A atriz Mel Lisboa e o ator Marcello Airoldi em cena

Hist�ria de f� de um autor consagrado que passa a tortur�-lo por discordar do desfecho de uma personagem foi levada ao cinema com o t�tulo em portugu�s "Louca obsess�o"; montagem brasileira d� outro enfoque para o papel da enfermeira Annie Wilkes (Mel Lisboa)

Leekyung Kim / divulga��o

Lan�ado em 1987, o livro “Misery”, de Stephen King, ganhou, ao longo dos anos, in�meras adapta��es. A mais conhecida � a escrita por William Goldman, que embasou tanto uma montagem teatral na Broadway quanto o filme dirigido por Rob Reiner em 1990, que no Brasil ganhou o t�tulo “Louca obsess�o” e rendeu o Oscar de melhor atriz a Kathy Bates.

� tamb�m a partir desse texto que se erige o espet�culo estrelado por Mel Lisboa, Marcello Airoldi e Alexandre Galindo, com dire��o de Eric Lenate. A montagem tem sess�es em Belo Horizonte neste fim de semana, no Cine Theatro Brasil Vallourec. “Misery” estreou no ano passado, em S�o Paulo, e j� esteve em cartaz tamb�m no Rio de Janeiro, tendo sido visto por mais de 25 mil pessoas, segundo a produ��o.

A pe�a conta a hist�ria de Paul Sheldon (Airoldi), um famoso escritor reconhecido pela s�rie de best-sellers protagonizada pela personagem Misery Chastain. Ap�s sofrer um grave acidente de carro, Paul � resgatado pela enfermeira Annie Wilkes (Mel Lisboa), leitora voraz de sua obra. Autointitulada a principal f� do autor, ela se revolta com o desfecho tr�gico da personagem Misery, descoberto em um manuscrito de Sheldon, e o submete a uma s�rie de torturas e amea�as.

Convidado pelos produtores Bruna Dornellas e Wesley Telles a integrar o elenco, Airoldi conta que assistiu ao filme dirigido por Reiner nos anos 1990 e que, desde ent�o, � f� da hist�ria. “Na �poca, um colega chegou a propor fazermos uma adapta��o para o teatro, que acabou n�o indo adiante. Quando o Wesley me ligou e, depois, o Lenate explicou o conceito, exp�s as ideias que tinha, achei o convite irrecus�vel”, diz.
 
 
Ele pontua esse “irrecus�vel” com um “apesar do desafio”. O fato de ser baseado em um livro extremamente popular, ter sido encenado em 10 pa�ses e ter gerado um filme tamb�m de grande alcance de p�blico s�o alguns dos fatores que explicam esse desafio que o espet�culo representa, segundo o ator. Airoldi destaca outro aspecto: trata-se de uma pe�a pertencente a um g�nero pouco explorado no teatro brasileiro.

“Stephen King est� sempre associado a 'Carrie, a estranha' ou 'O iluminado'. � uma pe�a de mist�rio, o que eu nunca tinha feito. A gente tem pausas no espet�culo, tempos que s�o necess�rios para compor o clima de suspense, ou seja, ele tem um ritmo muito pr�prio. O que numa outra montagem seria a 'barriga', uma coisa arrastada, nesta � justamente o que faz a plateia se agarrar na cadeira enquanto assiste”, diz.

"� sempre complicado pegar pela frente uma personagem que, para muita gente, est� ligada a outra atriz, que fez hist�ria no cinema, tendo conquistado um Oscar por esse papel. Mas adoro encarar um desafio. Esse lugar de 'eu n�o sei se vou conseguir' � o que mais me leva a querer fazer"

Mel Lisboa, atriz


Atmosfera 

Para Eric Lenate, incursionar por um g�nero que n�o encontra muitos par�metros locais � um desafio, mas tamb�m um prazer. “Muito da constru��o da atmosfera de suspense reside, entre outras coisas, no poder de controlar o tempo e o ritmo dos acontecimentos, os gestos, as falas, os intervalos silenciosos. Ver o elenco extraordin�rio que temos manipulando esses ingredientes e deixando o p�blico com os nervos � flor da pele � um prazer inebriante”, afirma o diretor.

“Misery” teve duas outras montagens nacionais para o teatro: a primeira, de 1994, chamava-se “Obsess�o”, foi dirigida por Eric Nielsen e tinha como casal protagonista D�bora Duarte e Edwin Luisi. Em 2005 foi a vez de Marisa Orth e Lu�s Gustavo assumirem os pap�is, sob dire��o do espanhol Ricard Reguant. 

“Marisa Orth, que foi ver nossa montagem na primeira temporada, conta que o texto que ela encenou era completamente diferente. N�o era o do William Goldman, que foi para a Broadway e para o cinema. Foram outras vers�es, com outros aspectos da obra de Stephen King transformados em pe�a. O texto que estamos apresentando � muito bem escrito e muito bem traduzido, porque os tradutores, Claudia Souto e Wendell Bendelack, s�o tamb�m atores”, comenta.

Lenate diz n�o ter assistido a nenhuma das outras montagens, mas considera que a encena��o que o p�blico de Belo Horizonte poder� ver no fim de semana traz uma caracter�stica interessante, que � propor uma primeira impress�o diferenciada da personagem vivida por Mel Lisboa. “Vimos que o texto permitia que tamb�m propus�ssemos, entre tantas outras poss�veis abordagens, uma Annie Wilker que n�o fosse, � primeira vista, sombria, amea�adora”, aponta.

Ele diz que essa nova vers�o de “Misery” equilibra as responsabilidades entre o famoso escritor e a admiradora que o mant�m cativo. “Paul Sheldon � respons�vel tamb�m por movimentar, al�m de amor, admira��o e devo��o, coisas muito ruins em Annie e na hist�ria que se desenrola e descarrila entre os dois. N�s nos permitimos seguir por esse caminho de constru��o. N�o quer�amos que Annie fosse de novo a cr�nica de uma desequilibrada anunciada. O desequil�brio pode acontecer na fric��o entre ela e Paul Sheldon”, destaca.

Ambiguidade 

Mel Lisboa tamb�m acredita que o principal tra�o distintivo da montagem que estrela seja a forma como sua personagem � trabalhada. Ela observa que a Annie Wilker que interpreta transmite ao espectador uma sensa��o de ambiguidade, capaz de despertar empatia e mesmo simpatia, al�m de temor e apreens�o. “Acho que essa vers�o, com essa vis�o do Lenate para o espet�culo, tira um pouco esse estere�tipo da mulher mal-amada, louca, obcecada, psic�tica, e traz um bocado mais de humanidade para ela”, afirma.

Trata-se, conforme aponta, de uma personagem mais solar, com al�vios c�micos, o que pode gerar no p�blico uma experi�ncia de tensionamento e distensionamento. Ela diz que trabalhar essa din�mica � um dos desafios de sua interpreta��o. “Manter a coer�ncia entre essa Annie que pode ser divertida, pode ser simp�tica, mas que tamb�m acaba agindo de uma maneira intempestiva, fazendo coisas que voc� n�o acredita, com oscila��es de humor muito radicais, � a grande dificuldade do papel”, ressalta.

A personagem que entra em cena completamente desesperada, chorando, gritando de �dio, � a mesma que entra na cena seguinte doce, disposta a ajudar, pedindo desculpas, de acordo com a atriz. Ela considera que este seja o desafio interno, que diz respeito � sua interpreta��o, e que ele se soma a um elemento externo, que � o fato de Annie Wilker ter ficado muito marcada pela atua��o “brilhante” de Kathy Bates no cinema.

“� sempre complicado pegar pela frente uma personagem que, para muita gente, est� ligada a outra atriz, que fez hist�ria no cinema, tendo conquistado um Oscar por esse papel. Mas adoro encarar um desafio. Esse lugar de 'eu n�o sei se vou conseguir' � o que mais me leva a querer fazer”, ressalta. Ela n�o nega que o filme tenha servido, em alguma medida, de refer�ncia para a montagem.

"Acho que essa vers�o, com essa vis�o do (diretor Eric) Lenate para o espet�culo, tira um pouco esse estere�tipo da mulher mal-amada, louca, obcecada, psic�tica, e traz um bocado mais de humanidade para ela"

Mel Lisboa, atriz


Refer�ncia 

“Somos feitos do que nossas experi�ncias, viv�ncias e bagagens nos trazem. A gente n�o cria nada; a gente faz a partir daquilo que foi experienciado. Aquilo a que assistimos, o que vivemos, o que lemos e mesmo dados de outros trabalhos nossos, tudo isso � o que molda o que levamos para a cena. Mas a gente n�o fez nem pensando em se distanciar e nem tentando copiar o filme. A refer�ncia est� ali, mas como uma coisa que a gente traz na bagagem”, ressalta.

Lenate, por sua vez, tem uma outra vis�o sobre como a pe�a � atravessada pelo filme. Ele diz que “Louca obsess�o” serviu como um “anti-modelo”, sobretudo no que diz respeito � personagem de Mel Lisboa. “Kathy Bates apresenta um desempenho memor�vel em sua constru��o de Annie Wilkes, mas percebemos que poder�amos revelar outras nuances e matizes dessa personagem t�o bela, intensa e contradit�ria, que talvez n�o tenham sido poss�veis de serem reveladas em 1990, justamente pela condu��o da dire��o do filme como um todo”, diz.

Airoldi tamb�m n�o hesita em apontar o que entende como principal desafio de sua atua��o: diz respeito � condi��o de seu personagem, que durante toda a trama praticamente n�o sai da cama ou da cadeira de rodas. “A expressividade que a gente tem com o corpo quando faz uma pe�a, a possibilidade do gestual, das a��es f�sicas, tudo isso teve que se desenvolver de uma forma m�nima”, explica.

Ele diz que � uma postura c�nica oposta � da personagem vivida por sua parceira no palco, que � expansiva. “A Annie Wilkes dela � uma mulher brilhante, que tem luz, diferente da que Kathy Bates fez no cinema. E ela vai se transformando com muita nitidez ao longo do espet�culo; n�o para de andar, canta, tem um gestual que � exatamente o contr�rio da limita��o do meu personagem, um homem rico, poderoso, sedutor, que, de repente, est� � merc� dessa mulher”, ressalta.

O ator destaca a trilha sonora e as proje��es que mostram, pelas janelas, o mundo externo � casa onde a a��o se passa. “A ilumina��o, com toda a sutileza de claros e escuros, e a trilha sonora realmente ajudam n�o s� a n�s, atores, a contar melhor a hist�ria, mas tamb�m contribuem com a composi��o geral do espet�culo, o que envolve o p�blico. S�o elementos que fazem com que as pessoas se entreguem �s sensa��es”, pontua.

Mel Lisboa diz que, apesar de ter estreado ainda sob a sombra da pandemia, a montagem tem cumprido uma trajet�ria de muito �xito. Ela diz que a necessidade de distanciamento entre os espectadores, do uso de m�scaras e da apresenta��o da carteira de vacina��o, al�m da limita��o no que diz respeito � ocupa��o dos teatros, fizeram com que “Misery” demorasse um pouco a engrenar.

“Quando fomos para o Rio de Janeiro, a situa��o j� estava come�ando a melhorar, e a nova temporada em S�o Paulo consagrou definitivamente o espet�culo. Foi uma temporada muito feliz, de tr�s meses, em um teatro de quase 700 lugares, lotado. Isso tem a ver com o sucesso das temporadas anteriores. Por causa da pandemia, talvez a gente tivesse outra percep��o, mas, com essa �ltima temporada, tivemos a confirma��o do �xito do projeto”, diz.


“MISERY”
Adapta��o da obra de Stephen King. Dire��o: Eric Lenate. Com Mel Lisboa, Marcello Airoldi e Alexandre Galindo. No pr�ximo s�bado (5/8), �s 20h, e domingo (6/8), �s 19h, no Cine Theatro Brasil Vallourec (Av. Amazonas, 315, Centro, 31.3270-8100). Ingressos para a plateia 1 a R$ 100 (inteira) e R$ 50 (meia); para a plateia 2 a R$ 50 (inteira) e R$ 25 (meia), � venda no site Eventim