
“As institui��es culturais s�o muito fr�geis no Brasil. O que ocorreu com o Museu Nacional (destru�do ap�s inc�ndio em setembro de 2018, no Rio de Janeiro) � o maior exemplo disso. O poder p�blico n�o cuida do patrim�nio, e a Cinemateca � a bola da vez”, afirma Carlos Augusto Calil. Ex-diretor da institui��o (1987-1992), foi Calil quem iniciou a transfer�ncia da Cinemateca para sua atual sede, na Vila Clementino, no local que abrigava o Matadouro Municipal de S�o Paulo.
O professor e cr�tico de cinema participa do debate ao lado da preservadora audiovisual D�bora Butruce e de Fabiana Ferreira, do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram). O estado de abandono da Cinemateca se tornou p�blico quando uma carta aberta, com um pedido de socorro, foi divulgada em maio. O documento denunciava que at� aquele momento, a institui��o n�o havia recebido nenhuma parcela de seu or�amento anual (R$ 12 milh�es).
REGINA DUARTE
Dias mais tarde, o caso ganhou ainda mais vulto com o an�ncio pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de que Regina Duarte, ent�o sa�da da Secretaria Especial da Cultura, assumiria a Cinemateca. O que n�o se concretizou. Tr�s meses e meio mais tarde, s� h� uma pergunta a ser feita: como salvar a institui��o?
“Hoje, a Cinemateca est� sendo mantida com ‘aparelhos’. O governo federal fez contrata��es urgentes para sua manuten��o. At� onde sei, h� seguran�as, brigadistas e pessoas para cuidar do ar condicionado. Mas ela est� fechada, sem nenhum funcion�rio dentro, s� estes prestadores de servi�os”, afirma Calil.
No in�cio de agosto, a Cinemateca voltou a ser controlada pela Uni�o. Tamb�m no m�s passado o Minist�rio do Turismo viabilizou contratos emergenciais, no valor de R$ 3,9 milh�es, voltados, basicamente, para a manuten��o do espa�o.
Seu acervo re�ne informa��es de 42 mil t�tulos, produzidos desde 1897 at� a atualidade (longas-metragens, m�dias, curtas, cinejornais, filmes publicit�rios, institucionais ou dom�sticos e s�ries). Est�o armazenados na Cinemateca 250 mil rolos de filmes. H� ainda 1 milh�o de documentos, cartazes, fotografias. Est� sob a salvaguarda da Cinemateca a produ��o do Cinema Novo, de nomes pioneiros do cinema nacional, como M�rio Peixoto e Humberto Mauro, das chanchadas de Oscarito, Z� Trindade e Grande Otelo.
O perigo maior da atual situa��o, de acordo com Calil, est� no dep�sito de filmes inflam�veis. Todos os rolos de filmes da produ��o at� 1951 s�o de nitrato de celulose. “Eles s�o altos combust�veis, continuam queimando at� embaixo d’�gua. Como evitar isto? Com uma revis�o permanente por equipes especializadas. O inc�ndio de 2016 ocorreu porque o governo federal n�o tinha contratado funcion�rios para a revis�o do material. Em fevereiro daquele ano estava muito quente e uma s� lata pegou fogo em tudo. Mil rolos de filmes se perderam ali.”
A despeito da situa��o de extrema precariedade, Calil se diz impressionado com a mobiliza��o que a crise do espa�o suscitou. “Nunca tinha visto isto. Mobilizou desde a C�mara de Vereadores de S�o Paulo, a C�mara Federal, at� associa��o de bairro”, ele diz.
Est� previsto pelo Minist�rio do Turismo um novo chamamento p�blico para a sele��o de uma organiza��o social (OS) para administrar a institui��o. Desde 2018 a Cinemateca era administrada pela Associa��o de Comunica��o Educativa Roquette Pinto. Inicialmente, o contrato da Acerp, resultado de uma parceria entre o (extinto) Minist�rio da Cultura e o Minist�rio da Educa��o, previa que ela ficaria � frente da institui��o at� 2021.
S� que, em dezembro passado, o ent�o ministro da Educa��o Abraham Weintraub encerrou o contrato da Acerp, que tamb�m gerenciava a TV Escola. “N�o sab�amos que o Minist�rio da Cultura tinha pegado carona em um contrato do MEC atrav�s de um adendo. Como o contrato principal da Acerp (com o MEC) caiu, o secund�rio tamb�m caiu, ficou sem cobertura jur�dica.”
Sem contrato com a Uni�o, a Acerp demitiu, em meados de agosto, todos os 40 funcion�rios, respons�veis pelas �reas de preserva��o, documenta��o, difus�o, atendimento, administra��o e tecnologia da informa��o.
Neste meio tempo, houve um iniciativa da C�mara de Vereadores de S�o Paulo em prol da Cinemateca. “Vereadores ofereceram emendas parlamentares a que t�m direito, mas a proposta s� pode ser aplicada se o governo federal aceitar, porque � um �rg�o p�blico. O dinheiro, origin�rio da C�mara de S�o Paulo, seria destinado para abrir a Cinemateca por tr�s meses. Este � o tempo que se acredita ser necess�rio para a contrata��o de outra OS para gerir a institui��o. Seria uma esp�cie de transi��o”, explica Calil.
Na opini�o dele, o trabalho realizado na Cinemateca tem que ser retomado, “mesmo que provisoriamente, atrav�s desta parceria simp�tica entre o poder p�blico municipal e federal”. Ele acredita que at� o fim do ano uma situa��o menos prec�ria esteja estabelecida.
“Esta situa��o tem que ser s�lida, mas isto vai depender muito da escolha da organiza��o social que administrar� a Cinemateca. O chamamento p�blico pode ser bom ou ruim. A Acerp foi um desastre, n�o entendia nada da Cinemateca e a rebaixou a um n�vel que n�o conhe�o igual. A institui��o ficou praticamente sem visibilidade durante dois anos.”
FUNDA��O
Um sonho obstinado do cr�tico Paulo Em�lio Sales Gomes (1916-1977), a Cinemateca foi fundada com o apoio de um grupo de intelectuais nos anos 1950. Foi uma institui��o privada at� 1984, quando foi incorporada ao governo federal. Integrou o corpo do Instituto do Patrim�nio Hist�rico e Art�stico Nacional (IPHAN) at� 2003, quando passou ao organograma da Secretaria do Audiovisual do Minist�rio da Cultura.
“O grupo que fez a doa��o da Cinemateca estabeleceu cl�usulas, entre elas a da administra��o compartilhada. Ela tem um conselho com representantes do poder p�blico. Mas a predomin�ncia do conselho � da sociedade civil, cineastas, intelectuais, e s�o eles que determinam as diretrizes”, afirma Calil.
S� que este conselho n�o est� atuante no momento. “A autonomia da Cinemateca � a principal quest�o a ser conquistada. Ela n�o pode ser ignorada pela autoridade de plant�o. A nossa esperan�a, quando o conselho for restabelecido, � que ela possa recuperar seu status. A Cinemateca Brasileira j� esteve entre as cinco mais importantes do mundo. Foi um modelo em termos de institui��o p�blica no Brasil. Decaiu muito e muito rapidamente”, lamenta Calil.
APOIO DE CANNES
Presente no Festival de Cinema de Veneza, o diretor do Festival de Cannes, o franc�s Thierry Fr�maux, deixou uma mensagem de solidariedade � Cinemateca Brasileira e questionou a atual pol�tica do governo do presidente Jair Bolsonaro. “Quero expressar meu apoio � Cinemateca Brasileira, amea�ada pelo atual governo”, disse ele em entrevista coletiva com seus pares, diretores dos sete maiores festivais de cinema da Europa, no s�bado (5). (AFP)
INSTITUI��ES DE PATRIM�NIO EM RISCO: CASO CINEMATECA BRASILEIRA
>> Debate nesta segunda (7), �s 16h, na programa��o da CineOP (cineop.com.br). Com Carlos Augusto Calil, ex-diretor executivo da Cinemateca Brasileira, D�bora Butruce, preservadora audiovisual, e Fabiana Ferreira, do Instituto Brasileiro de Museus. Media��o de Elo� Chouzal.
ENTENDA A CRISE DA CINEMATECA
2013
Com Marta Suplicy � frente do Minist�rio da Cultura, a Cinemateca passa por auditoria e v� a suspens�o no repasse de verbas federais para a entidade, o que causa a demiss�o de 43% do corpo de funcion�rios. O Conselho Consultivo da Cinemateca � desmontado.
2016
Em 3 de fevereiro ocorre o quarto inc�ndio da hist�ria da institui��o. Perderam-se 1.003 rolos de filmes, referentes a 731 t�tulos.
2018
A Cinemateca passa a ser administrada integralmente pela Associa��o de Comunica��o Educativa Roquette Pinto (Acerp), uma organiza��o social vinculada ao Minist�rio da Educa��o. O contrato de gest�o, parceria entre o MinC e o MEC, seria inicialmente de tr�s anos.
2019
Em dezembro, o contrato da Acerp n�o � renovado.
Maio de 2020
� publicada carta p�blica que denuncia que, at� aquele momento, a Acerp n�o havia recebido um centavo dos R$ 12 milh�es de seu or�amento anual. � anunciada a sa�da de Regina Duarte do cargo de secret�ria especial de Cultura e seu nome � indicado por Jair Bolsonaro para assumir a Cinemateca.
Julho de 2020
O Minist�rio P�blico Federal de S�o Paulo (MPF-SP) entra com a��o contra a Uni�o em decorr�ncia do abandono da Cinemateca. Pede, em car�ter de urg�ncia, a renova��o do contrato da Acerp.
Agosto de 2020
A Justi�a nega o pedido do MPF e a Cinemateca volta para a Uni�o. A Secretaria da Cultura exige que a Acerp “entregue as chaves” da Cinemateca ao governo federal. Acompanhado da Pol�cia Federal, o secret�rio nacional do audiovisual substituto, H�lio Ferraz de Oliveira, vai no dia 7 realizar vistoria t�cnica. A visita resulta na informa��o de que contratos emergenciais est�o sendo executados para preserva��o do espa�o e de que haver� a abertura de um edital para que uma nova OS passe a administrar a Cinemateca. Os 41 funcion�rios contratados pela Acerp s�o demitidos.
