Celeiro de talentos, a pioneira Casa dos Quadrinhos completa 20 anos
Voltada para a forma��o de quadrinistas, escola de BH formou cerca de 3 mil alunos. Alguns deles s�o parceiros da Marvel, DC Comics e Dynamite Entertainment, gigantes do setor
16/02/2020 04:00
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atualizado 14/02/2020 15:10
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Ana Mendon�a*
Pra�a da Liberdade, cart�o-postal de Belo Horizonte, � cen�rio das hist�rias de Os caras de Farenheit (foto: Os caras de Farenheit/reprodu��o)
O im�vel alaranjado da Avenida Jo�o Pinheiro chama a aten��o n�o s� pelo tom vibrante, mas pelas hist�rias que guarda atr�s das paredes coloridas. A Casa dos Quadrinhos completou 20 anos de uma trajet�ria de vanguarda que se confunde com a de HQs famosas em todo o mundo. Est� ali o celeiro de talentosos artistas e professores com atua��o tanto nacional quanto internacional, junto �s editoras Marvel, DC Comics e Dynamite Entertainment.
A primeira e �nica escola t�cnica para quadrinistas em Minas Gerais j� formou cerca de 3 mil alunos. Aberta em 1999, surgiu da necessidade de um espa�o para esses artistas em Belo Horizonte. O fundador Cristiano Seixas conta que tudo come�ou depois de uma visita dele � capital paulista.
“Minha vontade era juntar o maior n�mero de pessoas interessadas na �rea em BH. Conheci a F�brica de Quadrinhos, em S�o Paulo, e abrimos uma escola em conjunto, bem pequena. Depois, com a inten��o de criar mais cursos, fundamos a Casa de Quadrinhos”, relembra.
Atualmente, o espa�o recebe jovens que sonham em criar hist�rias e teletransportar os her�is da inf�ncia para sua pr�pria realidade. Com HQs mesclando cen�rios da capital mineira com muita a��o e aventura, a escola � respons�vel por v�rios projetos.
O mais famoso e queridinho dos leitores � Os caras de Fahrenheit, hist�ria de quatro amigos que vivem perigosamente. Essa HQ faz refer�ncia a locais conhecidos dos belo-horizontinos, como o shopping Diamond Mall, Pra�a da Esta��o, Pra�a do Papa, obelisco da Pra�a Sete e o pr�dio da Cemig, na Avenida Barbacena.
A ideia de trazer BH para as p�ginas veio depois da constata��o de que a maioria das HQs tem Nova York como cen�rio. “Tudo come�ou quando est�vamos idealizando um projeto para o caderno Divirta-se, do Estado de Minas. A ideia era uma par�dia dos filmes de a��o norte-americanos, mas em nossa cidade. Quase ningu�m explora o cen�rio mineiro, que tem cena cultural rica e apelo l� fora”, conta Cristiano Seixas. “A maioria das hist�rias em quadrinhos se passa nas ruas de Nova York. Imagina que diferente uma hist�ria que mostrasse as ruas de Belo Horizonte!”
LEE
“Todos n�s desejamos ter superpoderes. Todos desejamos poder fazer mais do que podemos fazer.” Essa frase ic�nica � de Stan Lee, respons�vel pela populariza��o mundial das HQs, criador do Homem-Aranha, Hulk, Pantera Negra e dos famosos X-Men. Lee liderou a “globaliza��o” da Marvel Comics.
Cristiano Seixas concorda com o mestre. Para ele, essa tamb�m � a filosofia da Casa dos Quadrinhos. “Aqui, as pessoas se sentem em casa. As turmas s�o pequenas, � bem diferente do clima de faculdade. A maioria dos alunos vem atr�s de um sonho e consegue realiz�-lo”, diz.
Carol Cunha, professora da Casa, � respons�vel pelas �reas de roteiro e cria��o de personagens, al�m das aulas de hist�ria dos quadrinhos e composi��o de p�gina. Para ela, a escola � um segundo lar. “� um ambiente de grande criatividade, com imensa troca de experi�ncias entre professores e alunos, mas tamb�m entre o pr�prio corpo docente. Fiz muitos amigos aqui, aprendi muito durante todos esses anos.”
CRIAN�AS
Escola t�cnica para a forma��o de quadrinistas, a Casa dos Quadrinhos tamb�m d� aten��o especial a crian�as de 7 a 12 anos. Curso destinado ao p�blico infantil busca desenvolver habilidades criativas e sensoriais dos pequenos alunos, trabalhando com elas representa��es gr�ficas, a percep��o de formas b�sicas e habilidades motoras.
Dividido em quatro m�dulos, o curso tem aulas de t�cnicas de desenho e cor, cria��o de narrativas visuais, desenho animado e escultura e modelagem. A dura��o � de um semestre.
Mariamma Fonseca leva a luta feminista para seus desenhos (foto: Mariamma Fonseca/divulga��o
)
Mulheres conquistam espa�o
Nestes tempos em que o feminismo pauta a m�dia, redes sociais, debates escolares e almo�os de fam�lia, a mulheres quadrinistas v�m conquistando seu espa�o numa ind�stria majoritariamente masculina. Mariamma Fonseca, ex-aluna da Casa de Quadrinhos, � uma delas.
Uma das criadoras da p�gina Ladys Comics, a quadrinista e jornalista tem se dedicado a projetos de HQ que abordam a igualdade de g�neros e a for�a da mulher.
“Sempre me considerei feminista, mas nunca tive proximidade com o termo. Quando estudei na Casa dos Quadrinhos, descobri que poucas mulheres exerciam a profiss�o de quadrinista. Foi a� que comecei a me questionar. Perguntei a um professor o motivo de n�o haver alunas na sala, e ele n�o soube me responder”, conta Mariamma. “A gente tem a tend�ncia de achar que isso � uma verdade, mas n�o �. A hist�ria dos quadrinhos vem junto da hist�ria do feminismo”, ressalta.
De acordo com Mariamma, nos anos 1930 e 1940, mulheres costumavam usar codinomes para assinar HQs. “Depois de muito pesquisar, resolvi criar o coletivo Lady Comics. A gente percebe que as autoras brasileiras fizeram e fazem hist�ria”, observa.
Carol Cunha, professora da Casa dos Quadrinhos, diz ter ouvido “coment�rios desnecess�rios e mis�ginos de pessoas da �rea”. Mas afirma que a maioria das pessoas do meio com quem convive s�o “calorosas e inclusivas”.
“A comunidade de quadrinhos de BH, especialmente o pessoal das HQs independentes, se apoia muito. Temos muitas mulheres produzindo por aqui, umas divulgando as outras”, informa Carol. “Gosto muito de trabalhar com protagonistas femininas de personalidades diversas e coloc�-las no centro da a��o. Isso, para mim, tamb�m � uma forma de ser feminista”, conclui.
* Estagi�ria sob supervis�o da editora-assistente �ngela Faria
A CASA NA CASA
Para comemorar os 20 anos da escola, a Casa dos Quadrinhos promove em sua sede a Miniexposi��o 20 anos Casa na Casa. Ela pode ser visitada de segunda a sexta, das 9h �s 20h, e aos s�bados, das 9h �s 17h. A proposta � mostrar a evolu��o de produ��es criadas por alunos e professores. O espa�o fica na Avenida Jo�o Pinheiro, 277, Centro. Informa��es: www.casadosquadrinhos.com.br. A institui��o estar� presente no Festival Internacional de Quadrinhos, de 27 a 31 de maio, na Serraria Souza Pinto, em BH.
Cria��o do artista mineiro Lellis
O processo de produ��o da p�gina de quadrinhos
Lellis*
“Fa�o quadrinhos de duas maneiras: quando escrevo minhas pr�prias hist�rias e quando ilustro hist�rias de outras pessoas. No segundo caso, s� trabalho com um roteirista franc�s chamado Antoine Ozanam. Nesse caso, como a hist�ria n�o � minha, preciso pensar um pouco como um franc�s pensa. Eles s�o muito diferentes de n�s em v�rios aspectos, e na arte de contar hist�rias n�o � diferente. Normalmente, quando pego o roteiro dele, preciso me localizar na trama, me tornar um dos personagens de fundo, apenas um figurante, mas que observa bem tudo o que se passa. � atrav�s desse olhar que transformo tudo o que “vejo” em cenas. Acho que � por isso que sempre me perguntam como consigo inventar tantos �ngulos diferentes em cada p�gina. A resposta � que quando voc� se insere literalmente no contexto da hist�ria, seu olhar apenas reproduz o que voc� v�, ou o que imagina que v�. Esse mesmo m�todo (vamos aqui chamar de m�todo, sem que seja um) se aplica tamb�m quando ilustro textos de livros infantojuvenis de outros autores.
A outra maneira � quando a hist�ria � minha tamb�m. A� n�o h� muito segredo. Grampeio um calhama�o de pap�is e vou escrevendo toda a hist�ria sem fazer esbo�o. Todo o texto tem que sair de uma vez, com ritmo, quase como uma composi��o. S� assim ele faz sentido para mim. � medida que vou escrevendo, as imagens v�o surgindo em minha mente e ficando gravadas. Depois, come�o a esbo�ar cada p�gina sustentada pelo texto que escrevi no primeiro momento. Claro, h� modifica��es, adequa��es e mudan�as de rotas quando a fluidez da hist�ria precisa de ajustes.
Para a finaliza��o de cada p�gina, uso dois m�todos. O primeiro � da forma mais tradicional: aquarela sobre papel. Nele, fa�o cada p�gina no formato 24cm x 36cm. Depois digitalizo e insiro os bal�es e os textos separadamente.
No outro m�todo, mais digital, que uso principalmente para o mercado europeu que normalmente tem prazos mais curtos (cerca de um ano para cada livro), desenho com grafite sobre papel reciclado. Depois digitalizo esse original e aplico cor no photoshop. O trabalho digital para produ��es mais robustas, como as francesas, facilita a edi��o e modifica��es que se fizerem necess�rias durante a produ��o do livro.
Em todos os m�todos h� algo em comum: o tra�o precisa ser a extens�o do pensamento. Quanto mais deixo o l�pis sobre o papel, mais essa conex�o cataliza dinamismo, fluidez, leveza e verdade.
* Quadrinista, escritor e ilustrador do Estado de Minas