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'Apenas um subversivo', biografia de Dias Gomes, ganha reedi��o

Editora Bertrand Brasil homenageia o centen�rio de nascimento do dramaturgo (1922-1999) com o relan�amento tamb�m da pe�a "As prim�cias", cr�tica � ditadura


28/09/2022 04:00 - atualizado 29/09/2022 12:42

Caricatura do dramaturgo Dias Gomes sorrindo
Voca��o de Dias Gomes para a dramaturgia foi percebida logo cedo, aos 15 anos

“Deus � o maior dramaturgo, ainda que sem imagina��o, pois todas as pe�as que Ele faz acabam em morte”, afirmou certa vez Dias Gomes (1922-1999), contestando o t�tulo de “o maior dramaturgo brasileiro” que ganhou dos cr�ticos. Embora a mod�stia n�o lhe permitisse aceitar muitos dos elogios que recebia, fato � que sua trajet�ria de sucesso no teatro e na televis�o � inconteste – ao longo de 60 anos, produziu 33 pe�as.

Sua voca��o para a dramaturgia foi percebida logo cedo. Aos 15 anos, escreveu sua primeira pe�a, “A com�dia dos moralistas”, que ganhou o Concurso do Servi�o Nacional de Teatro em 1939. Passados tr�s anos, passou a se dedicar inteiramente ao teatro profissional, assinando "P� de cabra", "O homem que n�o era seu" e "Jo�o Camb�o". 

A partir da�, deslanchou na carreira, excursionando pelo pa�s com as montagens de seus textos, e ainda garantiu um contrato de exclusividade com o Teatro Proc�pio Ferreira para a montagem de textos in�ditos.

O pr�ximo dia 19 de outubro marca o centen�rio de nascimento do dramaturgo. Para que a data n�o passasse em branco, a editora Bertrand Brasil decidiu relan�ar a pe�a “As prim�cias”, que ficou fora de cat�logo por anos, e a autobiografia “Apenas um subversivo”.

S�tira 

Escrita em 1977, quando o Brasil j� come�ava a ensaiar certa distens�o pol�tica ap�s os “anos de chumbo”, “As prim�cias” nasceu como uma mensagem de dissid�ncia, ruptura e s�tira ao poder absoluto. A trama gira em torno de um casal de noivos camponeses de origem n�o mencionada. 

Eles est�o ansiosos pela noite de n�pcias, mas, ao mesmo tempo, preocupados com o jus primae noctis, um costume da �poca medieval segundo o qual era direito dos propriet�rios de terras tirar a virgindade das noivas que viviam no local. Assim, se o jovem casal quisesse, de fato, consumar o matrim�nio, teria que aceitar que o dono das terras onde vivia dormisse com a mo�a antes do noivo.

Conforme o pr�prio autor afirmou em sua autobiografia, a pe�a “lan�ava m�o do medieval ‘direito de pernada’, ou ‘direito da primeira noite’ – jus primae noctis – para denunciar que outras formas do direito de violentar ainda estavam em vigor”.

A mensagem de ruptura de “As prim�cias”, entretanto, se d� pela decis�o dos noivos de n�o aceitarem tal costume. “M�e, eu e Lua [nome do noivo] tomamos uma decis�o. Vamos nos rebelar, dizer n�o ao propriet�rio. Sabemos que isso vai nos custar alguma coisa. Mas estamos dispostos a pagar o pre�o”, afirma a noiva � sua m�e, em determinado momento da pe�a. “Se algu�m n�o come�a, mesmo se arriscando, nunca, nunca que as coisas v�o mudar!”, prossegue a personagem.

Dias Gomes foi reconhecido por sua sensibilidade para descrever a chamada alma brasileira, caracter�stica que ficou evidente em outras obras mais populares, como “O pagador de promessas", “O rei de Ramos”, “Meu reino por um cavalo” e “O ber�o do her�i”. Revestidas de cr�ticas sociais e, muitas vezes, sob a capa da ironia, suas produ��es n�o agradaram a todos, sobretudo aos militares que tomaram o poder em 1964.

"Meu pai e minha m�e estavam sempre escrevendo. Mas eles tamb�m conversavam muito sobre tramas, personagens e elementos c�nicos das pe�as e novelas em que estavam trabalhando. Um sempre pedia a opini�o do outro e uma avalia��o cr�tica mesmo"

Alfredo Dias Gomes, m�sico (filho de Dias Gomes e Janete Clair)


Persegui��es 

“Quando eu era crian�a, lembro-me de v�rias vezes ver meu pai ter que se esconder para n�o ser preso por motivos pol�ticos. Os amigos avisavam: ‘Olha, est�o falando seu nome a�, � melhor voc� n�o ficar por aqui’. A� meu pai sa�a de casa e s� voltava dali a dois, tr�s meses”, conta o baterista Alfredo Dias Gomes, filho do dramaturgo com a novelista Janete Clair (1925-1983).

Dias Gomes provocou tanto a ira do regime, conta o m�sico, que bastava os militares verem a assinatura dele em alguma pe�a ou telenovela para censurar a produ��o, como ocorreu com a primeira vers�o de “Roque Santeiro”, gravada em 1975 pela TV Globo.

� �poca, as grava��es j� estavam a pleno vapor – 30 cap�tulos estavam prontos e o elenco contava com nomes de peso, como Betty Faria, Lima Duarte e Francisco Cuoco –, quando o �rg�o de censura descobriu que o folhetim dirigido por Daniel Filho era baseado em “O ber�o do her�i”, de Dias Gomes. Os militares n�o pensaram duas vezes. Vetaram “Roque Santeiro” e deixaram a Globo sem alternativa para a programa��o de seu hor�rio nobre. 

Vendo-se sem sa�da, a emissora reprisou uma vers�o compacta de “Selva de pedra” – n�o se sabe se para alfinetar o regime ou se por pura coincid�ncia –, de autoria de Janete Clair. 

A Globo ainda disse � autora que, em tr�s meses, estrearia nova produ��o dela, de modo que em 90 dias Janete teria que criar uma hist�ria do zero e entreg�-la para grava��o o quanto antes. Assim nasceu, no tapa, “Pecado capital”.

Cumplicidade 

“Meu pai e minha m�e estavam sempre escrevendo. Mas eles tamb�m conversavam muito sobre tramas, personagens e elementos c�nicos das pe�as e novelas em que estavam trabalhando. Um sempre pedia a opini�o do outro e uma avalia��o cr�tica mesmo”, lembra Alfredo.

Quando n�o estavam escrevendo, ressalta o filho do casal, Dias Gomes e Janete Clair estavam assistindo �s novelas e comentando ou criticando algo que n�o havia sa�do conforme haviam pensado. “Tenho essa cena muito viva em minha mem�ria: os dois assistindo � televis�o e minha m�e deitada no sof�, com os p�s no colo do meu pai, que fazia massagem neles.”

Carinhoso e profundo observador, Dias Gomes era tamb�m zombeteiro. Levava o filho ao Maracan� e, sem pudor nenhum, xingava a m�e do juiz quando achava que o Flamengo, seu time do cora��o, estava sendo prejudicado pela arbitragem. 

Para o pequeno Alfredo, aquilo era, ao mesmo tempo, engra�ado e surpreendente. Afinal, tratava-se do renomado e premiado Dias Gomes, criado por uma fam�lia religiosa, que n�o admitia que se falassem palavr�es, desfiando palavras de baixo cal�o em meio � torcida do Flamengo.

Milico

“Tamb�m teve uma vez em que est�vamos eu, meu pai e um amigo dele num Fusquinha que a gente tinha. Isso em plena ditadura militar. Quando passamos em frente ao Pal�cio Guanabara [sede oficial do governo estadual do Rio de Janeiro], meu pai virou para mim e disse: ‘Na hora que a gente passar em frente ao pal�cio, grite milico para aquele soldadinho que est� l� na porta’. Meu pai desacelerou o carro, eu coloquei a cabe�a para fora da janela e berrei: ‘MILICO!’. A� meu pai acelerou o Fusquinha de novo e fomos embora gargalhando”, conta Alfredo, rindo, lembrando-se de que, na �poca, o termo milico era muito mais ofensivo para os militares do que � hoje, e que quem se referisse a algum membro das For�as Armadas por esse nome poderia acabar na cadeia.

Dramas 

Cenas tristes e sofridas tamb�m est�o vivas na mem�ria de Alfredo, como as idas at� a casa dos amigos do pai para pegar o dinheiro das novelas que Dias Gomes escreveu, mas deixou para eles assinarem, a fim de n�o ser v�tima da censura. Ou quando o dramaturgo n�o conseguia emplacar nenhum de seus textos no teatro nem na televis�o, per�odos em que a esposa segurava a barra financeira em casa.

“Era uma situa��o muito dif�cil para meu pai. Eu, mesmo pequeno, percebia o quanto ele ficava chateado com aquilo que estava acontecendo”, comenta o m�sico.

O maior trauma para a fam�lia foi, talvez, a morte prematura do ca�ula Marcos Pl�nio, morto aos dois anos e meio de vida. Ali, Alfredo viu no pai n�o mais a figura reverenciada no campo art�stico e nem o pai, ao mesmo tempo, severo e carinhoso. 

Em frente ao ainda pequeno Alfredo, Dias Gomes se mostrou um homem como qualquer outro, atingido no seu ponto mais fraco, assistindo impotente a mais uma pe�a sem imagina��o de Deus, que, mais uma vez, terminou em morte.

“APENAS UM SUBVERSIVO”
Dias Gomes
Editora Bertrand Brasil (252 p�gs.)
R$ 68,24 (livro f�sico) e R$ 44,01 (e-book)

“AS PRIM�CIAS”
Dias Gomes
Editora Bertrand Brasil (112 p�gs.)
R$ 54,90 (livro f�sico) e R$ 38,90 (e-book)


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