
“A sala estava cheia e o motor de baixo (do projetor) estragou e parou de rodar. Cancelar o filme seria sacanagem! Ent�o fui rodando a bobina com o dedo, durante uns 40 minutos. Deu at� bolha de �gua”, conta, entre risos, Marcelo Amancio, projecionista do Cine Belas Artes, em Belo Horizonte.
Com 62 anos, sendo 42 deles trabalhando em cinemas, Marcelo coleciona hist�rias sobre o seu dia a dia cuidando dos filmes. “Antigamente, tinha que devolver o dinheiro e n�o tinha como saber quem havia pago quanto. Agora voc� fica com o canhoto, mas, antes, era um bloco que voc� rasgava e colocava em uma urna”, diz, justificando por que decidiu n�o parar a sess�o quando o aparelho falhou.
Sua carreira como projecionista come�ou em 1978, aos 18 anos. O pai de um amigo, que era gerente do Cine Theatro Brasil, perguntou se ele gostaria de participar, por 80 dias, de um treinamento. Ap�s o per�odo, se passasse na prova, Marcelo seria contratado pelo cinema.
“Pratiquei, mas nem fiz teste, porque, na �poca, faltou um projecionista e eles mandaram eu ir l� para rodar o filme sozinho. Quando voltei, no outro dia, perguntei como seria o teste, mas o gerente disse que eu n�o precisava, porque tinha conseguido fazer tudo sozinho e certinho”, conta .
Contratado, Marcelo foi escalado como operador folguista. Cada dia ele ia para um cinema diferente. Por isso ele se orgulha de dizer que j� projetou filmes em praticamente todos os antigos cinemas do Centro da cidade. At� mesmo em um “cine circo”, que ficava no interior de uma tenda, no Bairro Santa Tereza.
Mas � o Cine Belas Artes que tem lugar cativo em seu cora��o. “Trabalho l� h� uns 22 anos, n�o tem nem tr�s meses que me aposentei”, conta. Apesar de ser formalmente aposentado por idade, ele continua trabalhando e diz que n�o conseguiria se afastar dos amigos.
“Minha amizade ali � muito bonita. Essa profiss�o � muito bonita, e eu n�o consigo ficar dentro de casa, j� me acostumei a ir para o cinema todo dia. Meu p� j� est� co�ando para ir trabalhar, e olha que estou longe h� apenas uma semana”, diz. Devido � pandemia do novo coronav�rus, o Belas Artes suspendeu suas atividades antes mesmo que o prefeito Alexandre Kalil determinasse o fechamento dos cinemas na cidade.
DO 35MM AO DIGITAL
“Quando comecei, era um momento superbacana. S� quem viveu sabe o quanto era gostoso! Voc� era at� famoso como operador de cinema”,diz. Embora sinta falta dos antigos rolos de 35mm, ele conta que a rotina que esse formato impunha n�o era f�cil.“Antigamente, n�o tinha essa de seis horas (de trabalho) por dia. Eu pegava das 10h � meia-noite. Levantava l� pelas 7h30, fazia meu cafezinho e minha marmita e ia trabalhar. O cinema era minha casa!”, diz.
A frequ�ncia aos cinemas “foi ficando ruim por causa dessas coisas que v�m chegando, como a TV a cabo. Antes, era s� cinema, circo e teatro”, afirma. Ele comenta que, antes, era poss�vel ajustar a imagem, o som e a legenda dos filmes, sempre que achasse que algo podia ficar melhor. Agora, com o digital, isso n�o � poss�vel. “Se a imagem estiver esquisita, voc� n�o consegue fazer nada.”
Como os rolos de 35mm pararam de ser usados a partir da d�cada de 1990, a figura do projecionista nos cinemas vem ficando cada vez mais rara. Marcelo explica que isso se deve ao fato de o trabalho ter ficado mais autom�tico e simples. “� como um DVD na sua casa. Voc� s� coloca l� e aperta o play”.
“Agora a gente (projecionistas) � operador e porteiro. Voc� fica recolhendo os ingressos e, depois, vai l� e aperta o play para o filme”, conta. Apaixonado por musicais, ele diz que nem sempre podia assistir aos filmes que exibia, j� que precisava ficar atento �s m�quinas. Mas conta que teve a chance de ver de perto v�rios artistas famosos, como Xuxa. “N�o era sempre, mas, quando tinha lan�amentos de filmes, eles iam l�. Mas iam s� nos cines mais carinhos”, diz.
*Estagi�ria sob supervis�o da editora Silvana Arantes