
Existia vida por tr�s dos aparelhos ligados na MTV. Muitas vidas, algumas t�o ou mais instigantes do que a biografia dos pr�prios artistas entrevistados pela pioneira musical no pa�s, reconhecida por formar uma gera��o de estrelas e de ouvintes nos anos 1990, mas que ningu�m via. At� que o tempo faz seu trabalho, perdoando pecados, absolvendo delitos e deixando tudo mais leve para que o ent�o VJ Luiz Thunderbird colocasse no papel as pr�prias mem�rias.
Thunder, de 59 anos, lan�a um livro com suas lembran�as de forma cronol�gica, como uma biografia, passo a passo – dos primeiros anos ao som de jazz, MPB e do viol�o Di Giorgio Classic que ganhou de presente aos 8, e que conserva at� hoje, aos planos que ainda pode fazer. Duas pontas preenchidas por per�odos de euforia com pesadelos que n�o imaginou t�o terr�veis e sonhos com os quais nunca sonhou, como ter estudado odontologia e aberto um consult�rio para viver como dentista, ser VJ e formar uma banda em 1985, a Aerosol, e outra em 1986, Devotos de Nossa Senhora Aparecida, para dar vaz�o � paix�o pelo rock and roll.
O livro se chama Contos de Thunder – A biografia, o mesmo nome do programa que ele apresentou em seu retorno � MTV, em 1996, �s v�speras de sua vis�o com rela��o a algum futuro sem as drogas se tornar t�o turva a ponto de faz�-lo simplesmente esperar pelo momento da morte.
Escrita com a colabora��o dos jornalistas Mauro Beting e Leandro Iamin, a publica��o rende uma hist�ria por si s�. Thunder j� pensava em lan�ar suas mem�rias desde 2010, quando estava “desiludido com a MTV e n�o conseguia ver um futuro”. “Foi muito bom que as coisas tenham acontecido daquele jeito”, diz Thunder. Um ano antes, ele havia conhecido Beting, que estava come�ando a escrever a biografia de Nasi, o vocalista do Ira!, com ajuda de Leandro Iamin. O VJ come�ou a narrar suas hist�rias a Beting e, juntos, realizaram encontros entre 2013 e 2016, quando o jornalista perdeu todas as grava��es.
Sem o material gravado das lembran�as, mas com cada linha delas na mem�ria, Thunder resolveu escrever em primeira pessoa, recriando o passado com a ajuda dos irm�os, da m�e, de parentes, amigos e das pesquisas que p�de fazer. Quando havia reunido um bom calhama�o e refeito sua trajet�ria at� 2014, perdeu tudo depois que o computador sofreu um colapso.
REVIS�O
J� tomando a publica��o da pr�pria hist�ria como quest�o de honra, Thunder come�ou tudo de novo. “Escrevi este livro quatro vezes”, ele conta, dizendo que haveria ainda a quarta, no momento de fazer a revis�o devolvida pela editora.O tempo parece ter jogado a favor de Luiz Thunderbird. Mesmo em epis�dios mais dr�sticos, e em outros onde poderia usar o momento da publica��o para se vingar dando nome aos bois, Thunder foi t�o impetuoso consigo mesmo quanto criterioso a citar ou n�o nomes de terceiros. Ele pensa assim: “Esta � a minha hist�ria que quero contar, n�o sei se os outros que passaram por ela gostariam de aparecer. N�o sei o que est�o fazendo hoje, n�o sei se o cara que tomou �cido comigo quer aparecer tomando �cido no livro. Procurei, mesmo, n�o expor.”
O drama de sua hist�ria dispensa coadjuvantes. Thunder soube que chegava ao fundo do po�o no dia em que Jo�o Gordo, � �poca um dos roqueiros mais entorpecidos do meio, outro ex-VJ da MTV, se preocupou com seu estado de sa�de. O livro caminha do menino ing�nuo em dire��o ao adulto-problema em uma escalada autodestrutiva. “Minha rela��o com as drogas teve o namoro, o noivado, o casamento, o div�rcio e algumas tentativas de reconcilia��o que n�o rolaram” conta.
O ano de 1997 � lembrado como o epicentro de sua trag�dia pessoal, depois de passar o Natal se drogando no quarto, usando a freebase, poderosa subst�ncia qu�mica capaz de provocar um redemoinho cerebral, enquanto a fam�lia se confraternizava na sala. “Ali, achei que fosse o fim, que n�o iria escapar. Tive muita sorte de ter um amigo que havia acabado de sair desta naquele exato momento.”
Nasi era este amigo. Sem que Thunder soubesse, o cantor falou com a fam�lia dele sobre a Vila Serena, centro de tratamento que havia tirado tanto Nasi quanto Renato Russo de dias piores. Por l� passou tamb�m Raul Seixas.
Falido, Thunder precisou pedir empr�stimo no banco para seguir seu tratamento. “Quando fiquei limpo, deixei muito claro para as pessoas. Os amigos que seguiram usando (drogas) se afastaram e alguns outros duvidaram de que eu estivesse mesmo sem usar”, revela. A t�nue linha que segura um ex-dependente, o trabalho, se rompeu por algumas vezes, quando programas que lhe davam grande prazer, como o Contos de Thunder, foram descontinuados e ele, demitido.
Por�m, o quesito sorte, santo, ou seja l� o que for, pareceu sempre ao lado de Thunderbird nos 14 anos em que lutou nos altos e baixos de Vila Serena. Apesar de dizer que a MTV foi a maior aventura de sua vida, as pessoas que ele cita na longa lista de agradecimentos, sobretudo o pai, a m�e e Nasi, diriam que essa aventura foi outra. (Estad�o Conte�do)

CONTOS DE THUNDER – A BIOGRAFIA
• De Luiz Thunderbird
• Com Mauro Beting e Leandro Iamin
• Globo Livros
• 392 p�ginas
• R$ 49,90
