Historiadoras analisam o novo momento da hist�ria do Brasil
Helo�sa Starling e Regina Helena, professoras da UFMG, comentam a recente mobiliza��o nas redes sociais e nas ruas em defesa da democracia e da igualdade racial
Manifestante usa m�scara com o s�mbolo do movimento Antifa, marca que viralizou nas redes sociais
(foto: Nelson Almeida/AFP)
Neste domingo (7), a partir das 11h, a Pra�a da Bandeira, no Bairro das Mangabeiras, Regi�o Centro-Sul de Belo Horizonte, dever� receber manifestantes para um “ato democr�tico antirracista e antifascista”, como descreve o convite que roda as redes sociais nos �ltimos dias. � tarde, grupos ligados � sociedade civil, alguns ligados a torcidas organizadas, planejam descer a Avenida Afonso Pena em dire��o � Pra�a Sete para um encontro com o movimento Vidas Negras Importam.
A movimenta��o, prevista tamb�m em outras cidades, ecoa o que vem ocorrendo nas �ltimas semanas no Brasil e no mundo. Em nosso pa�s, manifestos de representantes da sociedade civil, suprapartid�rios, unem lados outrora opostos em defesa da democracia e contra o governo federal.
Os desafetos Lob�o e Caetano Veloso, para citar o exemplo mais claro, est�o entre os milhares de signat�rios do Movimento Estamos Juntos. Em sua primeira semana (ao lado de iniciativas semelhantes, como Somos 70% e Basta), a a��o colocou lado a lado artistas, atletas, profissionais liberais, juristas, pol�ticos, celebridades e an�nimos.
Ao redor do mundo, o assassinato de George Floyd, negro que morreu sufocado por um policial branco na cidade norte-americana de Minneapolis, provocou rea��o em massa em diversos pa�ses. Protestos contra o racismo ganharam as ruas e as redes sociais. Bey- onc� e Rihanna, entre outras estrelas da m�sica, denunciaram a intoler�ncia racial, enquanto gravadoras fizeram greve, na ter�a-feira, em solidariedade aos manifestantes. Isso tudo vem ocorrendo a despeito da pandemia do coronav�rus, que colocou o Brasil como novo epicentro da crise sanit�ria.
Afinal, h� algo de novo nesta crescente onda de insatisfa��o? “A quantidade de crises juntas, da maneira como est� o projeto de corros�o por dentro das institui��es democr�ticas, � algo in�dito na hist�ria do Brasil”, atesta Helo�sa Starling, professora de hist�ria da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
A autora do livro Rep�blica e democracia: Impasses do Brasil contempor�neo lembra que est� longe de ser a primeira vez em que se amea�a o regime democr�tico no pa�s. “A diferen�a � que o processo � outro, pois a destrui��o est� sendo de dentro das institui��es. Al�m disso, a conjun��o de crises – pol�tica, econ�mica, sanit�ria, instabilidade institucional – � in�dita. Agora s� falta uma crise social.”
Para Helo�sa, � positivo ver a sociedade civil se mobilizando por meio de manifestos, “tentando conversar fora de seu campo ideol�gico”. Mas isso � apenas um come�o, adverte. “Se der certo, vai chegar a uma frente ampla o suficiente para a defesa da democracia, e isso n�o tem nada a ver com partido pol�tico e elei��o.”
(foto: Fernando Rabelo/divulga��o)
"Qual � a efic�cia da a��o? Sugiro que as pessoas pensem sobre isso. Elas t�m de transformar palavras em a��o. Se as redes conseguirem isso, �timo. Se n�o, o que se est� fazendo n�o passa de brincadeira"
Helo�sa Starling, historiadora
EFIC�CIA
A semana foi marcada por postagens de brasileiros nas redes sociais com o s�mbolo do movimento Antifa (antifascista), nascido entre os anos 1920 e 1930, durante a ascens�o da extrema-direita na Alemanha e na It�lia. O ativismo virtual � positivo, na vis�o da historiadora. “Qualquer forma de as pessoas defenderem seus direitos, a democracia e a liberdade � leg�tima. Agora, qual � a efic�cia da a��o? Sugiro que as pessoas pensem sobre isso. Elas t�m de transformar palavras em a��o. Se as redes conseguirem isso, �timo. Se n�o, o que se est� fazendo n�o passa de brincadeira.”
A rua � uma quest�o diferente, observa Helo�sa. “Tem o movimento de setores da sociedade que est�o disputando as ruas com o pessoal da direita. Mas h� grupos organizados cuja motiva��o n�o � clara”, diz a professora, referindo-se a um prov�vel retorno dos black blocs.
“O que vi, principalmente em Curitiba (no in�cio da semana), me disse algumas coisas sobre 2013. Os black blocs apareceram naquela �poca quebrando tudo e depois sumiram. Agora, vimos o pessoal quebrando vidra�a (na capital paranaense, houve depreda��o de pr�dios p�blicos e particulares, incluindo o Tribunal de Justi�a). N�o sei o que � isso, mas � o pior que se pode fazer.”
Integrante do Departamento de Hist�ria da UFMG, a professora Regina Helena observa a atual situa��o brasileira com um ar de d�j� vu. “Governos autorit�rios republicanos n�s j� tivemos, como tamb�m uma associa��o com os militares. E o que acontece quase sempre no Brasil � o agravamento das condi��es das desigualdades sociais. As classes populares sempre perderam. N�o � que esses elementos se repetem, eles s�o estruturantes da nossa sociedade.”
"As formas como a gente fala, se exp�e e debate, antes eram controladas. Agora, n�o"
Regina Helena, historiadora
Pandemia
Para ela, a situa��o s� vem se complicando com a pandemia. “Mais que agravou, parece que � sem solu��o, pois temos um governo sem o menor controle, que parece apostar na morte.” Na opini�o de Regina Helena, o medo � a rea��o prim�ria. “H� o medo de um autoritarismo grave, ditatorial, como tamb�m o medo de as coisas mudarem, deixando de ser como sempre foram. E ainda o medo da doen�a, de que tudo exploda mais aqui do que em outros lugares.” Por outro lado, observa, assiste-se ao movimento de organiza��o e solidariedade, “infinitamente maiores nas favelas e entre os pobres do que na classe m�dia”.
De acordo com ela, a visibilidade � a novidade n�o apenas deste momento, mas de outras manifesta��es ocorridas no s�culo 21. “As formas como a gente fala, se exp�e e debate, antes eram controladas. Agora, n�o.” No entanto, o resto permanece igual, observa Regina Helena.
“Vejo manifesto, hashtag, v�rias a��es conclamando as pessoas a estarem juntas e unidas contra um inimigo maior. Mas este � o hist�rico do Brasil. O inimigo maior pode ser o comunismo, um elemento externo que veio nos atacar, ou o racismo. O que est� acontecendo � parte constitutiva de n�s. Ent�o, usamos as armas de sempre, a concilia��o. Mas a concilia��o pelo alto”, diz ela, exemplificando com o movimento das Diretas J�, na d�cada de 1980, visto como refer�ncia para os manifestos atuais.
“No in�cio, houve participa��o das torcidas, por exemplo. Mas depois o que houve foi um imenso arranjo, com decep��o e tristeza. O que hoje vem sendo denunciado � o resultado dos arranjos das Diretas”, finaliza.
DOCUMENT�RIOS
NOS EUA
(foto: History/divulga��o)
O canal pago History exibe neste domingo (7), �s 17h35, o especial 1992: Los Angeles em chamas (foto). O document�rio acompanha os quatro dias que sucederam ao espancamento, por policiais, do motorista negro Rodney King. Em decorr�ncia, a cidade viveu quatro dias de revolta e viol�ncia.
NO BRASIL
(foto: Tamandua/divulga��o)
O document�rio Democracia em preto e branco, de Pedro Asbeg, acompanha o movimento Democracia Corinthiana, que nos anos 1980 engajou a torcida do time paulista na campanha das Diretas J� por meio da participa��o ativa de jogadores como S�crates (foto) e Casagrande. O filme estar� dispon�vel gratuitamente neste domingo na plataforma de streaming tamadua.tv.br.