Os 'quarentena dias' da cantora e compositora Clarice Falc�o

Guilherme Augusto

Isolada h� 10 dias no apartamento onde mora, no Rio de Janeiro, por conta da pandemia do novo coronav�rus, Clarice Falc�o encontrou um jeito inusitado de passar o tempo. Junto ao namorado, o jornalista e apresentador Guilherme Guedes, ela inventou o jogo Volta ao Mundo em Quarentena Dias, que consiste em visitar, sem sair do sof�, qualquer lugar do planeta.

“A gente pesquisa sobre o pa�s, l� sobre a cultura, a comida, a m�sica, os costumes, e depois projeta na parede tudo o que encontramos”, explica. “At� agora, j� visitamos Alemanha, Fran�a, �ndia, Jap�o e Turquia. � divertido. Quando contei para a minha terapeuta na sess�o virtual desta semana, ela disse estar orgulhosa. Coisa rara, confesso.”

� tamb�m de casa que a cantora e compositora celebra a chegada de seu novo EP, Eu me lembro, lan�ado nas plataformas digitais na �ltima sexta-feira (20). O trabalho re�ne quatro faixas j� conhecidas pelo p�blico que ouviu os discos Monomania (2013) e Problema meu (2016), al�m da quinta, Pra ter o que fazer (esta sim, in�dita), formando uma esp�cie de auto-homenagem � Clarice que ganhou fama com m�sicas voz-e-viol�o e letras sarc�sticas sobre as agruras da vida.

“Quando come�amos a pensar na turn� do meu �ltimo �lbum, Tem conserto, sabia que n�o queria tocar as m�sicas dos meus dois outros discos da maneira como elas foram gravadas. Meu desejo era incorpor�-las nessa nova est�tica eletr�nica que adotei”, conta, referindo-se aos synths eletr�nicos largamente presentes no disco lan�ado em junho de 2019, tamb�m assinado pelo produtor Lucas de Paiva.

“Depois que achamos esse 'meio do caminho' das can��es num processo bem cuidadoso, apresentamos ao vivo e a recep��o foi muito melhor do que esper�vamos. Ent�o, resolvemos registrar pelo menos algumas m�sicas pensando tanto em quem assistiu ao show e quer ouvi-las novamente quanto naquelas pessoas que nunca puderam ir e tamb�m s�o f�s e acompanham o meu trabalho.”

Para selecionar as que ganhariam uma nova abordagem, Clarice encarou o processo de tratar o passado como algo terap�utico. “Sem d�vida, � uma forma de ver o meu trabalho antigo com um olhar livre de arrependimentos”, pondera. “Quando me lancei como cantora, ningu�m ainda conhecia o meu jeito de compor, ent�o gravitei para o folk como estrat�gia para valorizar as letras das minhas m�sicas. Agora, me identifico mais com a m�sica eletr�nica, porque compreendo que a sonoridade tamb�m pode conter uma mensagem. � engra�ado pensar que antes a minha m�sica era sonoramente mais org�nica, mas s� agora ela trata de temas �ntimos”.

Presentes no disco de 2013, O que eu bebi e Eu me lembro ganham sintetizadores que imprimem maior profundidade �s letras simples e diretas. A primeira, originalmente gravada ao som de ukulele, violino e alguns elementos de percuss�o, agora ressoa com reverbera��o na voz e um instrumental crescente que remete � batida de Genesis, da canadense Grimes. Na segunda, sai de cena o cantor Silva, da vers�o original, dando espa�o para Letrux, codinome art�stico de Let�cia Novaes.

Quanto ao trabalho de 2016, Clarice escolheu dar nova cara para as carnavalesca Ir�nico, agora com batida divertida e explosiva, e Eu escolhi voc�, imersa em um universo oitentista. A vers�o original dessa �ltima causou furor ao ganhar clipe no qual apareciam v�rias pessoas nuas filmadas em close na altura do quadril, dan�ando e brincando com seus �rg�os sexuais.

“A �nica in�dita, inclu� porque ela nasceu de uma forma muito espont�nea”, conta. Pra ter o que fazer foi criada num dia em que eu e Lucas est�vamos literalmente sem ter o que fazer e ele me perguntou se eu tinha alguma letra pronta. Essa foi criada h� muito tempo e como nunca consegui encaix�-la em algum lugar, colocamos a m�o na massa”.

A expectativa em torno do EP foi tanta que Clarice Falc�o resolveu envolver os f�s na hora de escolher a imagem de capa. Pelo stories do Instagram, ela lan�ou um torneio entre 16 imagens da inf�ncia selecionadas anteriormente e votadas por eles. A vencedora mostra a cantora de franja, cabelos curtos, �culos e roupa que remete �s usadas nas festas juninas.

De fen�meno da internet a artista conceitual, Clarice se encaixa hoje na safra de cantoras que abusam dos economicamente acess�veis sintetizadores e comp�em o lado B da cena pop nacional que figura, por exemplo, no seleto (ainda que incongruente) line up do Lollapalooza Brasil, term�metro para artistas emergentes ou nem tanto. Ela estrearia na edi��o deste ano do festival, agendada para o in�cio de abril e adiada para dezembro por conta da pandemia.

“Para esse show, tinha em mente preparar algo especial, com lan�amentos in�ditos e dan�arinos. Por enquanto, as coisas est�o suspensas e eles ainda n�o entraram em contato comigo para conversar sobre a nova data, mas eu imagino que v� rolar sim”, torce.

“Tinha muita coisa preparada para este ano, ia fazer turn� na Europa e agora os shows est�o todos cancelados. � claro que � um momento de completa incerteza, mas sou muito privilegiada, tenho um dinheiro guardado e falo desse lugar espec�fico. O que me preocupa agora s�o as pessoas que n�o t�m escolha e precisam sair de casa para, paradoxalmente, sobreviver”,conclui.