Fernanda Gomes*

"Primeiro veio a musicalidade e, em termos de escrita, j� vinha refletindo sobre os escravos que fugiam e como que isso � uma mostra de resist�ncia, porque quebra essa coisa da passividade (dos escravizados)"
Tamara Franklin, cantora e compositora
Depois de cinco anos de planejamento, a cantora e compositora Tamara Franklin, de 29 anos, lan�a Fugio – Rotas de fuga pro aquilombamento, segundo �lbum da carreira. “Fugio surgiu do meu primeiro contato, bem tardiamente, com o reinado de Nossa Senhora do Ros�rio, que � algo t�o nosso, t�o mineiro. Eu amei o ritmo que ouvi (durante uma prociss�o) e tive vontade de misturar (com o rap)”, conta Tamara sobre o disco.
“Primeiro veio a musicalidade e, em termos de escrita, j� vinha refletindo sobre os escravos que fugiam e como que isso � uma mostra de resist�ncia, porque quebra essa coisa da passividade (dos escravizados). E isso � t�o pouco falado”, ressalta a cantora. O nome Fugio faz refer�ncia aos an�ncios publicados em jornais do s�culo 19 e que comunicavam a fuga de um escravo.
Neles, os negros eram descritos com base nas caracter�sticas f�sicas ou marcas causadas pelos senhores de escravos. E era oferecida uma recompensa para quem os recuperasse. “Tinha visto um livro no qual tinha um monte desses recortes de jornais. N�s mudamos o cen�rio, mas temos a coisa da popula��o negra continuar tendo que batalhar, sofrendo com resqu�cios da escravid�o. Continuamos tendo que fugir”, explica Tamara.
Ela conta que o �lbum estava previsto para ser lan�ado em mar�o, mas teve que ser adiado devido ao isolamento social. “Foi bem frustrante: Caramba, cinco anos trabalhando no neg�cio e agora n�o vai dar”. Os shows e eventos de lan�amento, que foram planejados, tamb�m tiveram que ser cancelados.
“O tempo foi passando e a gente entendeu que estava na hora (de fazer o lan�amento). O disco fala muito de cura. Cura da minha autoestima, da minha espiritualidade e da minha pr�pria vis�o pessoal. N�o tinha melhor momento do que este para lan�ar”, revela. O �lbum foi lan�ado em 25 de agosto, m�s que come�a a concentrar muitas das festividades ligadas ao congado em Minas Gerais. E � considerado, pelos devotos do candombl�, o m�s de Obaluai�, orix� da cura. “Foram coincid�ncias bem felizes,” diz Tamara.
A cantora tamb�m cita as manifesta��es on-line e presenciais que ocorreram no mundo durante esse per�odo de isolamento social contra o preconceito e a discrimina��o racial. “O trampo (o disco) tem vida pr�pria e parece que ele escolheu quando vir � vida. Isso (os movimentos) � muito importante para entender que n�o sou s� eu que estou nessa pegada.”
Para ela, justamente na quarentena, o mundo inteiro est� se levantando e come�ando a entender que � importante falar sobre quest�es raciais. “Era o momento do Fugio mesmo, estamos avan�ando nesse lugar”, comemora Tamara. Ela ressalta a import�ncia de a popula��o negra mineira valorizar a cultura do estado. “Tem algo que � muito preto em Minas, muito forte do congado. A cultura preta de Minas est� mais forte que nunca e est� todo mundo se levantando, botando banca e segurando a onda nesse lugar.”
Tamara revela que o processo de produ��o do disco desencadeou uma cura interior nela pr�pria. “Aprendi a gostar de tudo que fiz depois de Fugio. Tinha muitas quest�es comigo mesma, por diversos motivos. Todas as letras (do �lbum) v�o falar de rotas de fuga que eu tomei para fugir de coisas que me incomodavam. E que estavam diretamente ou indiretamente ligadas ao preconceito racial.”
Entre as m�sicas do �lbum, a cantora destaca tr�s, que s�o as mais marcantes para ela. A primeira, que d� nome ao disco, fala sobre a import�ncia de se reconhecer e se aceitar. “Fala tamb�m da necessidade de nos enxergarmos como uma comunidade e da import�ncia de a gente defender nossas pr�prias filosofias.”
Pekena, a segunda faixa destacada por Tamara, foi composta em homenagem � irm� da cantora, que morreu em 2011, aos 15 anos. “Ela fala desse processo de se encontrar depois da morte, que o candombl� trouxe para mim. Do ponto exato em que uma grande dor vira saudade.” A m�sica conta com a participa��o de Dona Bete, m�e da cantora.
"Tem algo que � muito preto em Minas, muito forte do congado. A cultura preta de Minas est� mais forte que nunca e est� todo mundo se levantando, botando banca e segurando a onda nesse lugar"
Tamara Franklin, cantora e compositora
COR DE DEUS
Em A cor de Deus, Tamara fala, pela primeira vez, sobre o amor que ela mesma sente. “Tinha uma dificuldade muito grande de falar sobre amor. Sempre que falava, eu me imaginava em outras situa��es. Dessa vez, falo de amor estando na minha pele, sendo a Tamara.” Ela adianta que n�o trata apenas das belezas causadas pelo sentimento. “Tem as dores e loucuras tamb�m. Tento dialogar com os relacionamentos afrocentrados. A m�sica fala sobre como � compartilhar a vida e das cobran�as que os preconceitos trazem. O que � ser uma mulher negra e um homem negro? Tem sempre uma cobran�a por aquela for�a e firmeza, do ser firme e resistente, tanto f�sica quanto emocionalmente”, ressalta.
As m�sicas est�o dispon�veis nas plataformas de streaming e no YouTube da cantora. Tamara adianta que pretende fazer live de lan�amento para o �lbum, ainda sem data definida. Os clipes de algumas das m�sicas ser�o lan�ados ao longo de setembro.
*Estagi�ria sob supervis�o da subeditora Tet� Monteiro

Fugio – Rotas de fuga pro aquilombamento
Tamara Franklin
10 faixas
Dispon�vel nas plataformas de streaming e no YouTube da cantora