
Formada em 2017, em Dublin, a banda lan�ou no ano passado seu disco de estreia, Dogrel (Partisan Records), que conquistou p�blico e cr�tica. O trabalho figurou em listas de melhores do ano em publica��es especializadas, foi indicado a pr�mios importantes, como o Mercury, e levou o grupo a uma extensa turn� por Europa e Estados Unidos, incluindo passagens pelos principais festivais de m�sica do Hemisf�rio Norte.
Foi na estrada que o Fontaines D.C. come�ou a criar seu segundo disco de est�dio, A hero's death, lan�ado no �ltimo dia de julho passado, pela mesma Partisan Records.
“Muitas das ideias para o segundo �lbum nasceram entre um show e outro, j� que a gente entrou numa rotina de turn�”, diz o guitarrista Carlos O'Connell, em entrevista ao Estado de Minas via Zoom. “N�s tentamos, de certa forma, manter uma ponte entre os dois �lbuns, at� mesmo para a banda saber como trabalhar nesse segundo. Quando as m�sicas come�aram a ganhar corpo, avisamos � nossa gravadora que precisar�amos de alguns dias na semana para come�ar de fato a construir o disco'', conta.
Sempre que tinham uma folga na agenda de shows, Carlos, Grian Chatten (vocal), Conor Curley (guitarra), Conor Deegan III (baixo) e Tom Coll (bateria) desembarcavam em Dublin e iam direto para um apartamento alugado, com o prop�sito exclusivo de fazer m�sica.
“N�s precis�vamos disso para recarregar as energias. N�o poder�amos continuar fazendo os shows se n�o estiv�ssemos fazendo isso em paralelo”, afirma.
Para o guitarrista, compor m�sicas � um prop�sito de vida, principalmente ao lado dos colegas de banda. “Quando estamos todos juntos, algo m�gico acontece. Antes do primeiro disco, passamos alguns anos apenas escrevendo. Muitas dessas can��es infelizmente se perderam, porque n�o entraram em nenhum dos nossos trabalhos.”
Com o grupo baseado em Dublin naquela �poca, as can��es do primeiro disco se referem muito � capital da Irlanda. Em Big, por exemplo, m�sica que fez bastante sucesso antes da chegada de Dogrel, eles descrevem a cidade como uma “gr�vida de mente cat�lica”. Com os horizontes expandidos, A hero's death traz letras sobre temas universais, como o amor, a solid�o e a inadequa��o social.
Em Dogrel, Grian Chatten berra “Dublin” em v�rias faixas. No novo trabalho, apenas uma vez, em Televised mind. Mas as ra�zes continuam importantes para eles, que incorporaram a sigla da cidade (D.C. – Dublin City) ao pr�prio nome da banda.
A capa do novo �lbum carrega um grande significado relacionado � cidade: a escultura em bronze The death of C�chulainn, de Oliver Sheppard, fica exposta no pr�dio dos correios de Dublin e foi feita como uma homenagem aos 20 anos da Revolta da P�scoa (1916).
HERO�SMO A pe�a � um s�mbolo de patriotismo e orgulho irland�s e come�ou a ganhar forma em 1912, inspirada na obra de c�lebres escritores irlandeses, como W. B. Yeats, cuja poesia reverencia a mitologia celta. No poema The statues, Yeats aborda a Revolta da P�scoa e sustenta que o l�der da a��o, Patrick Pearse, teria invocado a presen�a de C�chulainn (o her�i que se sacrifica pelos seus) ao seu lado na batalha.
Chatten � grande f� de Yeats. O vocalista descobriu a literatura ainda crian�a, quando seu pai firmou com ele o trato de que s� lhe compraria figurinhas de futebol caso Chatten recitasse poemas. O h�bito levou-o a desenvolver uma forte conex�o com a escrita e a literatura.
Carlos conta que a rapidez com que a banda chegou ao segundo �lbum se deve, em parte, ao receio que os m�sicos t�m de, no futuro, n�o ter tempo para se concentrar na escrita dos discos.
“Temos medo de entrar numa fase da carreira em que ficaremos ocupados demais com turn�s. Isso inevitavelmente acontece com as bandas, ent�o decidimos focar em construir um novo trabalho o quanto antes.”
De certa forma, A hero's death promove exatamente o que seu t�tulo enuncia: a morte de um her�i. Quando estourou, a banda foi classificada como a salva��o do p�s-punk, por haver resgatado, de forma criativa, esse g�nero j� t�o explorado. Agora, as m�sicas dos Fontaines soam mais expandidas, menos classific�veis, mas, ainda assim, com qualidade inquestion�vel.
GARAGEM “Quando come�amos, �ramos obcecados com a m�sica de garagem dos anos 1960. Depois, fomos muito influenciados pelo punk, por isso muitas das m�sicas do primeiro disco s�o bastante diretas. Depois dessa fase, mergulhamos em m�sicas mais sombrias. Uma das nossas maiores influ�ncias para o novo disco foi a banda The Birthday Party”, conta Carlos.
Liderada por Nick Cave, a banda formada em 1977 durou at� 1983 e lan�ou tr�s discos de est�dio. Sua sonoridade pode ser classificada com r�tulos como g�tico, art punk e noise rock.
“Com o reconhecimento, fomos classificados como p�s-punk, mas at� hoje n�o sabemos o que isso significa, ainda que isso esteja a nosso favor”, diverte-se Carlos.
“Nunca escrevemos do ponto de vista de um g�nero, e isso � o que amo em nossa banda. N�s fazemos m�sica independentemente de estilo e g�nero. O segundo disco � diferente, e sab�amos que muita gente ficaria decepcionada. Mas, ao fazer isso, nos permitimos continuar a crescer como artistas e m�sicos. N�s estamos apenas tentando escrever com o cora��o.”
Mesmo assim, ainda � poss�vel etiquetar A hero's death como um disco p�s-punk, pelos riffs de guitarra e as linhas de baixo. Faixas como I don't belong, You said e Oh such a spring soam mais polidas, de fato, mas a melancolia e a introspec��o continuam l�.
Em outros momentos, como em Love is the main thing, A lucid dream e Living in America, a bateria de Tom Coll ganha um espa�o de destaque. Fren�tica, ela d� o ritmo de uma narrativa cheia de ang�stia, ainda que as letras possam at� provar o contr�rio.
� interessante tamb�m poder ouvir a voz de Grian Chatten de uma forma diferente, em can��es mais mel�dicas, como as derradeiras Sunny e No.
ROMANCE Mas h� espa�o para ir direto ao ponto, em I was not born, na j� citada Televised mind e na m�sica que d� nome ao disco, cuja letra soa como um recado da banda para si mesma, em frases como “N�o fique preso ao passado” e “Quando voc� falar, seja sincero/ Acredite em mim, amigo, todo mundo vai ouvir”.
Passando a quarentena na casa dos pais, na Espanha, Carlos O'Connell conta que cada membro da banda est� em um pa�s diferente na Europa. Ainda que separados, eles j� trabalham em novas can��es, mas n�o t�m planos de lan�ar material in�dito at� o fim do ano. “Um novo disco no ano que vem, quem sabe. Mas isso � uma ambi��o, n�o um plano”, diz.
Sobre uma poss�vel vinda da banda ao Brasil, ele afirma que isso depende mais dos produtores locais do que do pr�prio grupo.“� muito dif�cil planejar qualquer coisa agora. Anunciamos algumas datas por aqui, mas at� as datas dos Estados Unidos estamos segurando, porque � imposs�vel saber o que vai acontecer nos pr�ximos meses. Al�m disso, fazer uma turn� pela Am�rica do Sul � bastante caro. Ent�o, a gente depende de alguns fatores, como o convite de um grande festival. Mas ficamos na torcida para que um dia a gente possa tocar por a�.”
A HERO'S DEATH
Fontaines D.C.
Partisan Records
Dispon�vel nas plataformas digitais