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Estado de Minas

Com�dia de Jorge Furtado sobre censura tem leitura dram�tica em BH

Texto 'Meus l�bios se mexem' remonta � interdi��o, em 1968, da apresenta��o de 'A volta ao lar', com Fernanda Montenegro, em S�o Paulo. Diretor e elenco negociaram com censora


postado em 27/01/2020 04:00 / atualizado em 26/01/2020 20:36

O diretor Jorge Furtado(foto: Casa de Cinema de Porto Alegre/Divulgação)
O diretor Jorge Furtado (foto: Casa de Cinema de Porto Alegre/Divulga��o)

Em 1967, Fernanda Montenegro estava em cartaz no Rio de Janeiro com a pe�a Volta ao lar, do dramaturgo brit�nico Harold Pinter (1930-2008). O texto havia sido traduzido por Mill�r Fernandes, a montagem tinha dire��o e produ��o de Fernando Torres, e contava com Zbigniew Ziembinski, Sergio Britto e Paulo Padilha no elenco.
 
A hist�ria gira em torno do primog�nito de uma fam�lia inglesa, que, depois de anos estudando nos Estados Unidos, volta para casa para apresentar a mulher e os filhos � fam�lia, composta somente por homens.

No come�o de 1968, depois de uma temporada de sucesso nos palcos cariocas, a montagem se preparava para estrear em S�o Paulo. No entanto, foi censurada. Em mar�o daquele mesmo ano o estudante Edson Lu�s foi assassinado por policias militares no Restaurante Calabou�o, no Rio. Em dezembro, o ent�o presidente Artur da Costa e Silva decretou o Ato Institucional N�mero Cinco (AI-5), que recrudesceu o regime, resultando, entre outras medidas, na perda de mandatos de parlamentares contr�rios aos militares, em interven��es ordenadas pelo presidente nos munic�pios e estados, na suspens�o das garantias constitucionais e no uso da tortura pelo Estado como instrumento de combate � resist�ncia � ditadura.

''A tradu��o do Mill�r trazia muitos palavr�es. Era uma dramaturgia forte, eloquente, e eles ficavam negociando. Esse palavr�o acho que n�o � adequado. Esse � inapropriado; esse pode entrar, porque � mais leve. � surreal e quase tragic�mico''

Jorge Furtado, autor de Meus l�bios se mexem



Fernanda e Fernando tentaram a todo custo argumentar com os censores. Tiveram reuni�es com uma das figuras mais temidas da �poca, Solange Hernandes, a Dona Solange, que foi chefe da Divis�o de Censura de Divers�es P�blicas e decidia o que podia e o que n�o podia ser exibido no teatro, no cinema e na televis�o.

Durante os intervalos da filmagem de um longa, Fernanda Montenegro contou essa hist�ria ao diretor ga�cho Jorge Furtado (Houve uma vez dois ver�es, Meu tio matou um cara). “A tradu��o do Mill�r trazia muitos palavr�es. Era uma dramaturgia forte, eloquente, e eles ficavam negociando. Esse palavr�o acho que n�o � adequado. Esse � inapropriado; esse pode entrar, porque � mais leve. � surreal e quase tragic�mico”, diz Furtado, que decidiu escrever uma pe�a inspirada nesse epis�dio.

Com o interesse do diretor, a atriz ent�o lhe narrou com detalhes como foi. “Os atores e o pr�prio Fernando Torres, diretor e produtor, discutindo com um censor da pol�cia qual tipo de palavra voc� vai utilizar numa pe�a de teatro, um espa�o fechado, com limite de idade. A tend�ncia da censura � ficar cada vez mais burra”, afirma. Depois de muita negocia��o, a pe�a foi liberada e estreou sem cortes, para ser encenada para maiores de 21 anos.

Assim nasceu Meus l�bios se mexem, que ter� uma leitura dram�tica aberta ao p�blico nesta segunda-feira (27), em Belo Horizonte, no Teatro da Cidade. A dire��o � de Adyr Assump��o, que tamb�m far� um dos personagens. Cida Falabella, �ngela Mour�o, Ant�nio Grassi, Eduardo Moreira e Bernardo Mata Machado participam do projeto. “O texto do Furtado me chamou a aten��o de cara, porque tem aquele toque do humor, que � uma marca dele, a delicadeza tamb�m e levando a gente � reflex�o. A trama mostra justamente como foi essa negocia��o entre o elenco, a produ��o e os censores. � bem interessante”, comenta Adyr.

''Quis o destino que voc� pegasse essa brincadeira na dist�ncia do tempo e fizesse uma pe�a linda. E numa hora em que este pa�s deveria tomar um rumo, para nos dar uma sa�da. � t�o misteriosa a vida e a rela��o humana. Eu quero te agradecer em nome do Fernando (Torres), do S�rgio (Britto), do Ziembinski, do (Paulo) Padilha. J� est�o todos mortos''

Fernanda Montenegro, em declara��o a Jorge Furtado



Furtado, que criou a hist�ria em 2018, diz que, j� naquela �poca, a censura come�ava a dar as caras novamente. Em 2017, a exposi��o Queermuseu - Cartografias da diferen�a na arte brasileira, que estava em cartaz havia quase um m�s no Santander Cultural, em Porto Alegre, foi cancelada pelo banco, ap�s uma s�rie de protestos nas redes sociais. Na vis�o dos manifestantes, a mostra fazia apologia � pedofilia e � zoofilia, al�m de ser ofensiva � moral crist�.

No mesmo ano, a pe�a O evangelho segundo Jesus, Rainha do c�u, em que uma atriz trans interpretava Jesus Cristo, sua apresenta��o no Festival de Inverno de Garanhuns, em Pernambuco, e em outras cidades brasileiras, proibida.
 
A atriz Fernanda Montenegro(foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A.Press)
A atriz Fernanda Montenegro (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A.Press)
“Quando eu fiz a pe�a, ainda est�vamos no governo Temer, mas j� estava havendo essa quest�o do reacionarismo, do preconceito e dessa coisa tacanha crescendo cada vez mais. Todo dia tinha uma not�cia de alguma coisa sendo censurada. E agora culminou com esse momento de alucina��o do ex-secret�rio da Cultura, Roberto Alvim (o diretor teatral foi exonerado do cargo no �ltimo dia 17, depois de gravar um v�deo no qual emulada o ministro da propaganda nazista Joseph Goebbels para anunciar um edital de incentivo �s artes no Brasil).

Meus l�bios se mexem j� teve leitura dram�tica em Porto Alegre e no Rio, onde contou com a presen�a de Fernanda Montenegro na plateia. Ela se emocionou com o que viu. “Quis o destino que voc� pegasse essa brincadeira na dist�ncia do tempo e fizesse uma pe�a linda. E numa hora em que este pa�s deveria tomar um rumo, para nos dar uma sa�da. � t�o misteriosa a vida e a rela��o humana. Eu quero te agradecer em nome do Fernando (Torres), do S�rgio (Britto), do Ziembinski, do (Paulo) Padilha. J� est�o todos mortos. Nesse momento em que voc� trouxe para minha filha (Fernanda Torres, que acompanhava a m�e na sess�o) essa coisa especial”, declarou Fernandona no encontro.

''Desde a cria��o desse texto do Jorge Furtado, a coisa, infelizmente, s� foi recrudescendo. O teatro sempre foi a vanguarda, no sentido de luta pela liberdade e democracia. Ele sempre teve esse protagonismo dentro das artes. A gente andava meio 'calmo', apesar de tanta pancada, mas � hora de dar uma guinada''

Adyr Assump��o, diretor da leitura dram�tica



Furtado diz que seu objetivo ao escrever o texto era voltar a um momento dram�tico da hist�ria brasileira. “� algo que aconteceu h� 50 anos. E est� se tornando presente, de certa maneira. A hist�ria e c�clica. Se a gente n�o aprender com ela, ela volta.”

Adyr Assump��o, que tomou contato com a pe�a por interm�dio da cineasta Ana Luiza Azevedo, s�cia de Furtado na Casa de Cinema de Porto Alegre, conta que pretendia ter encenado o texto ainda em 2018, para marcar um ano da cria��o da Frente Nacional Contra Censura. O movimento foi lan�ado em novembro de 2017, no Pal�cio das Artes, em Belo Horizonte, com o objetivo de lutar contra atos contr�rios � liberdade de express�o.

Mas s� agora eles conseguiram conciliar a agenda de todos os envolvidos e acharam que seria apropriado esse momento em que a cena teatral da cidade est� aquecida com a agenda da Campanha de Populariza��o do Teatro e Dan�a e a edi��o 2020 do Ver�o Arte Contempor�nea (VAC).

“Desde a cria��o desse texto do Jorge Furtado, a coisa, infelizmente, s� foi recrudescendo. O teatro sempre foi a vanguarda, no sentido de luta pela liberdade e democracia. Ele sempre teve esse protagonismo dentro das artes. A gente andava meio 'calmo', apesar de tanta pancada, mas � hora de dar uma guinada. Esse texto est� superbem escrito, com um acabamento dramat�rgico bem interessante e traz para o momento uma discuss�o relevante, reporta a um momento hist�rico que a gente achou que estaria superado. Da� sua import�ncia”, afirma.

Jorge Furtado tamb�m lamenta os �ltimos acontecimentos envolvendo a �rea cultural no pa�s e cita uma frase de Caetano Veloso na audi�ncia de que o cantor e compositor artista baiano participou, em novembro passado, ao lado de outros representantes da classe art�stica, no Supremo Tribunal Federal, para discutir medidas contra eventuais tentativas de censura por parte do governo federal.
 
“A censura � algo terr�vel. O Caetano declarou, na ocasi�o, algo que achei cert�ssimo. O direito � informa��o n�o � um direto do artista de se expressar, mas o direito da popula��o de ter acesso a uma cultural plural, diversa e democr�tica. Eu tenho o direito de dizer, ver, ler e ouvir o que eu quiser. E n�o vai ser um bando de imbecis que vai determinar isso.”

Em rela��o � possibilidade de Regina Duarte substituir Roberto Alvim no comando da Cultura na esfera federal, Furtado diz n�o torcer contra, porque, se der errado, todos sofrem. Mas pondera: “A expectativa n�o � das melhores. Mas independentemente de quem entrar, o respons�vel pela Cultura no governo vai continuar sendo o presidente da Rep�blica. � ele que manda, no fim das contas, na pol�tica cultural. Para mim, nada de bom relacionado � cultura pode vir desse governo. Espero que eu esteja errado, mas acho que n�o. Mas, enfim, a cultura nunca morreu e nunca morrer�. Somos resistentes”. Furtado acaba de finalizar as grava��es da s�rie do Globoplay Todas as mulheres do mundo, inspirada na obra do diretor e dramaturgo Domingos Oliveira (1936-2019).

Meus l�bios se mexem
Leitura dram�tica do texto de Jorge Furtado. Dire��o: Adyr Asssump��o. Com Cida Falabella, �ngela Mour�o, Ant�nio Grassi, Eduardo Moreira, Bernardo Mata Machado. 
Nesta segunda (27), �s 20h, no Teatro da Cidade (Rua da Bahia, 1.341, Centro. (31) 3273-1050. Entrada franca


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