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Estado de Minas CINEMA

'Aos olhos de Ernesto' � filme divertido e comovente sobre a velhice

Premiado em festivais, longa de Ana Luiza Azevedo sobre homem que perde progressivamente a vis�o est� dispon�vel em streaming


14/10/2020 04:00 - atualizado 14/10/2020 09:19

O ator uruguaio Jorge Bolani, conhecido do público brasileiro por Whisky, vive o protagonista inspirado na vida na capital gaúcha do fotógrafo italiano Luigi Del Re (foto: Fábio Rebelo/Divulgação)
O ator uruguaio Jorge Bolani, conhecido do p�blico brasileiro por Whisky, vive o protagonista inspirado na vida na capital ga�cha do fot�grafo italiano Luigi Del Re (foto: F�bio Rebelo/Divulga��o)

A vida solit�ria de um vi�vo uruguaio, de idade t�o avan�ada quanto a perda da vis�o, em um apartamento lotado de livros, discos, cartas e lembran�as. Um filme com essa sinopse pode parecer mon�tono ou depressivo, mas Aos olhos de Ernesto n�o � uma coisa nem outra. 

Afetuoso, divertido e ocasionalmente melanc�lico, o longa-metragem dirigido por Ana Luiza Azevedo comove e surpreende. Ou voc� assistiu recentemente a alguma produ��o audiovisual com uma partida de xadrez entre dois velhos amigos que inclui uma disputa de plaquetas, leuc�citos e outros resultados contidos em um hemograma?

Produ��o da Casa de Cinema de Porto Alegre, formada por um grupo de cineastas ga�chos ainda nos anos 1980, Aos olhos de Ernesto ganhou o pr�mio da cr�tica na 43ª Mostra Internacional de Cinema de S�o Paulo e do p�blico no 23º Festival Internacional de Cine de Punta del Este. A estreia nacional foi anunciada para o in�cio de abril, mas a pandemia do coronav�rus fechou as salas de cinema em todo o Brasil e mudou os planos da produtora e da distribuidora.

“Tivemos que fazer o luto de n�o ter as sess�es nas salas de cinema, junto com diversos outros lutos que a pandemia nos imp�s”, destaca a diretora. O filme, ent�o, ganhou lan�amento nas plataformas Net Now, Vivo Play e Oi Play, pelo Canal Brasil. 

Inspirado na vida, na capital ga�cha, do fot�grafo italiano Luigi Del Re, o roteiro foi escrito por Ana Luiza e Jorge Furtado, que trabalharam juntos em curtas (Dona Cristina perdeu a mem�ria), longas (Antes que o mundo acabe) e s�ries de tev�, como Doce de m�e, com Fernanda Montenegro. 

� uma das preciosidades do longa-metragem, bem como a atua��o sutil do protagonista, o experiente ator uruguaio Jorge Bolani (o mesmo de Whisky). Ele interpreta Ernesto, surpreendido por uma s�rie de fatos e sentimentos desencadeados por Bia (Gabriela Poester), uma jovem cuidadora de c�es. 

Com cita��es de poemas de Mario Benedetti e di�logos que misturam portugu�s e espanhol, Aos olhos de Ernesto reflete a proximidade cultural do Rio Grande do Sul com os pa�ses vizinhos.  “Estamos mais pr�ximos da Argentina e do Uruguai do que do centro do pa�s. Hablamos portu�ol com muita facilidade”, lembra Ana Luiza. 

Uma das s�cias-fundadoras da Casa de Cinema de Porto Alegre, ela respondeu �s seguintes perguntas do Estado de Minas, algumas delas elaboradas a partir de di�logos do filme.

A diretora Ana Luiza Azevedo(foto: Marcos Ramos/Divulgação)
A diretora Ana Luiza Azevedo (foto: Marcos Ramos/Divulga��o)

"Estamos mais pr�ximos da Argentina e do Uruguai do que do centro do pa�s. Hablamos portu�ol com muita facilidade"

Ana Luiza Azevedo, diretora ga�cha


Em Antes que o mundo acabe, o foco estava nos adolescentes. Em Aos olhos de Ernesto, s�o as emo��es dos que est�o pr�ximos do fim da vida. O que h� em comum entre os conflitos e impulsos dos protagonistas dos dois filmes?
S�o dois momentos da vida em que as escolhas e as perdas s�o muito dif�ceis, apesar de as raz�es serem opostas. Na adolesc�ncia, tudo “� para sempre” e o mundo parece que vai acabar pelo m�nimo sofrimento. J� na velhice, a proximidade da finitude � real, e as limita��es nos s�o impostas, mas a escolha de como lidar com essas limita��es e de como viver este tempo finito � nossa. S�o dois momentos bastante ricos para a dramaturgia, n�o � toa que tantas obras-primas da literatura e do cinema os exploraram.

A Dona Cristina, do seu curta-metragem, perdia a mem�ria. Ernesto est� perdendo a vis�o. Mostrar que a velhice pode ser mais do que apenas perda foi um de seus objetivos com os dois filmes, como j� havia ocorrido tamb�m em Doce de m�e?
Acho que sim. N�o gosto de quem trata a velhice com demagogia, n�o gosto dos eufemismos para falar da velhice como “melhor idade”. A velhice n�o � a melhor idade. Pode at� ser para algumas pessoas, mas n�o � para a maioria. Mas gosto de acreditar que se pode viver intensamente a velhice, com todas as limita��es que ela nos imp�e. �s vezes � viver intensamente atrav�s do outro, atrav�s do olhar do outro, por exemplo.

Por que a decis�o de ter como protagonista um uruguaio que mora em Porto Alegre com um vizinho argentino, e n�o dois ga�chos? 
Sempre quis tratar deste sentimento de ser estrangeiro: uma vez estrangeiro, sempre estrangeiro. E convivi com muitos exilados que foram obrigados a buscar outros pa�ses em momentos cr�ticos como os das ditaduras latino-americanas. O exilado n�o sai do seu pa�s para fazer uma aventura, sai porque � obrigado, porque corre risco de vida, o que, normalmente, faz de muitas pessoas nost�lgicos, com um apego muito grande � sua cultura, seu passado.

O Uruguai � um pa�s com uma cultura extremamente rica e que teve muitos dos seus escritores, m�sicos, atores exilados durante a ditadura militar. Muitos deles voltaram ao Uruguai na suas velhices. Benedetti foi um deles. 

Uma das sequ�ncias mais marcantes do longa tem um poema de Mario Benedetti declamado pelo protagonista. O nome do protagonista, por sua vez, � o mesmo de um dos grandes escritores argentinos, Ernesto S�bato, que morreu aos 100 anos de idade. Como a literatura pode influenciar o audiovisual?
A literatura � a grande base para o audiovisual. � com ela que aprendemos a contar hist�rias, a criar personagens. Pelo menos � assim comigo. Minhas refer�ncias s�o muito mais liter�rias do que cinematogr�ficas. Quando um jovem pergunta como faz para fazer filmes, eu respondo: leia bons livros.

“A falta de rituais empobrece o mundo.” Como a aus�ncia do ritual do lan�amento no cinema, por causa da pandemia, comprometeu o lan�amento de seu longa-metragem?
Tivemos que fazer o luto de n�o ter as sess�es nas salas de cinema, junto com diversos outros lutos que a pandemia nos imp�s. Assistir a um filme numa tela grande, rodeada de pessoas que a gente n�o conhece, � uma forma de frui��o que n�o tem como ser substitu�da. Por�m, a exibi��o por streaming traz outros ganhos: o filme n�o precisa ganhar o p�blico no primeiro fim de semana, pessoas do Brasil inteiro podem assistir ao filme, ganhamos uma divulga��o espont�nea do “whatsapp-a-whatsapp” que � muito poderosa... E, assim, o filme vai ganhando uma visibilidade crescente. 

“Letra de mulher � diferente da dos homens.” E filmes escritos e dirigidos por mulheres tamb�m s�o diferentes dos escritos e dirigidos por homens?
Eu sempre ouvi essa frase (risos). Sempre me disseram que eu tinha letra de mulher, de professora. Acho que sim. Uma mesma hist�ria vai ser diferente quando escrita por um homem, por uma mulher branca, negra ou �ndia. Nossas experi�ncias pessoais marcam nossa forma de ver o mundo e, consequentemente, nosso trabalho, mesmo que n�o estejamos contando uma hist�ria testemunhal.
 
Seu filme � assumidamente humanista. O humanismo no Brasil est� mais vis�vel na fic��o do que na realidade?
O humanismo no Brasil se mant�m vivo, mas com pouca visibilidade. O que os jovens trazem numa roda de slam � um grito urgente e po�tico por um humanismo. O que vemos nos trabalhos de coletivos de mulheres, de negros, de ind�genas, de ONGs � do mais puro humanismo. Infelizmente, a intoler�ncia, o racismo e o �dio t�m infestado a vida p�blica, os projetos de governo, dificultando ainda mais o dia a dia de quem j� estava sendo colocado � margem.

Precisamos, urgentemente, recuperar a civilidade no Brasil. Precisamos recuperar a esperan�a de ter governos com projetos humanistas. Precisamos recuperar a esperan�a de ter governos que acreditem na ci�ncia, na educa��o, na cultura. A elei��o municipal que se aproxima � a hora de come�ar a resgatar esse humanismo. 

O uruguaio Jorge Bolani e o brasileiro Júlio Andrade: pai e filho no filme de Ana Luiza Azevedo(foto: Fábio Rebelo/Divulgação)
O uruguaio Jorge Bolani e o brasileiro J�lio Andrade: pai e filho no filme de Ana Luiza Azevedo (foto: F�bio Rebelo/Divulga��o)


Voc� tem participado de j�ri de concursos. Consegue observar uma tend�ncia surgida nos �ltimos anos? Quais as virtudes e os problemas dos roteiros que voc� consegue observar? Que conselhos daria a quem est� come�ando?
Acho que temos hoje, no Brasil, �timos criadores e contadores de hist�ria. Tenho lido roteiros com hist�rias muito potentes e originais. Mas, sinto falta, na maioria dos roteiros, de conhecimento de dramaturgia e do entendimento da import�ncia da cena como unidade dram�tica. Muitas vezes se poderia pegar tr�s cenas e transform�-las em uma muito mais potente.

Muitos roteiros perdem um longo tempo apresentando os personagens para depois apresentar o conflito. Enquanto poderia apresentar os personagens j� dentro do conflito. Outro problema recorrente � colocar nos di�logos o que deveria ser subtexto. � natural que isso aconte�a na primeira vers�o do roteiro, e � por isso que se reescreve o roteiro muitas vezes. Como podemos dramatizar o que est� no di�logo? � uma  pergunta que temos que nos fazer sempre. 

Como a proposta original da Casa de Cinema de Porto Alegre se adaptou �s mudan�as ocorridas na produ��o e distribui��o de conte�do audiovisual nas �ltimas d�cadas, em especial nos �ltimos anos? J� podemos falar em uma Casa de Cinema e S�ries em Porto Alegre?
Desde o in�cio, entendemos que televis�o e cinema andavam juntos. Comecei a trabalhar com audiovisual na televis�o. S� que, naquele momento, n�o existiam videocassetes caseiros, fazendo com que tudo que fosse exibido na televis�o fosse ef�mero, e o cinema era o permanente. Hoje, as possibilidades de veicula��o e financiamento para s�ries s�o muito maiores.

A s�rie possibilita aprofundar uma hist�ria, um personagem, permite experimentar mais. Por tudo isso, a Casa de Cinema �, sim, uma casa de cinema, s�ries, especiais para televis�o, e todas as outras experi�ncias que o audiovisual nos permitir e que acharmos que � coerente com o que queremos contar e sobre o que queremos falar.

“Os amigos da juventude s�o os mais verdadeiros.” O trabalho entre amigos que se conheceram na juventude e a franqueza das opini�es de quem se conhece h� tanto tempo s�o um dos diferenciais das produ��es da Casa de Cinema de Porto Alegre?
Acho que a franqueza de algu�m que l� o teu roteiro e diz ‘n�o t� bom’, como ouvi da Nora (Goulart), do Giba (Assis Brasil) e do Jorge (Furtado), � fundamental neste of�cio de fazer filmes e s�ries. E acredito que nossa cumplicidade vem, sim, de tanto tempo de vida e de trabalho juntos. Temos muitas afinidades pol�ticas, est�ticas, filos�ficas. Acho que � isso que nos mant�m juntos.

O roteiro de Aos olhos de Ernesto passou por laborat�rios de desenvolvimento e teve consultoria do escritor cubano Senel Paz. Como essa consultoria aprimorou o seu trabalho? O que acha que pode ser mais valioso na opini�o de um consultor? O que foi mais importante no trabalho final de dois meses com Jorge Furtado?
Estruturei o primeiro roteiro com a parceria de Miguel da Costa Franco e Vicente Moreno. Muitas vezes, a gente sabe a hist�ria que quer contar, mas est� t�o envolvida com ela que n�o percebe os problemas. Senel me fez ver que eu tinha dois personagens dividindo a mesma fun��o dramat�rgica. Tinha um outro personagem, al�m de Bia, que trazia Ernesto de volta � vida.

Ao concentrar tudo num �nico personagem, pude potencializar e melhorar o personagem da Bia. E Jorge conhece como poucos no Brasil a estrutura dram�tica. Sabe identificar o problema e ajudar a resolv�-lo. Com ele voltei � escaleta e reestruturamos a hist�ria, mudando coisas fundamentais para a hist�ria ser o que �.

“Esperar � minha especialidade.” H� um intervalo de 10 anos entre seus dois longas de fic��o. Teremos de esperar mais 10 anos por um pr�ximo longa?
Pode ser. Cresci no interior, no litoral do Rio Grande do Sul, onde se enxerga longe, onde o tempo tem outro ritmo, onde as vacas ruminam por muito tempo para melhor fazer a digest�o (risos). Entre Antes que o mundo acabe e Aos olhos de Ernesto fiz muita coisa: dirigi um longa document�rio em parceria com o Jorge (Quem � Primavera das Neves); escrevi e dirigi um telefilme (Doce de m�e), que surgiu como um projeto de longa; dirigi e escrevi v�rias s�ries de TV,entre elas Doce de m�e, Mulher de fases, Grandes cenas.

O financiamento de um longa � muito dif�cil, especialmente neste momento que estamos vivendo no Brasil. Ent�o, vamos ver. Mas espero que n�o demore 10 anos, n�o.

Aos olhos de Ernesto
Dire��o: Ana Luiza Azevedo. 122 minutos. Com Jorge Bolani, Gabriela Poester, Jorge d’Elia e participa��o especial de J�lio Andrade. Dispon�vel pelo Canal Brasil nas plataformas Net Now, Vivo Play e Oi Play.


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