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Estado de Minas CI�NCIA

F�sico comenta o problema da teoria dos m�ltiplos universos

Marcelo Gleiser explica por que a hip�tese n�o � impens�vel, mas � imposs�vel de ser provada cientificamente. Nesta ter�a (18), ele encerra webin�rio Conversas sobre Perguntas


17/08/2020 04:00 - atualizado 17/08/2020 09:26

(foto: Eli Burakian/Divulgação)
(foto: Eli Burakian/Divulga��o)

O f�sico, astr�nomo e escritor Marcelo Gleiser encerra nesta ter�a-feira (18), �s 17h, o webin�rio Conversas Sobre Perguntas, em torno do tema “Ci�ncia, espiritualidade e futuro”.

Pesquisador e professor da Faculdade de Dartmouth, nos Estados Unidos, Gleiser diz que “a f� n�o deve ter o papel explanat�rio sobre como o mundo funciona. A f� pertence � ordem da inquietude humana, pertence a como nos posicionamos a v�rios mist�rios da ci�ncia, muitos deles que est�o al�m do alcance da ci�ncia”.

Para o f�sico, em sua linguagem universal, a ci�ncia busca respostas, demonstrando e comprovando as hip�teses pelo m�todo cient�fico, sem acionar a ideia de Deus. Na entrevista a seguir, ele fala sobre o avan�o da ci�ncia, a possibilidade do multiverso e a chance de haver vida inteligente fora da Terra.

A transmiss�o de amanh� ser� pelo YouTube da Casa Fiat de Cultura, que promove o webin�rio em parceria com o CCBB, Memorial Minas Gerais Vale e Museu das Minas e do Metal Gerdau, todos integrantes do Circuito Cultural Liberdade.

''� extremamente hip�crita criticar a ci�ncia segurando um iPhone. Se n�o tivesse carga enorme de conhecimento cient�fico acumulado em quatro s�culos, n�o haveria um iPhone. Por que isso acontece? Esses movimentos negacionistas querem provocar o caos na sociedade para que as pessoas se sintam mais fragilizadas, em conflito intelectual, para que, ent�o, os governos de direita, mais fortes, possam manipul�-las intelectualmente''

Marcelo Gleiser, f�sico, astr�nomo e escritor

  

Desde a Antiguidade, o ser humano atribui a fen�menos que n�o consegue explicar a interfer�ncia divina. A ci�ncia avan�ou, mas ainda explica muito pouco sobre o universo, principalmente em rela��o � cria��o. Como a ci�ncia moderna se relaciona com a ideia de Deus?
A ci�ncia procura atingir uma universalidade, busca uma l�ngua que todos podem falar, independentemente de ter f� ou n�o, de acreditar neste ou naquele deus, de ser liberal ou de ser conservador, do seu g�nero ou identidade sexual. Nada disso importa quando falamos sobre as propriedades de um metal ou as propriedades de um v�rus. Ent�o, a ci�ncia n�o se relaciona com a ideia de Deus de nenhuma forma. Quando o cientista resolve uma equa��o ou est� num laborat�rio fazendo uma experi�ncia, n�o est� pensando em Deus, na f� ou na religi�o, mas est� pensando concretamente em aplicar um m�todo cient�fico para tentar resolver um problema. Se voc� acredita ver Deus como presen�a importante em sua vida, � mais prudente n�o acion�-lo para tentar explicar algo que a ci�ncia ainda n�o explica, porque � medida que a ci�ncia avan�a, algumas lacunas do conhecimento v�o encolhendo e outras novas v�o surgindo. O conhecimento � assim: voc� aprende mais � medida que vai respondendo �s perguntas, mas tamb�m vai aprendendo que h� muitas outras perguntas a serem feitas e respondidas. A quest�o da rela��o entre a f� e a ci�ncia pode se dar, entretanto, em n�vel de uma perspectiva �ntima, do cientista como indiv�duo. Mas n�o de uma posi��o da ci�ncia, que n�o tem interesse em implementar qualquer imagem ou vers�o divina. At� porque, temos um certo v�cio em falar do Deus judaico crist�o, mas, para um planeta com 8 bilh�es de pessoas, n�o � o deus em que a maioria acredita. � muito importante fazer essa separa��o entre a universalidade da ci�ncia e a eventual f� que o cientista possa ou n�o ter. E, do ponto de vista social e cultural, � imprescind�vel manter a separa��o clara entre o que a ci�ncia pode e n�o pode fazer e o que a religi�o pode e n�o pode fazer. As coisas se enrolam quando a religi�o tenta interferir em curr�culos escolares, negando o conhecimento cient�fico. 

Qu�o distante est�o atualmente a f�sica e a astronomia para explicar a origem do universo?
A ci�ncia caminha a passos r�pidos, mas, em certas �reas, os avan�os s�o muito mais dif�ceis do que em outras. J� aprendemos muito sobre o universo: sabemos qual � a composi��o fundamental da mat�ria, do que a mat�ria � feita no universo inteiro, no corpo da gente, nas pedras, na lua, nas estrelas, nas gal�xias. Entendemos muito sobre a composi��o da mat�ria, entendemos como as estrelas nascem, como morrem, como elas formam novos planetas. E a gente pode voltar na hist�ria do universo – que tem idade aproximada de 14 bilh�es de anos – at� fra��es de segundos depois do Big Bang, que marca a origem do tempo. Isso � uma fa�anha espetacular, do esp�rito criativo humano, que � termos todo esse conhecimento do universo. Mas � �bvio que n�o queremos parar por a� e queremos chegar cada vez mais perto do ponto em que tudo come�ou. Queremos conhecer a origem do universo, aquele tempo t=0, quando tudo come�ou. Mas o conhecimento que temos hoje da f�sica n�o permite que a gente chegue l�, porque precisar�amos de uma esp�cie de metateoria sobre a origem do universo, que explica por que ele tem as propriedades que tem, para que possamos usar essas propriedades para construir um modelo que descreva o que estava acontecendo naquele momento t=0. Ocorre que a ci�ncia n�o pode se explicar a si mesma. � como se f�ssemos uma esp�cie de peixe, preso no aqu�rio, e quis�ssemos entender o oceano inteiro. Para entender o oceano inteiro, precisar�amos sair do aqu�rio, sair do oceano, ver tudo de fora para dentro – � o que chamamos da vis�o do olho de Deus, que v� tudo – e n�o temos essa vis�o. Ent�o, a ci�ncia � incapaz de explicar a origem do universo, n�o porque seja falha ou limitada, mas porque � uma explica��o que requer metaf�sica, que vai al�m da pr�tica da ci�ncia moderna. 

Qual � a razoabilidade da ideia de que al�m do nosso universo existam m�ltiplos outros universos? 
A ideia do multiverso � a de que o nosso universo n�o seja o �nico e de que, al�m dele, existam m�ltiplos universos, paralelos ao nosso, nos quais as leis da f�sica seriam, em princ�pio, diferentes deste nosso universo. A gente n�o consegue visualizar isso, mas, de forma simplificada, seria imaginar cole��es de bolhas de sab�o numa sala, e cada uma delas ocupando um espa�o diferente, e dentro das quais haveria uma f�sica diferente. Em princ�pio, n�o tem nada de errado com essa hip�tese: existem outros planetas, existem estrelas diferentes, existem outras gal�xias e, se as leis da f�sica podem realmente mudar, e h� v�rias teorias que preveem que elas possam mudar, por que n�o imaginar que existam outros universos al�m do nosso, com propriedades diferentes? Essa � uma hip�tese superousada, que traz uma s�rie de problemas complicados para comprov�-la ou refut�-la: podemos ou n�o observar esses universos?. A resposta � n�o. N�o podemos observar esses universos por um motivo simples: toda a informa��o que recebemos do mundo, da natureza, viaja na velocidade da luz. Ent�o, demora um tempo para a informa��o chegar at� n�s. Se olhamos para a lua, estamos vendo-a h� alguns segundos no passado. Se olhamos para o sol, estamos vendo-o h� oito minutos no passado. Ent�o, toda a informa��o que recebemos depende da viagem da luz at� n�s. Isso significa, que como o universo tem uma idade finita de 14 bilh�es de anos, s� podemos receber informa��o que tenha viajado na velocidade da luz durante esses 14 bilh�es de anos. Tudo o que est� al�m desta bolha de informa��o – como se fosse o nosso aqu�rio c�smico – n�o � acess�vel a n�s. E esses universos est�o al�m desses aqu�rios c�smicos. Ent�o, n�o podemos receber informa��es deles. E, se n�o podemos receber informa��es deles, n�o podemos comprovar se realmente existem. Ent�o, passam a ser uma hip�tese cient�fica que n�o pode ser comprovada e que representa um problema filos�fico supercomplicado. O que fazemos com esse tipo de hip�tese?
 
Dado o tamanho do universo, a quantidade de gal�xias e de planetas com caracter�sticas semelhantes �s da Terra, qual � a chance de a nossa civiliza��o detectar vida em outro planeta? � algo poss�vel ou est� no campo da fic��o, no sentido de que seja muito dif�cil de ser alcan�ado?
N�o est� no campo da fic��o. � poss�vel que os processos que ocorreram na terra h� quase 4 bilh�es de anos possam ter ocorrido, certamente, de formas diferentes, em outros planetas ou at� luas, mas deram origem a algum outro tipo de vida que n�o ser� igual ao nosso caso, mas que vai ser vida no sentido de ter metabolismo e a capacidade de reprodu��o. Certamente, � poss�vel. A vida deixa uma assinatura no planeta: transforma aos poucos a atmosfera do planeta. E, se for vida inteligente, pode transformar at� a superf�cie do planeta, com obras, cria��es, etc. Por exemplo, observando a Terra de longe, voc� poderia ver a Muralha da China com um bom telesc�pio. Ent�o, a presen�a da intelig�ncia transforma o planeta. Vemos isso no nosso planeta de forma bem negativa hoje em dia, com a ideia do antropoceno (esta nova �poca em que humanos substitu�ram a natureza como a for�a ambiental dominante na Terra) e de estarmos destruindo o nosso ecossistema. Mas a possibilidade existe e, se tivermos tecnologia suficiente para analisar a composi��o qu�mica de planetas bem distantes, tipo 10 mil, 20 mil, 100 mil anos-luz de dist�ncia, poder�amos, atrav�s da an�lise dos elementos qu�micos que est�o na atmosfera desses planetas, inferir a exist�ncia de vida. Tem muita gente fazendo isso, eu mesmo estou envolvido nesta �rea da astrobiologia, o estudo da vida na Terra e fora da Terra. Mas a quest�o mais interessante, para mim, n�o � apenas a exist�ncia de vida – que, com muita probabilidade, tende a ser mais simples, menos complexa. Mas � descobrir a vida multicelular, inteligente, que temos aqui na Terra. Seria, assim, absolutamente fascinante entender e identificar outras intelig�ncias capazes de pegar a mat�ria bruta do planeta e transform�-la num foguete ou num celular.

A comunidade cient�fica est� hoje sob ataque de movimentos negacionistas de extrema-direita e do fundamentalismo religioso. Quais s�o as motiva��es, em sua avalia��o, para o negacionismo?
� extremamente hip�crita criticar a ci�ncia segurando um iPhone. Se n�o tivesse carga enorme de conhecimento cient�fico acumulado em quatro s�culos, n�o haveria um iPhone. Por que isso acontece? Esses movimentos negacionistas querem provocar o caos na sociedade para que as pessoas se sintam mais fragilizadas, em conflito intelectual, para que, ent�o, os governos de direita, mais fortes, possam manipul�-las intelectualmente. Quanto mais criam d�vidas nas pessoas em rela��o ao conhecimento, mais as pessoas ficam confusas. Essa � uma t�tica que a Igreja usou durante mais de mil anos: enfraquecer a intelectualidade das pessoas para domin�-las. Os governos extremos, os governos fascistas fizeram isso na primeira metade do s�culo 20 na It�lia, na Espanha, na Alemanha. Temos ent�o um movimento pol�tico de fazer com que mais pessoas abracem a causa do governo forte, governo que imp�e de cima para baixo a disciplina. Isso aconteceu nos Estados Unidos e no Brasil, e estamos vendo nesta pandemia os efeitos terr�veis que essa propaganda causou na popula��o: estamos vendo as pessoas morrerem por falta de posicionamento desses governos, onde, n�o � toa, s�o registrados os maiores n�meros de mortes no mundo.

Como tem percebido a evolu��o do debate cient�fico sobre o aquecimento global e que condi��es temos hoje para um enfrentamento mais incisivo desse problema?
Estamos chegando a um momento de crise terr�vel, porque o aquecimento global afeta o planeta de formas diferentes. Por exemplo, vivemos um momento de pandemia. O degelo das calotas est� liberando uma s�rie de doen�as – v�rus e bact�rias – que est�o soterradas h� dezenas de milhares de anos e contra as quais n�o temos defesa. Ent�o, o aquecimento global tamb�m est� ligado ao aparecimento de pandemias, desequil�brio social, econ�mico, � possibilidade da migra��o de popula��es costeiras para o interior dos pa�ses. O problema � muito s�rio e � lament�vel que n�o seja o ponto mais fundamental de foco de todos os governos de nosso planeta neste momento. Infelizmente, n�o �, porque existem interesses econ�micos que dividem a opini�o pol�tica e p�blica, manipulada para ficar cada vez mais confusa. Quanto mais confus�o informacional for semeada na popula��o, mais fragilizada ela fica, mais indefesa ela fica e mais precisa daquela voz que vai falar: ‘Vamos gerar empregos para todos e esse neg�cio de aquecimento global vai acabar com os empregos’. Cientificamente, para a maioria devastadora da comunidade cient�fica, n�o h� a menor d�vida de que o aquecimento global est� ocorrendo j� e que � causado pela polui��o humana. N�o � o Sol que est� mais quente, � a atividade humana, a press�o que estamos causando sobre o meio ambiente que est� gerando o efeito do aquecimento global. E a �nica maneira de mudarmos isso � por meio de expans�o cada vez maior desta conversa, dessa maneira de falar sobre esta quest�o. As pessoas t�m de entender que cada um tem um papel a ser cumprido. Todos podem fazer diferen�a em rela��o ao aquecimento global. Como consumidor, cada pessoa tem o poder de deixar de comprar produtos de empresas que fazem mal ao meio ambiente. E quanto mais pessoas fizerem isso, mais essas empresas ser�o for�adas a mudar a forma como lidam com o meio ambiente. 

CONVERSAS SOBRE PERGUNTAS
• “Ci�ncia, espiritualidade e futuro” – Com Marcelo Gleiser
• Nesta ter�a-feira (18), �s 17h
• No YouTube da Casa Fiat de Cultura 


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