Uma das maiores trag�dias de Shakespeare, portanto, da hist�ria do teatro, Hamlet (1599-1601) acompanha o pr�ncipe da Dinamarca que tenta vingar a morte de seu pai, o rei, executado pelo pr�prio irm�o, Cl�udio. Hamlet permite v�rias leituras. Apaixonado pelo dramaturgo ingl�s, a quem j� dedicou um livro – Hamlet ou Amleto? – Shakespeare para jovens curiosos e adultos pregui�osos (Zahar) –, o escritor carioca Rodrigo Lacerda se lan�ou na aventura de levar Hamlet para o per�odo do isolamento social.

A partir desta quarta-feira (13), Lacerda promove o curso on-line Um pr�ncipe em quarentena: leitura acompanhada do Hamlet de Sha- kespeare, via plataforma liter�ria A Escrevedeira. As aulas ser�o sempre �s quartas, at� o pr�ximo dia 3 de junho. Lacerda prefere chamar os encontros de grupo de estudo, j� que os participantes v�o acompanhar a leitura da pe�a, cada um de sua casa. Para o autor, o texto shakespeariano dialoga com o momento atual, j� que, nos primeiros atos, o personagem-t�tulo se sente totalmente enclausurado.
Na entrevista a seguir, Lacerda fala sobre esse projeto e tamb�m de seu novo livro, O fazedor de velhos 5.0. Continua��o do romance de forma��o de mesmo t�tulo publicado 11 anos atr�s, o volume foi lan�ado pela Companhia das Letras precisamente na semana em que a pandemia mundial do coronav�rus foi decretada pela Organiza��o Mundial da Sa�de (OMS).
''Aos 15 anos, ganhei uma edi��o da obra completa em ingl�s. Foi meio um presente, meio uma maldi��o. N�o consegui ler nada, pois n�o � s� uma quest�o das palavras que voc� n�o conhece, mas as que conhece e t�m outro sentido. A pr�pria sintaxe � diferente. Foram v�rios obst�culos, demorei, entre v�rias tentativas, alguns anos (para conseguir ler a obra completa)''
Rodrigo Lacerda, escritor
Como Hamlet se relaciona com o isolamento social?
Hamlet se presta bem ao momento em que vivemos porque, de fato, ele tem a sensa��o de estar enclausurado nos quatro primeiros atos. A pe�a fala disso v�rias vezes. Al�m disso, h� uma imagem recorrente nela, que � a do envenenamento do corpo social, do corpo humano. A ideia de corrup��o f�sica, de amea�a � sa�de tamb�m existe, ent�o achei que a pe�a � um jeito de exorcizar um pouco o que estamos vivendo. Fazer esta leitura n�o vai me impedir de fazer todas as outras: o Hamlet niilista, o filos�fico, o pol�tico. Todas as leituras t�m uma raz�o de ser e nenhuma delas � dona absoluta da verdade.
Os participantes do curso v�o trabalhar com as tradu��es que t�m. Como voc� pensa em trabalhar com tradu��es diferentes de um mesmo texto?
Voc� n�o pode exigir que as pessoas consigam ler o ingl�s do s�culo 17, j� que muitos falantes do ingl�s n�o conseguem. Parte da gra�a deste grupo de estudo ser�o as v�rias tradu��es, pois isso at� contribui para a discuss�o. Volta e meia, cada tradutor resolveu uma quest�o de uma forma diferente, nem sempre utilizando a tradu��o literal, pois os v�rios sentidos de uma mesma palavra �s vezes n�o t�m o equivalente em portugu�s. Pelas op��es dos tradutores veremos a riqueza de sentidos e o texto original, que tenho, vai entrar para explicar as varia��es.
Na sua opini�o, qual a melhor tradu��o de Hamlet para o portugu�s?
Saiu recentemente uma da Penguin Brasil que talvez seja a melhor de todas (de Lawrence Flores Pereira, lan�ada em 2015). Em geral, uso o da Anna Am�lia Carneiro de Mendon�a, m�e da (cr�tica) B�rbara Heliodora. Fui aluno da B�rbara muitos anos, quando ela tinha um grupo de estudos de Shakespeare, ent�o � a tradu��o com a qual estou acostumado. Admito que, �s vezes, havia uma preocupa��o grande com a m�trica. Isso obriga o tradutor a muitas vezes fazer op��es de tradu��o que n�o seguem t�o fielmente o sentido. A do Mill�r � �tima, mas �s vezes um pouco informal demais. O legal � trabalhar com todas ao mesmo tempo, pois a soma delas vai se aproximar do texto original.
Quando e de que maneira voc� descobriu Shakespeare?
Aos 15 anos, ganhei uma edi��o da obra completa em ingl�s. Foi meio um presente, meio uma maldi��o. N�o consegui ler nada, pois n�o � s� uma quest�o das palavras que voc� n�o conhece, mas as que conhece e t�m outro sentido. A pr�pria sintaxe � diferente. Foram v�rios obst�culos, demorei, entre v�rias tentativas, alguns anos (para conseguir ler a obra completa). Conto um pouco disso em O fazedor de velhos (romance juvenil publicado em 2008 e vencedor do Jabuti, entre outros pr�mios). Os personagens (de Sha- kespeare) t�m uma for�a vital, uma esp�cie de autoria da pr�pria biografia. Eles sabem o que querem, podem ser vil�es ou n�o. Ler isso quando eu estava chegando � vida adulta, com 17, 18, 19 anos, me deu muita for�a. Bateu fundo naquela �poca e ficou essa amizade eterna.
Por falar em O fazedor de velhos, voc� lan�ou a continua��o, "5.0.", junto com a pandemia.
Ele saiu em 13 de mar�o (dois dias depois de a Organiza��o Mundial da Sa�de declarar a pandemia do novo coronav�rus), ent�o nem sei se chegou a ser distribu�do completamente. Perdeu o clima, pois a vida de tanta gente virou de cabe�a para baixo, que achei melhor deixar passar e retrabalhar o livro quando a normalidade voltar.
Por que decidiu escrever uma continua��o?
O primeiro livro ia da inf�ncia at� a juventude dos personagens, terminava na faculdade (Pedro � o narrador da obra). Um dos temas era a passagem do tempo, e as altera��es da nossa maneira de ver o mundo que o tempo provoca. Sendo esse o tema principal, passados 11 anos do lan�amento, tive vontade de fazer essa continua��o e de projetar aqueles mesmos personagens. O Pedro, agora, est� fazendo 50 anos. Foi uma experi�ncia divertida, nunca tinha feito nada assim antes. O livro amplia um pouco o repert�rio de personagens. Tem os da obra anterior e outros. � curioso, pois voc� volta (aos personagens) e tem a sensa��o de que est� revendo uma turma antiga que n�o via h� muito tempo. � como um reencontro com a turma do col�gio, em que voc� se reconecta muito rapidamente. Em certa medida, � at� mais f�cil escrever sobre o que est� distante, a juventude, a inf�ncia, porque voc� j� fez um balan�o daquilo, sabe o que tirou dali, o que perdeu. Escrever sobre a fase da vida em que voc� est� agora ainda n�o deu tempo de decantar tanto.
''A ideia de corrup��o f�sica, de amea�a � sa�de tamb�m existe (no texto de Shakespeare), ent�o achei que a pe�a � um jeito de exorcizar um pouco o que estamos vivendo. Fazer esta leitura n�o vai me impedir de fazer todas as outras: o Hamlet niilista, o filos�fico, o pol�tico. Todas as leituras t�m uma raz�o de ser e nenhuma delas � dona absoluta da verdade''
Rodrigo Lacerda, escritor
Al�m da idade, o que voc� e Pedro t�m em comum?
Embora n�o tenha sido a inten��o inicial, j� no primeiro livro eu levei muitos elementos pessoais meus. N�o gosto do r�tulo autofic��o, mas, se tivesse que us�-lo na minha obra, seria para os dois livros O fazedor de velhos. O enredo n�o � o mesmo, mas a voz do narrador � muito parecida com o meu jeito de me expressar, mesmo que ele e eu n�o concordemos em tudo. Neste novo livro, deu para tratar de outros assuntos que o primeiro n�o tratava. S�o livros eminentemente escritos para jovens, embora o primeiro tenha um grande n�mero de leitores de todas as idades. Mas h� uma tentativa de levar para o leitor jovem o amor pelas artes. N�o como uma coisa da boca para fora, mas realmente fazer com que ele entenda a import�ncia da arte para a pr�pria vida. Isso tinha no primeiro e no segundo tem de novo. Agora, este novo livro tamb�m traz a coisa da discuss�o pol�tica. Constru� oposi��es entre os personagens que, de alguma forma, ecoam um pouco o que temos vivido no Brasil dos �ltimos tempos.
Voc� j� chegou a pensar em lan�ar uma continua��o de A rep�blica das abelhas: Carlos Lacerda (2013), j� que a narrativa desse livro vai at� meados dos anos 1950, e seu av� teve grandes momentos na pol�tica brasileira al�m desse per�odo?
Acho que assunto tem, porque no livro n�o falo do governo Juscelino, n�o falo do J�nio, do Jango, nem do golpe de 64, apenas os menciono. A expectativa por um segundo volume tem a ver com a maneira como o livro foi entendido. Para mim, ele n�o � uma biografia do meu av�, mas a hist�ria de uma fam�lia que durante tr�s gera��es esteve no centro dos acontecimentos pol�ticos do Brasil. O livro n�o � focado em um personagem, mas numa linha: o av� do meu av� (Sebasti�o de Lacerda), o meu bisav� (Maur�cio de Lacerda) e meu av�. Mas n�o vejo necessidade, sobretudo porque o pai (Maur�cio) foi um pol�tico t�o importante na Primeira Rep�blica quanto ele (Carlos Lacerda). A experi�ncia do pai com a Revolu��o de 30 foi t�o parecida com a do meu av� no golpe de 64 que, sinceramente, eu me sentiria contando a mesma hist�ria (caso fizesse uma continua��o).

O FAZEDOR DE VELHOS 5.0
• Rodrigo Lacerda
• Companhia das Letras (312 p�gs.)
• R$ 49,90 e R$ 29,90 (e-book)
UM PR�NCIPE EM QUARENTENA:
LEITURA ACOMPANHADA DO HAMLET,
DE SHAKESPEARE
Curso com Rodrigo Lacerda. Dias 13, 20 e 27 de maio e 3 de junho, das 19h30 �s 21h30, no site A escrevedeira (escrevedeira.com.br). Valor: R$ 330.