Frederico Gandra*

"A gente est� lidando com muita agressividade, principalmente no ambiente virtual. Procuro fazer humor que seja minimamente construtivo e did�tico, pois as pessoas est�o muito intolerantes"
Ademara Barros jornalista, humorista e influenciadora digital
A cr�tica bem-humorada da pernambucana Ademara Barros, de 24 anos, “bombou” nas redes sociais. Mas ela pagou um alto pre�o por isso. O discurso feminista da influenciadora digital foi alvo de hackers, que, em agosto, atacaram os perfis Ademaravilha no Twitter e no Instagram. Se o objetivo dos criminosos era calar a mo�a, deu errado.
A agress�o chamou a aten��o sobre ela, que ganhou ainda mais f�s. Hoje, 277 mil pessoas a acompanham na internet, divertindo-se com suas cria��es, como o Esquerdomacho e Laura Temporini, a “rep�rter sudestina”.
TABLADO
Jornalista com experi�ncia de 10 anos em teatro, Ademara trocou o Recife pelo Rio de Janeiro em 2019, em busca de oportunidades profissionais. Fez aulas no Tablado com o humorista Fernando Caruso, experi�ncia que a ajudou a montar as esquetes nas redes sociais.
“Fui acostumada a lidar com v�rias nuances do comportamento humano por meio do jornalismo. No teatro, passei a entender melhor a constru��o dos personagens. Uma coisa colabora muito com a outra”, conta Ademara.
O isolamento social foi outro parceiro. Em abril, ela come�ou a publicar esquetes de humor nas redes sociais. “Estava acostumada a fazer v�deos em particular para os amigos. Sempre enviava algumas besteirinhas pra eles. Um sugeriu que fizesse aquilo como brincadeira de quarentena”, relembra. Foi assim que surgiu Ademaravilha. A “estreia” foi o v�deo em que Ademara imitava o meme de uma garota reclamando do Enem. Em um �nico dia, ganhou 30 mil curtidas. Decidiu apostar para valer no Twitter, Instagram e Tik Tok.

COTIDIANO
Quando alcan�ou 10 mil seguidores, Ademara diversificou os temas que abordava. E criou personagens baseadas nas contradi��es do cotidiano. “S�o quest�es que estamos habituados a viver, mas n�o falamos t�o confortavelmente sobre elas”, diz. Divertida, Ademara faz cr�ticas bem colocadas “de uma maneira super problematizadora”, nas palavras dela.
A personagem Intercambista de Dublin, por exemplo, ironiza estudantes de classe m�dia que voltam de temporadas no exterior e n�o superam a “s�ndrome do regresso”. “Tentei ser minimamente cr�tica em rela��o � postura de achar que quando voc� volta de viagem, o lugar n�o mudou, s� voc� mudou”, comenta Ademara.
A repercuss�o foi enorme. Inicialmente, o p�blico de Ademara se concentrava em Pernambuco, mas personagens como a Intercambista chamaram a aten��o de internautas de outros estados e tamb�m do exterior.
“O v�deo foi compartilhado por muitas p�ginas. Teve amigo meu que mora na Irlanda falando que tinha gente em Dublin me imitando”, conta a humorista.
Outro sucesso � o Esquerdomacho, “incorporado” pela atriz com a ajuda de barba posti�a, �culos e cigarro. O “falso aliado” do feminismo viralizou nas redes sociais. “� aquele homem que se coloca como desconstru�do, simp�tico, mas reproduz todas as estruturas de machismo e opress�o”, diz ela. P�ginas como M�dia Ninja compartilharam o conte�do, levando o perfil da humorista no Twitter a bater 30 mil seguidores.

SUDESTINA
O preconceito enfrentado pelos nordestinos � o mote da rep�rter Laura Temporini,a “sudestina”. Com sotaque tipicamente paulistano, a personagem reproduz bord�es t�picos de jornalistas do Sudeste em coberturas no Nordeste.
“Sempre se referem ao nordestino como se fosse uma parcela diferente da popula��o”, diz Ademara. De acordo com ela, os “sudestinos” ignoram a diversidade do Nordeste, que re�ne nove estados com caracter�sticas pr�prias, diferentes entre si.
Laura Temporini surgiu de um stand up que Ademara planejou, com a ideia de abordar sua experi�ncia no Rio de Janeiro e relatar preconceitos enfrentados por ela no ambiente profissional. Devido � quarentena, com a suspens�o da agenda cultural e fechamento de espa�os culturais, a humorista decidiu criar a personagem.
Ademara diz ter a obriga��o de reafirmar a pluralidade do Nordeste. “Nunca usei o termo nordestino em nenhum v�deo, pois n�o tenho propriedade para falar sobre uma regi�o de nove estados – eu mesma n�o conhe�o todos eles. N�o � porque vim de Pernambuco que sou exatamente a mesma coisa dos outros oito estados”, ressalta.
A aposta de Ademara deu certo, agora ela fala para o Brasil. S�o Paulo, Rio de Janeiro e Bras�lia s�o as cidades onde h� mais seguidores da humorista, depois do Recife.
A artista atribui seu sucesso aos cuidados que adota na cria��o do conte�do. “N�o queria fazer qualquer coisa. Fa�o pesquisa sobre o personagem, elaboro um textinho legal, h� todo um cuidado para construir conte�do interessante. Foi por isso que meus v�deos viralizaram t�o bem”, analisa.
A repercuss�o das esquetes feministas e posicionamentos enf�ticos de Ademara atra�ram os haters, internautas que se dedicam a perseguir autores de conte�dos aos quais se op�em.
“A maioria s�o homens que n�o concordam com as constru��es que fa�o”, comenta Ademara. Xingamentos como “feminista de merda” e coment�rios incitando a xenofobia e o preconceito em rela��o aos nordestinos se multiplicaram na timeline da artista.
Ademara Barros acredita que fazer humor no Brasil, hoje em dia, � uma forma de resist�ncia. “A gente est� lidando com muita agressividade, principalmente no ambiente virtual. Procuro fazer humor que seja minimamente construtivo e did�tico, pois as pessoas est�o muito intolerantes ao que � diferente.”
SENHA
Segundo ela, o aumento de sua visibilidade potencializou as agress�es. O auge dos ataques ocorreu em 21 de agosto, quando perfis dela no Twitter e Instagram foram hackeados. “Cometi o grande de erro de ter a mesma senha para as duas redes, coisa de algu�m que estava come�ando e ainda n�o entendia os perigos de produzir nesse ambiente virtual. Provavelmente, descobriram a minha senha”, comenta.
Os hackers passaram a excluir e alterar conte�dos postados por Ademara. Por causa disso, o perfil @ademaravilha perdeu cerca de 5 mil seguidores no Twitter. A primeira rea��o dela foi gravar um v�deo revelando o problema e pedir a amigos que o divulgassem. “Isso teve uma repercuss�o que eu n�o imaginaria nem nos meus mais belos sonhos”, comemora.
Intensamente compartilhada por f�s, artistas (como o humorista Greg�rio Duvivier) e p�ginas de renome (como M�dia Ninja e The Intercept Brasil), a mensagem de Ademara viralizou. “S�o pessoas que realmente admiro muito legitimando o meu trabalho. Foi surpreendente”, comenta.
Ademara fez contato com as plataformas digitais e acionou a pol�cia. Recuperou as contas, mas lamenta a perda dos v�deos publicados no Instagram.
“Por outro lado, quando voltei, o mundo inteiro j� sabia o que estava acontecendo, inclusive quem n�o me conhecia antes.” Menos de um dia ap�s esse retorno, ela conquistou 14 mil seguidores no Twitter, quase o triplo do que havia perdido. Atualmente, eles somam 88 mil. No Instagram, ela tem 134 mil seguidores.

Contrato fechado com est�dio de Felipe Neto
Ademara Barros fechou contrato com a Play9, que tem o youtuber Felipe Neto como s�cio. O est�dio, especializado no desenvolvimento de projetos digitais e audiovisuais, vai potencializar a transmiss�o das mensagens da humorista e auxili�-la a ser compensada financeiramente por seu trabalho.
“� uma parceria mesmo, n�o sou funcion�ria deles. � um contrato de apoiador”, explica Ademara. Gustavo Serra, head de conte�do da Play 9, diz que o diferencial � o car�ter autoral do trabalho. “Ademara consegue fazer um humor sofisticado, �cido, com linguagem e abordagem extremamente simples e populares”, ressalta.
TEMPORINI
Atualmente, o portf�lio da produtora conta com F�tima Bernardes, Rafa Kalimann e Gabriela Prioli. O interesse da Play9 pela pernambucana surgiu logo depois da repercuss�o da personagem Laura Temporini.
Em 21 de agosto, a parceria foi firmada. Cerca de uma hora depois, os perfis @ademaravilha foram hackeados. “Eles (da Play9) me ajudaram muito no processo de recupera��o das contas”, agradece a pernambucana.
Ademara j� tem roteiros para a Play9, mas diz que ainda n�o pode revelar o conte�do deles. A partir de agora, planeja se concentrar nas produ��es digitais. Como tem de conciliar as atividades de influenciadora e jornalista, ela grava apenas um v�deo por semana.
“Sempre foi muito dif�cil atender � �nsia do p�blico por novos v�deos, pois as pessoas querem rir na quarentena”, comenta. Essa produtividade n�o lhe permitiu crescimento exponencial no Tik Tok, plataforma famosa pelo grande volume de conte�do e r�pida circula��o de v�deos.
“Pessoas que t�m 100 mil, 300 mil seguidores no Tik Tok publicam v�rios v�deos por dia. Eu tamb�m trabalho como jornalista aqui no Rio de Janeiro. Ent�o, n�o consigo fazer isso”, explica.
A partir de agora, Ademara vai se organizar para aumentar sua produ��o. Diz que pretende se manter financeiramente como atriz e produtora de conte�do. “Nesses 10 anos de estudo de teatro, nunca consegui me dedicar integralmente a ele, pois o jornalismo pagava minhas contas. Agora, entendo a pot�ncia da internet para levar entretenimento para as pessoas e pretendo me direcionar a isso.” Mas ela continua rep�rter. “Quando a gente � jornalista, n�o tem como deixar de ser. Vira um tra�o da sua personalidade mesmo”, conclui.
* Estagi�rio sob supervis�o da editora-assistente �ngela Faria
NA REDE
Ademara Barros veicula seu trabalho no Instagram, Tik Tok e Twitter. Informa��es: @ademaravilha