12/2019 04:00 - atualizado 13/12/2019 08:47

Yoav (Tom Mercier) caminha por Paris de cabe�a baixa. Esse � seu modo de se recusar a ver a beleza da cidade, que ele considera uma armadilha para enredar forasteiros. E Yoav j� tenta escapar de outra grande armadilha – a de ter nascido onde nasceu.

“Vim para a Fran�a para fugir de Israel. Fugir desse Estado mau, obsceno, ignorante, idiota, s�rdido, f�tido, grosseiro, abomin�vel, odioso, lament�vel, repugnante, maldoso e mesquinho”, diz, com as costas voltadas para o Sena, ao seu �nico amigo franc�s.
 
“Nenhum pa�s pode ser tudo isso ao mesmo tempo. Escolha”, � a resposta de Emile (Quentin Dolmaire), um aspirante a escritor que, por sua vez, n�o sabe como se desvencilhar da armadilha que se tornou sua rela��o com o pai – pr�digo em dinheiro e escasso em afeto.

Mas em Synonymes, longa do israelense Nadav Lapid vencedor do Urso de Ouro no Festival de Berlim que estreou nesta semana em Belo Horizonte (Cine Belas Artes, com sess�es �s 15h20 e �s 21h40), o protagonista n�o se cansa de enumerar sin�nimos, j� que o dicion�rio de franc�s � o companheiro mais constante de Yoav no min�sculo apartamento onde vive ou nas caminhadas pelas ruas, quando recita mentalmente os verbetes rec�m-aprendidos.
 
O diretor Nadav Lapid durante as filmagens
O diretor Nadav Lapid durante as filmagens (foto: Guy Ferrandis/Divulga��o)
 

''Para o personagem, a l�ngua � uma esp�cie de reden��o poss�vel. � como se, para ele, essa maldi��o de ser israelense passasse pela l�ngua. A possibilidade de cura se exprime na possibilidade de mudar sua l�ngua. Cada palavra que ele diz em franc�s � como uma esp�cie de vit�ria sobre seu passado. � um outro passo que ele d� para romper consigo mesmo''

Nadav Lapid, diretor de Synonymes



Disposto a se livrar n�o apenas do solo israelense, mas tamb�m da cultura que o pa�s carrega, Yoav decide que n�o falar� mais o hebraico, nem mesmo com os compatriotas ou com os membros de sua fam�lia. Synonymes acompanha sua tentativa en�rgica, vigorosa, calorosa, trepidante, incans�vel, tumultuada, atribulada de se desvestir de uma identidade – na cena inicial do longa ele est� completamente nu – e desenvolver outra pele.

Lapid alcan�a um resultado not�vel na captura do espectador por um personagem fugidio, lacunar, intenso, sedutor, contradit�rio, fascinante. A presen�a da obo�sta Caroline (Louise Chevillotte) na vida de Emile e de Yoav confere a Synonymes um eco de Jules et Jim (Fran�ois Truffaut, 1962), no qual a voz a capella de Jeanne Moreau � substitu�da por um ensaio de orquestra em que o amor (ou seu ant�nimo) desafina em alto volume.

Na entrevista a seguir, Nadav Lapid fala sobre Synonymes, Israel e o papel da arte.



Tenho a impress�o de que Synonymes prop�e ao espectador um jogo interessante, que � o de ficar n�o ao lado de um protagonista que est� em fuga, mas ir � ca�a dele. Era essa sua inten��o?

Acho que h� uma mistura de duas coisas. Por um lado, voc� fica muito �ntimo do personagem. Voc� o v� nu e, pela maneira como o longa foi filmado, enxerga o mundo exatamente pelo ponto de vista dele. Al�m disso, ele est� em toda parte, o tempo todo.
 
Voc� sente seu corpo, sua voz, sua maneira de pensar – ele domina completamente o filme. Ao mesmo tempo, esse personagem tem um lado esquivo, contradit�rio, inexplic�vel, misterioso, insuport�vel.
 
Portanto, se h� intimidade de um lado, h� tamb�m um comportamento fora do comum, e o filme n�o o enquadra em nenhuma categoria, n�o diz que ele � louco, por exemplo. N�o oferece explica��es f�ceis para esse comportamento inusual.
 
Se voc� se lembra, quando o pai levanta a hip�tese de ele ter sido afetado pelo servi�o militar, ele responde que se divertiu no tempo do Ex�rcito. Creio que o espectador, de certa forma, est� � ca�a desse personagem que est� t�o perto dele e, por isso mesmo, � como se estivesse em busca de si mesmo.

A decis�o de Yoav de deixar de falar hebraico � muito simb�lica da ideia de que a l�ngua � tamb�m uma p�tria e inclui cenas devastadoras, como aquela em que o personagem se dirige ao pai em ingl�s. Gostaria de ouvi-lo sobre esse aspecto do filme. 

Para o personagem, � evidente que a l�ngua � uma esp�cie de reden��o poss�vel. O franc�s seria uma reden��o da sua identidade. � como se, para ele, essa maldi��o de ser israelense passasse pela l�ngua.
 
A possibilidade de cura se exprime na possibilidade de mudar sua l�ngua. E sabemos que o fato de usar determinada l�ngua transforma o que dizemos. Por isso, tudo o que ele diz em hebraico � maldito.
 
Tudo o que ele diz em franc�s ganha um ar sublime, mesmo quando de trata de palavras duras e ofensivas. Cada palavra que ele diz em franc�s � como uma esp�cie de vit�ria sobre seu passado. � um outro passo que ele d� para romper consigo mesmo.

Voc� mencionou que ele est� completamente nu no in�cio do filme, mas � verdade tamb�m que, naquele momento, ele est� vestido de suas hist�rias desde a inf�ncia, entre as quais a Il�ada ocupa um lugar importante e ele se coloca ao lado de Heitor, n�o de Aquiles. Voc� pode comentar essa escolha?

Quando ele est� nu, depois de ficar sem seus pertences, a primeira coisa que o casal diz a respeito dele � que ele � circuncidado. Ou seja, ainda que perca tudo, que deixe de falar hebraico, ele n�o consegue se desvencilhar da sua identidade.
 
� imediatamente reconhecido, classificado como a coisa da qual queria fugir. Ele chega apenas com seu corpo, e � como em O beb� de Rosemary (Roman Polanski, 1968) – o diabo est� no interior.

Para um israelense, de certa maneira, as hist�rias fundadoras s�o as hist�rias b�blicas. Quando ele escolhe n�o a B�blia, mas a mitologia grega, j� � algo que vai al�m das refer�ncias israelenses cl�ssicas. Israel � um pa�s onde h� um culto � vit�ria.
 
A gente acredita que deve ganhar sempre, porque, se perder uma �nica vez, estar� acabado. O fato de ele se identificar com o bom perdedor � algo que subverte a escala de valores israelenses. N�o � por acaso que seu companheiro afirma que ele fica do lado do covarde.

A ideia de que a morte � mais forte do que qualquer her�i, o que est� sublinhado no destino de Heitor, vai completamente de encontro ao mito militar. Quando voc� � soldado, sua capacidade de ir ao campo de batalha e colocar sua vida em perigo vem do fato de que voc� n�o compreende a morte e n�o imagina a possibilidade da sua pr�pria morte. Voc� acha que vai ganhar da morte.

Suponho que haja um dilema por tr�s da decis�o de um israelense que critica agudamente seu pa�s. De um lado, h� o dever de honestidade moral e intelectual. De outro, h� o argumento de que Israel est� tanto mais vulner�vel quanto mais os nacionalismos recrudescem ao redor do mundo. Como voc� soluciona essa quest�o?

Certa vez, vi um intelectual italiano definir a p�tria como o lugar do qual ele se envergonha. Esses l�deres nacionalistas vivem exigindo que voc� se orgulhe de sua p�tria, ame sua p�tria. Prefiro aqueles que t�m vergonha de sua p�tria aos que t�m orgulho dela.
 
O mundo ser� melhor, ter� menos cat�strofes, se houver mais gente com vergonha de sua p�tria do que com orgulho, gritando hinos nacionais a plenos pulm�es.

Para mim, n�o � simplesmente uma quest�o pol�tica; � uma quest�o de sensibilidade. A arte deve atuar no interior da sociedade na qual ela � fabricada. Ser �ntimo de alguma coisa envolve ser muito cr�tico a ela. Somos �ntimos dos membros da nossa fam�lia e � verdade que � com eles que temos os debates mais duros.
 
� por isso que o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu e o presidente do Brasil est�o errados em querer que os artistas elogiem seus pa�ses. Isso n�o � apenas est�pido e embara�oso; � n�o compreender o que � arte. � como pedir a um m�dico para dizer que voc� est� vendendo sa�de quando voc� est� a ponto de infartar, s� porque � mais simp�tico.

A rela��o entre Yoav, Emile e Caroline me remeteu a Jules et Jim. Procede?

Do mesmo modo que o filme joga com o arqu�tipo franc�s, com o mito da Fran�a, quando filma os endere�os mais conhecidos de Paris de uma maneira completamente inusual, por exemplo, no plano do cinema,  o filme tem uma rela��o amb�gua com o cinema franc�s e com a sua produ��o mais arquet�pica, que � a nouvelle vague.
 
Por um lado, ele acaricia e aplaude essa produ��o. Por outro, ele a desafia e entra em combate contra esse cinema.




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