O maestro venezuelano Gustavo Dudamel, de 39 anos, diretor musical e art�stico da Filarm�nica de Los Angeles, convidou o Grupo Corpo para se juntar � sua orquestra no pr�ximo m�s de outubro, apresentando uma coreografia in�dita de Estancia, que o argentino Alberto Ginastera (1916-1983) concebeu como m�sica para um bal�.
“O que me deixa feliz � que Dudamel poderia ter escolhido qualquer companhia de dan�a do mundo e escolheu o Corpo. Isso � uma grande defer�ncia, um 'barata�o'”, afirma o core�grafo Rodrigo Pederneiras, que est� nos Estados Unidos acompanhando a turn� que a companhia mineira iniciou ontem, em Santa F� (Novo M�xico).
O giro percorrer� mais cinco cidades norte-americanas e Vancouver, no Canad�, at� o pr�ximo dia 29.
No m�s passado, a Filarm�nica de Los Angeles renovou o contrato de Dudamel at� a temporada de 2026. Al�m de uma nova extens�o da parceria, iniciada em 2009, o maestro passou a ocupar tamb�m o posto de diretor art�stico.
O regente acaba de ganhar um Grammy de Melhor Performance Orquestral com a grava��o da LA Phil (como � chamada a forma��o californiana) feita no Walt Disney Hall (onde ocorrer�o as apresenta��es com o Corpo) da obra Sustain, de Andrew Norman. Ele e sua orquestra abrir�o a temporada 2020/2021 do Carnegie Hall, em Nova York, em 7 de outubro pr�ximo.
Veja Dudamel regendo um trecho de Estancia:
De fato, Dudamel est� em condi��es de escolher seus parceiros art�sticos. Mas isso n�o quer dizer que a empreitada do Corpo ser� f�cil. A primeira quest�o t�cnica e pr�tica a se resolver � que espa�o os bailarinos poder�o ocupar no palco, que ser� dividido com os m�sicos da orquestra.
Enquanto n�o disp�e desse dado crucial para iniciar sua cria��o, Pederneiras afirma estar “evitando fundir muito a cabe�a”. Mas tem escutado a grava��o de Estancia que Dudamel lhe recomendou – com a BBC Philarmonic, regida pelo espanhol Juanjo Mena.
“A obra de Ginastera �, em geral, dif�cil para todo mundo que se atreve a execut�-la. S�o concertos muito dif�ceis, tanto para a orquestra quanto para os solistas”, observa o maestro Silvio Viegas, regente da Orquestra Sinf�nica de Minas Gerais, um admirador da obra do argentino.
“As dificuldades t�cnicas n�o s�o simplesmente virtuos�sticas”, avalia Viegas, mas “t�m rela��o direta com o uso do ritmo e a harmonia mais ousada, que fazem com que a obra dele seja t�o singular.”
Singular�ssima, diria o pianista e maestro Jo�o Carlos Martins, que fez a estreia do Concerto para piano nº 1, em 1961, em Washington, e se lembra da data como se fosse hoje. “A partir daquele dia, a minha vida mudou, e a dele tamb�m”, afirma Martins, designado para apresentar o concerto ao p�blico ap�s a desist�ncia do cubano Jorge Bolet (1914-1990).
''A obra de Ginastera �, em geral, dif�cil para todo mundo que se atreve a execut�-la. As dificuldades t�cnicas n�o s�o simplesmente virtuos�sticas, mas �m rela��o direta com o uso do ritmo e a harmonia mais ousada, que fazem com que a obra dele seja t�o singular''
Silvio Viegas, regente da Orquestra Sinf�nica de Minas Gerais
O pianista brasileiro narra assim essa hist�ria: “A inaugura��o do Festival Interamericano de M�sica seria com um concerto do Ginastera, em 21 de abril. Era o grande lance da vida dele. Quando chegou fevereiro e havia partes do concerto que n�o estavam prontas, Bolet disse que n�o ia tocar. Ginastera, que tinha me ouvido tocar em Buenos Aires os 12 estudos de Chopin, mandou perguntar se eu podia estrear o concerto. Recebi a �ltima parte em 6 de abril e estreei de cor o concerto inteiro no dia 21, um dos mais dif�ceis da literatura pian�stica. A� eu comecei uma carreira”.
Jo�o Carlos Martins afirma que Ginastera foi “o primeiro compositor latino-americano que conseguiu misturar a m�sica serial, dodecaf�nica, com a m�sica folcl�rica argentina”. Viegas diz isso de outra maneira: “Ele pertence a essa gera��o da primeira metade do s�culo 20 de compositores sul-americanos muito poderosos, como seus contempor�neos brasileiros (Heitor) Villa-Lobos (1887-1959) e (Francisco) Mignone (1897-1986), cuja escrita � marcada pela busca da identidade nacional com forte influ�ncia europeia”.
''Ginastera foi o primeiro compositor latino-americano que conseguiu misturar a m�sica serial, dodecaf�nica, com a m�sica folcl�rica argentina''
Jo�o Carlos Martins, pianista e maestro
A identidade nacional argentina est� cravada em Estancia na figura do gaucho, o exemplar homem do campo, seus modos e sua cultura. Em quatro movimentos, ou “quatro dan�as”, a obra conta a hist�ria do apaixonamento de um rapaz por uma garota na fazenda, a partir de obra liter�ria de Jos� Hernandez.
Al�m da diferen�a de classe entre o casal, vis�es diferentes sobre os predicados da masculinidade s�o um empecilho na trama, cujos acontecimentos se d�o de um amanhecer a outro.
Rodrigo Pederneiras comenta que preferir� n�o ver coreografias anteriormente desenvolvidas para a obra. “Sei que h� uma dos anos 1950, �poca em que os bal�s eram totalmente narrativos. Ilustrar o que o texto da m�sica diz n�o � a minha praia, e certamente n�o foi pensando nisso que Dudamel nos procurou. � preciso achar outra veia, outro formato”, afirma o core�grafo.
Ginastera dividia sua obra em tr�s fases – a do nacionalismo objetivo (1934-1947), a do nacionalismo subjetivo (1947-1957) e a do neoexpressionismo (1958-1983), segundo escreveu Luis Ponce de Le�n para a revista de m�sica cl�ssica Melomano. Composta em 1941, Estancia seria, portanto, uma cria��o da fase do nacionalismo objetivo.
O maestro Silvio Viegas avalia que a divis�o entre as duas primeiras fases de Ginastera “estava muito mais na cabe�a dele, como uma quest�o filos�fica, j� que ele n�o muda a estrutura da composi��o”.
A grande quest�o, observa o regente, era “como tratar a influ�ncia nacional dentro da estrutura organizacional do s�culo 20”. Em outras palavras, ainda nas de Viegas, “quanto a��car colocar na receita do bolo; no caso de Ginastera, quanto mate acrescentar � farinha”.
Dudamel, um entusiasta do Sistema Nacional de Orquestras Juvenis e Infantis da Venezuela, conhecido como “El Sistema”, modelo que ele procurou replicar em Los Angeles, � um defensor tamb�m dos elementos nacionais na receita do bolo universal da m�sica.
Quando a LA Phil anunciou a extens�o de seu contrato, no m�s passado, o maestro declarou ao Los Angeles Times: “Em Los Angeles, temos a responsabilidade e a oportunidade �nica de unir a alma das Am�ricas, de construir e fortalecer pontes musicais e educacionais com nossos irm�os e irm�s de Los Angeles e de fora”. Para esse objetivo, Minas Gerais contribui com o Corpo.
SEIS OU SETE BAL�S PARA UM ANIVERS�RIO
A parceria entre o Grupo Corpo e a Filarm�nica de Los Angeles, com apresenta��es previstas para o per�odo de 1º a 4 de outubro, no Walt Disney Hall, integra a programa��o especial que a companhia de dan�a mineira montou para comemorar seus 45 anos de atividade neste 2020.
Nos dois meses anteriores (agosto e setembro), o grupo far� turn� pelo Brasil apresentando seis coreografias de seu repert�rio, organizadas conforme os pares abaixo. Datas e cidades ainda n�o est�o definidas. A coreografia de GIL, a mais recente da companhia, estreada no ano passado, dever� ser apresentada com modifica��es que o core�grafo Rodrigo Pederneiras decidiu fazer para tornar a obra mais coesa.
DUPLA 1
Bach (1996)
e
Onqot� (2005)
DUPLA 2
O corpo (2000)
e
Gira (2017)
DUPLA 3
GIL (2019)
e
Lecuona (2004)