
Carlos da Silva Assun��o Filho, o Cafi, tinha 14 anos quando deixou o Recife natal a bordo de um avi�o da Panair rumo ao Rio de Janeiro. Chorou as nove horas que durou a viagem. Chegou � capital fluminense em 1965, onde viveu at� os 68 anos. Mas carregou Recife com ele at� morrer, v�tima de infarto sofrido na Praia do Arpoador, no r�veillon de 2019.
� outro recifense com um p� aqui e outro acol�, o cineasta L�rio Ferreira, quem conta a trajet�ria de Cafi. Por sugest�o do pr�prio, vale dizer. Com lan�amento nesta segunda-feira (28) no canal Curta!, o document�rio Salve o prazer, codirigido por Natara Ney, � um retrato cheio de afetos daquele que ficou conhecido por ter fotografado algumas das capas de disco mais ic�nicas da m�sica popular brasileira.

MILTON Foram muitos (em torno de 300) �lbuns de grandes artistas. A capa mais conhecida � a do �lbum Clube da Esquina (1972). Mas a partir da estreia na fun��o com � a maior! (1970), de Marlene, Cafi n�o parou. Milton Nascimento, Chico Buarque, Edu Lobo, Geraldo Azevedo, Nana Caymmi, L� Borges, Beto Guedes, Alceu Valen�a, Fagner, Gonzaguinha. Seu �ltimo trabalho foi a capa de Besta fera, disco de Jards Macal� lan�ado em fevereiro do ano passado.

“Conhecia o Cafi s� de nome, por causa das capas. Quando fui para o Rio, no final da d�cada de 1990, para minha sorte e privil�gio o conheci”, lembra L�rio, que chegou a morar no apartamento do fot�grafo por um per�odo. Quando veio o convite para dirigir o filme, os dois se encontraram em Olinda. “Fiz uma grande entrevista com ele em 2016 e aquilo serviu de base para o roteiro”, acrescenta.

O projeto foi retomado em 2018, com todas as sequ�ncias rodadas de uma vez s�. Partindo de Pernambuco – Olinda, Recife, Nazar� da Mata e Paulista –, o filme viaja por Minas Gerais – Belo Horizonte e Ouro Preto –, passa por Petr�polis at� chegar ao Rio de Janeiro.
“Cafi estava sempre em movimento, ent�o o coloquei assim. Anda de bicicleta, de barco, at� de elevador. Queria que o filme tamb�m tivesse esse movimento”, conta L�rio.
Em cada um desses lugares, Cafi vai conduzindo sua pr�pria hist�ria, seja nos encontros com amigos e parceiros, seja por meio de observa��es de sua vis�o de mundo. O homem que se apaixonava todos os dias, volta e meia ele canta o samba Alegria, de Assis Valente, de onde veio o verso “salve o prazer” que d� t�tulo ao filme.
"Meu pai era um cara muito ligado � mem�ria. Progressista por ess�ncia, sempre transgressor, ele tamb�m teve um olhar de afeto e respeito �s tradi��es. O acervo n�o era algo como business, mas a extens�o da vida dele"
Miguel Colker, produtor cultural
Em Nazar� da Mata, observando os maracatus, Cafi revela que Dorival Caymmi conseguiu um encontro dele com M�e Menininha do Gantois (foi depois de um passe recebido que o fot�grafo conseguiu registrar as apresenta��es de maracatu devidamente). Na casa de Alceu Valen�a, em Olinda, ele explica a influ�ncia do maracatu na capa do �lbum Cinco sentidos (1981).
AMIZADE Foi no Recife, com Ronaldo Bastos, que Cafi escutou pela primeira vez Can��o do sal (1966) na grava��o de Elis Regina. Impactado pela m�sica, um pouco depois conheceu seu autor, Milton Nascimento. A amizade foi imediata. A dupla fez 18 capas de discos, incluindo a de Minas (1975), que exibe, pela primeira vez, o close frontal do rosto de Milton.
A rela��o com o Clube da Esquina � relembrada em encontros no apartamento de Ronaldo, no Rio (enquanto os dois jogam pingue-pongue), e com L� Borges na casa de sua fam�lia, em Santa Teresa, em Belo Horizonte.
A imagem do �lbum duplo de Milton e L� de 1972, com os dois garotos desconhecidos de Nova Friburgo (RJ), foi tirada por Cafi de dentro do carro, com o vidro fechado. O arame farpado foi o que mais chamou a aten��o de Cafi, ele conta.
Houve muita resist�ncia da gravadora em lan�ar o disco Clube da Esquina com aquela imagem. Em 2012, o Estado de Minas revelou a identidade dos meninos da capa – Jos� Ant�nio Rimes, o Tonho, e Ant�nio Carlos Rosa de Oliveira, o Cacau.
O “disco do t�nis” (1972), como � chamado o primeiro disco solo de L� Borges, s� se tornou como tal porque o cantor e compositor n�o queria ter seu rosto impresso no �lbum. L� teria sugerido uma capa com papel de p�o.
Outra capa de um disco dele, Nuvem cigana (1982), exibe a foto de L� rec�m-acordado em sua casa – Cafi tirou a foto no susto. Nuvem cigana, tamb�m o nome da produtora que Cafi teve com Ronaldo Bastos, surgiu depois de uma viagem de �cido dos dois na praia.
O document�rio revela outros encontros do fot�grafo. “Eles ultrapassaram a m�sica, pois Cafi foi testemunha de momentos incr�veis. Como n�o daria para trazer todo mundo, pensei em pessoas-chave. O Jards (Macal�) � muito amigo dele, o Alceu Valen�a trazia toda a refer�ncia de Olinda, a D�bora Colker � m�e de dois de seus tr�s filhos, o Z� Celso Martinez a sua conex�o com o teatro, o Miguel Rio Branco, seu compadre, fala da conex�o com outras artes”, continua L�rio.
Com a morte de Cafi, que chegou a assistir ao document�rio quase finalizado, o projeto ganhou outro vulto. Como projeto para a televis�o, Salve o prazer tem pouco mais de 50 minutos. L�rio guarda meia hora de material in�dito, que espera transformar em um longa-metragem para ser exibido no circuito de cinemas.
ACERVO H� um m�s, entrou no ar o site Cafi Digital (www.cafidigital.com.br), primeiro passo para restaura��o, digitaliza��o e cataloga��o do acervo do fot�grafo, com cerca de 120 mil imagens. O projeto � comandado pelo produtor cultural Miguel Colker, de 34 anos, o ca�ula de Cafi.
“Meu pai era um cara muito ligado � mem�ria. Progressista por ess�ncia, sempre transgressor, ele tamb�m teve um olhar de afeto e respeito �s tradi��es. O acervo n�o era algo como business, mas a extens�o da vida dele”, diz Miguel.
De acordo com o filho, Cafi nunca teve est�dio ou escrit�rio. As milhares de fotos que fez ao longo de quase 50 anos ficavam guardadas em seu apartamento.
Com sua morte, o material foi para o escrit�rio da produtora de Miguel, no bairro carioca de Santa Teresa. “Ele est� da maneira que meu pai deixou, organizadinho, com datas. Mas ele s� digitalizava o que precisava”, acrescenta.
O processo teve in�cio recentemente. A pesquisadora Carla Lopes, que trabalhou por 30 anos no Arquivo Nacional, est� � frente da equipe encarregada de higienizar, catalogar e digitalizar todo o acervo. A previs�o � de que a miss�o leve seis meses. No momento, Miguel busca patroc�nio – o projeto de recupera��o do acervo de Cafi est� or�ado em R$ 400 mil.
Com as caixas come�ando a ser abertas, algumas rel�quias j� foram descobertas, como a fotografia de Belchior sem bigode tocando viol�o. “Ainda n�o chegou na parte do Clube da Esquina. S� capas do Milton ele fez 18, ent�o eram muitas sess�es de fotos e tamb�m de grava��es. Acredito que deve ter muita coisa in�dita”, finaliza Miguel.
SALVE O PRAZER
Document�rio de L�rio Ferreira e Natara Ney. Estreia
nesta segunda-feira (28), �s 23h, no canal Curta!.
Reprise na ter�a (29), �s 3h e �s 17h; quarta (30), �s 11h; s�bado (3/10), �s 15h30; e domingo (4/10), �s 23h.