
''Pude presenciar a tecnologia dos prim�rdios do r�dio, o in�cio da dublagem e da televis�o no Brasil. Fui do filme de rolo ao computador de �ltima gera��o. Minha biografia � um passeio pela hist�ria e pela cultura do Brasil''
Orlando Drummond, ator e dublador
Nos anos 1950, a r�dio Tupi se preparava para lan�ar um jornal que tinha como slogan “Quando o galo canta, o Cacique informa...”. A ideia do notici�rio era ser objetivo e curto para que pudesse ser veiculado v�rias vezes ao longo da programa��o.
A dire��o da emissora decidiu que precisava conseguir um galo de verdade para cantar nas vinhetas. Um profissional norte-americano foi encarregado da miss�o. Conseguiu um que, quando entrou no est�dio, n�o teve for�as para cacarejar. Arrumou mais 10 galos, para que o canto ficasse mais forte, mas eles ficaram mudos.
Foi ent�o que um funcion�rio da Tupi teve uma ideia: “Por que n�o chamam o Drummond?” Ele se referia ao ex-contrarregra da r�dio e agora ator Orlando Drummond, que j� carregava a fama de imitar pessoas e animais. Quando entrou no est�dio, todas as aves estavam quietas. Assim que come�ou a cacarejar, todos os galos fizeram o mesmo. O produtor foi captando o som dos bichos de forma individual e, no fim das contas, o “galo” escolhido foi o de Drummond.
Essa � apenas uma das hist�rias saborosas que est�o na biografia Orlando Drummond – Vers�o brasileira (Editora Gryphus), que acaba de ser lan�ada pelo jornalista carioca Vitor Gagliardo. Ator, dublador, comediante e radialista, conhecido sobretudo pelo personagem Seu Peru, na Escolinha do Professor Raimundo, Orlando Drummond completou 100 anos em outubro passado . “Ele costuma brincar que come�ou como um galo e terminou como um peru. � uma frase que sempre repete e virou uma esp�cie de mantra dele”, conta o bi�grafo.
Vitor Gagliardo j� tinha proximidade com a fam�lia do artista. Sua mulher � amiga do dublador Felipe Drummond, neto de Orlando. “Ele � um dos meus �dolos e eu o conheci no casamento do Felipe. Um tempo depois, me veio a ideia: por que n�o fazer um livro sobre ele? Ele � uma refer�ncia na dublagem, uma figura que faz parte da hist�ria do r�dio, da TV. Fui demorando um pouco para absorver a ideia, amadurecendo-a e procurei a fam�lia. Ele sempre se mostrou sol�cito, desde o come�o”, diz.
A liga��o do ator com sua fam�lia � um dos pontos que mais chamaram a aten��o do autor. A paix�o praticamente � primeira vista por Gl�ria resultou num casamento de quase sete d�cadas, com direito a uma lua de mel com a presen�a do cunhado. “Ao longo das entrevistas que fiz, ele sempre fez quest�o de enfatizar a import�ncia da fam�lia em sua vida. Em alguns momentos, chegou a se sentir um pouco culpado por se dedicar tanto ao trabalho, muitas vezes, em dois empregos. Ele tinha esse dilema”, comenta.
Em depoimento ao Estado de Minas, Orlando Drummond disse que poder contar sua hist�ria � tamb�m um modo de falar sobre o que aconteceu no mundo ao longo do �ltimo s�culo. “Pude presenciar a tecnologia dos prim�rdios do r�dio, o in�cio da dublagem e da televis�o no Brasil. Fui do filme de rolo ao computador de �ltima gera��o. Minha biografia � um passeio pela hist�ria e pela cultura do Brasil”, disse.

DUBLAGEM
Antes se surgir na TV com seu personagem mais famoso, Orlando teve uma trajet�ria de sucesso como dublador. Mesmo centen�rio, ele ainda n�o a abandonou. “Vez ou outra, faz participa��es. No ano passado, chegou a dublar para um comercial sobre o desenho animado A caverna do drag�o, j� que, durante muitos anos, ele emprestou sua voz ao vil�o da hist�ria, o Vingador”, cita Gagliardo. O neto Felipe, que seguiu o of�cio do av�, assim como seus irm�os Alexandre e Eduardo, realizou um sonho recentemente. Conseguiu reunir numa anima��o da Netflix as vozes de seus irm�os, de Orlando Drummond e de Mariah, sua filha, que, na �poca, estava com apenas 1 ano e meio.O of�cio de dublador surgiu por acaso na vida de Orlando Drummond. O primeiro convite veio em 1948, da parte do compositor Jo�o de Barro, o Braguinha (1907-2006). Ele dirigia nessa �poca as dublagens das produ��es da Disney no Brasil. Orlando fez uma pequena participa��o. Vitor relata que, no come�o, Orlando n�o gostou muito da ideia, at� porque era uma profiss�o mal remunerada e ele estava despontando como ator na r�dio Tupi.
Mas, ao longo do tempo, foi tomando gosto pela coisa e acabou se tornando um expert no assunto. “Ele s� foi mergulhar de cabe�a mesmo em 1959, quando fez o teste para o seriado Os tr�s mosqueteiros, na pele do Porthos, e passou de primeira. Logo em seguida, ele fez o sargento Garcia, do seriado Zorro, e os convites foram aparecendo”, relata.
Dif�cil elencar todos os personagens aos quais Orlando Drummond emprestou sua voz. O marinheiro Popeye, Gargamel, Papai Smurf, em momentos distintos no desenho animado Os smurfs; Alf, o ETeimoso, a quem ele diz que conseguiu dar “um jeit�o meio carioca”; Pacato e Gato Guerreiro, mascotes do pr�ncipe Adam e do He-man, respectivamente. “Nesse caso espec�fico, a gente v� o talento dele como ator. O Orlando dubla dois personagens com personalidades completamente distintas e num mesmo desenho. O Pacato se transforma no Gato Guerreiro, e o Orlando se transforma junto. � impressionante”, observa o jornalista.
Mas nenhum outro personagem � t�o associado � voz do artista carioca como Scooby Doo. Vinte anos antes de dublar o cachorro, Orlando se viu numa situa��o curiosa. Para evitar um assalto � sua casa, come�ou a simular latidos que n�o s� espantaram o ladr�o como um monte de gatos que viviam a lhe perturbar o sono. “Esse latido ficou meio guardado, e ele acabou usando-o para fazer o teste para o Scooby muito tempo depois”, conta o bi�grafo.
At� 1989, a voz de Orlando Drummond era muito mais conhecida do que seu rosto. At� que surgiu a oportunidade de fazer o Seu Peru, mais um personagem gay em sua carreira. “Ele fez v�rios, tanto que tinha gente que achava que o Orlando era gay tamb�m. Certa vez, quando estava interpretando um deles, que era gravado no audit�rio da r�dio Tupi, ele foi abordado por um f�, que lhe passou uma cantada. Orlando n�o gostou, cortou logo, disse que era um personagem. O cara insistiu, dizendo que estava apaixonado, e acabou rolando at� uma briga de socos”, revela o autor do livro.
O nome de Orlando Drummond n�o foi o primeiro a ser cogitado para viver Seu Peru, mas, at� hoje, a identidade do ator que ficaria originalmente com o papel n�o foi tornada p�blica. “Ele chegou a fazer teste de figurino, maquiagem, mas, faltando poucas semanas para a estreia da Escolinha, essa figura desistiu. Tinha muito preconceito. Ele achava que n�o seria legal para a sua imagem. Ent�o o Chico Anysio sugeriu o nome do Orlando Drummond para a diretora Cininha de Paula. Foi um sucesso. Ele at� hoje � chamado de Seu Peru nas ruas”, conta o autor.
O que mais impressionou o bi�grafo na trajet�ria do artista foi o fato de Orlando Drummond sempre ter conduzido a vida de uma maneira alegre, mas com responsabilidade. “Ele soube aproveitar todas as oportunidades. N�o teve uma vida f�cil, trabalhou muito e n�o � � toa que conseguiu todo esse reconhecimento. Orlando � um homem apaixonado pela fam�lia, pelo que faz, sempre alto-astral e que baseou muito a sua vida no amor e no humor. Tento incorporar ao meu dia a dia um pouco do que aprendi com ele durante essa conviv�ncia e deixar as coisas mais leves.”

Orlando Drummond
Vers�o brasileira
• De Vitor Gagliardo
• Gryphus Editora (340 p�gs.)
• R$ 69,90
TR�S PERGUNTAS PARA...
Orlando Drummond,
ator
Do que o senhor tem mais orgulho em sua trajet�ria pessoal e profissional?
S�o 100 anos! Uma carreira recheada de lembran�as boas e uma vida cheia de mem�rias felizes. Mas nada me deixa mais orgulhoso e realizado do que a minha fam�lia. S�o 67 anos ao lado da minha Gl�ria, dois filhos que me enchem de orgulho, cinco netos e tr�s bisnetos. E, para minha alegria, tr�s dos netos seguiram minha carreira na dublagem e os outros dois s�o brilhantes advogados. Dois dos bisnetos j� experimentaram esse maravilhoso mundo da dublagem. Minha pequena Mariah, com 3 anos, � meu xod�!
A biografia mostra que Minas Gerais est� presente em alguns momentos importantes de sua vida. Como � sua liga��o com o estado e com os mineiros?
Sou um eterno apaixonado por Minas Gerais. S�o Louren�o sempre foi o meu lugar favorito. N�o � toa sou cidad�o honor�rio da cidade. Tenho apenas lembran�as maravilhosas de Minas e de seu povo. Que saudade de visitar S�o Louren�o! (A cidade se tornou um ref�gio da fam�lia Drummond, desde que Orlando a conheceu, em 1973.)
Sendo uma pessoa do humor, o que o faz rir em 2020?
Gosto de rir das pequenas coisas do dia a dia. De um sorriso da minha pequena Mariah (bisneta). De um carinho da minha Gl�ria. Costumo dizer que a palavra mais pr�xima de amor � humor. E eu tenho muito amor � minha volta. Talvez por isso o humor seja t�o importante e t�o presente em minha vida
