Estacionado em Contagem, o Circo Castelli � um dos 68 grupos cuja atividade
foi suspensa pela pandemia em Minas Gerais, segundo levantamento do Sated (foto: Fotos: Circo Castelli/Divulga��o)
“A vida do artista de circo � a lona. N�o ver a lona � um grande vazio. O trailer � um lugar de dormir, n�o de viver”, afirma Sula Mavrudis, presidente da Rede de Apoio ao Circo e diretora do Sindicato dos Artistas e T�cnicos em Espet�culos de Divers�es de Minas Gerais (Sated-MG), voltada � atividade circense. Por�m, viver no trailer � hoje a realidade de ao menos 68 circos no estado catalogados por Sula. A pandemia do novo coronav�rus imp�s dificuldades severas para toda a classe art�stica, com o veto a aglomera��es e, portanto, � reuni�o de plateias. Para quem j� vivia uma rotina complicada mesmo antes de a crise sanit�ria obrigar a suspens�o das atividades e, com isso, zerar a entrada de receitas, o momento � de ainda mais ang�stia. No caso dos artistas circenses, for�osamente estacionados pelas cidades de Minas, a situa��o s� n�o � mais grave em raz�o da solidariedade da popula��o e do pr�prio setor, que se articula para sobreviver.
“Algumas fam�lias de artistas t�m conseguido acesso a �gua e luz nas cidades porque est�o podendo contar com a solidariedade de vizinhos. Como os circos s�o itinerantes, sempre com alvar�s provis�rios, essas instala��es s�o pagas adiantadamente quando o circo chega, para fazer a temporada. Com a pandemia, muitos foram pegos de surpresa”, explica Sula. Sem receita de bilheteria dos espet�culos, muitos grupos est�o numa situa��o dif�cil para negociar taxas e condi��es de perman�ncia. Segundo a diretora do Sated, a energia el�trica � cobrada dos grupos de circo com tarifa comercial, chegando a custar at� R$ 600 semanais. Sula relata ainda que n�o ter um munic�pio fixo de resid�ncia dificulta o acesso dos circenses ao aux�lio emergencial do governo federal.
Os problemas n�o param por a�. “Muita gente tem medo de que o circo n�o v� embora, j� teve trupe retirada do terreno onde estava ou pressionada a ir embora. � uma preocupa��o injustificada, pois o circense � n�made. O maior medo dele � justamente ter que ficar parado, como agora”, diz.
A trupe do Circo Castelli, que conta com 25 pessoas, entre adultos e crian�as, vem recebendo doa��es, mas n�o sabe quando voltar� a ter renda
PATATI PATAT�
O Circo Mundo Encantado, atualmente em Varginha, no Sul do estado, � um dos 68 estacionados em Minas. A trupe chegou � cidade em 10 de mar�o e faria tr�s apresenta��es com a famosa dupla Patati Patat�, mas logo encontrou a nova realidade imposta pela COVID-19, com espet�culos cancelados e deslocamentos dificultados.
Segundo Erli Miranda, representante legal do Mundo Encantado, as coisas n�o ficaram piores porque o circo foi autorizado a permanecer no estacionamento do shopping onde havia montado sua estrutura, sem cobran�a. “Foram muito bons com a gente, dando apoio e acesso � �gua. A Cemig continuou cobrando a energia, e um empres�rio nos deu aux�lio jur�dico para n�o haver corte. Estamos vivendo de ajuda da popula��o, loja ma��nica, igrejas, que trazem alimentos, rem�dios, porque a prefeitura n�o d� nada, apenas sete cestas b�sicas. � um descaso total. Se n�o fosse a popula��o, estar�amos passando necessidade”, afirma Erli, que est� ao lado de outros 19 integrantes do circo, entre artistas e funcion�rios.
ASSIST�NCIA
A Prefeitura de Varginha nega que tenha se omitido. Segundo sua assessoria de imprensa, “a prefeitura d� assist�ncia desde que as atividades paralisaram”. A Secretaria de Desenvolvimento Social diz que eles recebem sete cestas b�sicas por m�s, “sendo que o c�lculo � de uma para cada quatro membros da fam�lia, ent�o est�o recebendo at� mais, al�m de materiais de limpeza”. E a Secretaria de Sa�de “ assiste com medicamentos, quando necess�rios”.
A gest�o municipal informou que n�o h� pol�tica de assist�ncia espec�fica para circenses, mas diz que o Executivo elaborou a minuta de uma lei que disp�e sobre a atividade circense, em an�lise pela Procuradoria-geral do munic�pio. Apesar dessa discord�ncia, segundo Erli Miranda, o circo e a Prefeitura de Varginha chegaram a um entendimento nos �ltimos dias para a realiza��o de um espet�culo drive-in em junho, no parque de exposi��es da cidade.
H� 15 anos rodando o Brasil com um espet�culo montado em gin�sios, e n�o sob a lona convencional, a trupe catarinense Holinger Circo Show chegou a Lambari, no Sul de Minas, em fevereiro passado. Al�m da paralisa��o por causa da pandemia, o grupo teve toda a sua estrutura roubada na cidade mineira, em abril.
“Meu ba�-reboque ficava estacionado em frente ao apartamento onde eu dormia com minha fam�lia. � noite, engataram um carro e levaram tudo. Todo o meu equipamento estava l� – som, cen�rio, maquin�rio, lanchonete. Perdi tudo”, relata Johnny Palacios, que viaja com a esposa e duas filhas. Segundo ele, a pol�cia local deu apoio imediato, mas n�o localizou o ve�culo. Ele reclama que n�o teve assist�ncia das autoridades municipais e que teria um custo de R$ 20 mil para remontar o show. “Pago aluguel do gin�sio, taxa de inc�ndio, n�o temos isen��o de nada. Vamos batendo no peito para n�o deixar morrer”, diz o artista, que, inicialmente, teve uma redu��o no valor do aluguel cobrado no apartamento onde est�. No entanto, o propriet�rio solicitou o im�vel de volta.
A Secretaria de Assist�ncia Social de Lambari afirma que disponibiliza cestas b�sicas padr�o � popula��o em situa��o de risco e ofereceu esse aux�lio ao artista. Tamb�m foi informado que n�o h� no munic�pio uma pol�tica espec�fica para artistas circenses e que o valor m�ximo oferecido pelo munic�pio de aux�lio-moradia � R$ 350, menos da metade dos quase R$ 900 cobrados no im�vel que Johnny Palacios aluga. “Eles n�o s�o pessoas que est�o satisfeitas com essa situa��o de ficar � espera de receber ajuda. S�o pessoas que trabalham, e muito, de maneira honesta e bonita. Muitos t�m tentado alternativas, trabalhando no sem�foro e vendendo ma�� do amor na rua. Mas, nesse per�odo, n�o tem outra alternativa. Eles precisam continuar existindo”, afirma Lucas Castro, que, ao lado da irm�, Deisy Castro, fundou a escola circense Espa�o CircoLar, em Contagem, e criou o projeto Apoie o Circo Tradicional, em parceria com a Rede de Apoio ao Circo e outras institui��es.
“Nosso setor foi um dos primeiros a parar e, muito provavelmente, ser� o �ltimo a voltar. Tivemos redu��o muito significativa no n�mero de alunos e tentamos dar aulas on-line para sobreviver. Mas aqueles que moram nas lonas e trailers dependem unicamente da bilheteria”, ressalta Lucas. Para tentar ajudar esses profissionais, o grupo criou “vaquinha” on-line e recebe doa��es de alimentos, produtos de higiene e roupas. As doa��es podem ser feitas no Espa�o CircoLar (Eldorado), na Rede de Apoio ao Circo (Liberdade) e na Casa Luzeiro (Novo S�o Lucas).
Secretaria de Cultura divulgou nota t�cnica para a��es de preven��o � COVID-19 junto �s popula��es circenses
DOA��ES
“Nossa �nica renda vem da bilheteria, e s� Deus sabe quando vamos poder voltar. � triste isso, nunca aconteceu antes. Era assim: n�o podia trabalhar em uma cidade, �amos para outra. Mas agora n�o podemos ir para lugar nenhum, nem sair”, lamenta Fernanda Lincoln, uma das integrantes do Circo Castelli, com o qual viajam 25 adultos e crian�as.
Fernanda conta que o circo n�o est� passando maiores dificuldades porque j� recebeu muitas doa��es de pessoas e do projeto Apoie o Circo Tradicional. “Isso � para todo mundo, n�o � s� pra gente. Temos que olhar para os lados de todo mundo”, diz. O Castelli dividiu as doa��es que recebeu com circos de Ribeir�o das Neves, Barreiro e Contagem. Sem previs�o de retorno das atividades, fica a preocupa��o para o setor.
“Com a pandemia, o risco e o medo de contamina��es, haver� ainda mais dificuldade para os artistas itinerantes, somada ao preconceito e ao fato de estarem descapitalizados. Tem circo em que os artistas t�m o que comer hoje porque venderam a moto do Globo da Morte. Mas � complicado, trailers precisam de manuten��o, assim como os equipamentos, a pr�pria lona resseca e racha se ficar muito tempo guardada. Se n�o houver um apoio, muitos n�o v�o rodar novamente”, prev� Sula Mavrudis. A atividade circense em Minas foi apontada pelo rec�m-nomeado secret�rio de Estado de Cultura e Turismo, Le�nidas de Oliveira, como uma de suas maiores preocupa��es, em entrevista ao Estado de Minas no dia de sua nomea��o.
Em parceria com a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese), a Secult divulgou nota t�cnica com o objetivo de “orientar os servi�os municipais t�cnicos, profissionais e demais gestores quanto aos cuidados com a popula��o circense no estado em rela��o � preven��o e tratamento da COVID-19”.
O documento, dispon�vel no site da Secult, reconhece que “devido � alta mobilidade caracter�stica desses povos (itinerantes), geralmente ocorrem empecilhos na garantia de direitos e cidadania”. Entre os principais pontos, o governo orienta os munic�pios a “disponibilizar temporariamente os espa�os p�blicos onde os circos se encontram ou auxiliar nas tratativas das �reas privadas para que os circos possam se fixar durante o per�odo de enfrentamento da pandemia, a fim de evitar tr�nsito e alta mobilidade”.
*Estagi�ria sob a supervis�o da editora Silvana Arantes