
Fernando Pessoa (1888-1935) tinha 12 anos quando escreveu Carta de amor equ�voca. Sob o pseud�nimo de H.W.M., o ent�o adolescente fez um longo poema que pode ser lido de duas formas. Da maneira convencional, do in�cio ao fim, o conte�do da missiva mostra como o autor n�o poupa a destinat�ria, mostrando-lhe seu desprezo. Agora, se o leitor for por um caminho alternativo, atendo-se exclusivamente aos versos �mpares, o conte�do revela precisamente o contr�rio.
� coisa de g�nio, destaca a professora de literatura da UFMG Maria Esther Maciel. Ela � a primeira convidada da edi��o 2020 do projeto “Letra em cena. Como ler...”, realizado pelo escritor e jornalista Jos� Eduardo Gon�alves no caf� do Centro Cultural Minas T�nis Clube. Em seu quinto ano, o projeto sempre convida um especialista para analisar a obra de um escritor. H� ainda um segundo convidado, que faz uma leitura de um texto do autor escolhido. Para o encontro desta noite, a convidada � a poeta Bruna Kalil Othero, que ler� Carta de amor equ�voca nos dois formatos.
Tal escrito veio a p�blico de uma forma mais ampla em 2015, quando a editora portuguesa Tinta da China publicou Eu sou uma antologia – 136 autores fict�cios (sem edi��o brasileira). “Pessoa deixou um ba� com mais de 30 mil folhas, que est�o na Biblioteca Nacional de Portugal e em arquivos particulares. Uma equipe vem trabalhando na decifra��o e organiza��o dos textos, ainda mais por que a caligrafia de Pessoa � dif�cil. Neste trabalho, foram descobrindo novos autores fict�cios”, conta Maria Esther, que escolheu abordar essa quest�o na an�lise que far� da obra do poeta.
“Pessoa � de uma pluralidade inquietante, dif�cil de ser percorrida. Vou tentar apresentar as possibilidades de entrada neste mundo. Achei mais interessante do que falar apenas dos principais heter�nimos (j� bem conhecidos, como Ricardo Reis, Bernardo Soares). Vou falar um pouco da g�nese disto”, conta.
Segundo Maria Esther, enquanto os heter�nimos mais can�nicos conversam entre si, os menos conhecidos t�m outro tipo de rela��o. “Alguns se metamorfoseiam em outros. H�, por exemplo, mulheres. Algumas s�o criadoras e decifradoras de charadas em jornais. No in�cio da carreira, Pessoa criou um jornalzinho escrito por ele mesmo com v�rios nomes. H� as mulheres que fazem charadas e outras que as decifram no n�mero seguinte do jornal.”
Uma das mais “consistentes”, a professora destaca, � Maria Jos�. Corcunda, doente, bem jovem, ficava na janela de casa. Apaixonou-se por um homem que via da janela e, para ele, escreveu uma carta. Outra autora fict�cia � Olga Becker, que n�o escreveu textos liter�rios, mas uma lista de projetos do g�nero sobre assuntos como moda e culin�ria. “Pessoa caracterizou esse conjunto (de autores) como 'comigos de mim'. Ou seja, ele est� dentro do conjunto e, ao mesmo tempo, o conjunto est� dentro dele”, acrescenta Maria Esther. Fernando Pessoa � o primeiro autor n�o brasileiro a integrar o projeto Letra em Cena. As pr�ximas edi��es abordar�o as obras de Pedro Nava, com o professor da UFMG Ant�nio S�rgio Bueno (7 de abril); Ferreira Gullar, com o poeta Ant�nio C�cero (12 de maio), e Clarice Lispector, com a escritora Marina Colasanti (9 de junho).
LETRA EM CENA. COMO LER...
A professora Maria Esther Maciel analisa a obra de Fernando Pessoa. Nesta ter�a (10), �s 19h, no Caf� do Centro Cultural Minas T�nis Clube (Rua da Bahia, 2.244, Lourdes). Entrada franca. Inscri��es pelo www.sympla.com.br.