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Estado de Minas �UDIO

Podcasts enfocam crimes reais e ganham jeito de telenovela

Produ��es em �udio sobre crimes ganham plataformas de streaming e oferecem chance de refletir sobre problemas ainda vigentes na sociedade, al�m de reviver uma �poca de ouro do r�dio


22/10/2020 04:00 - atualizado 22/10/2020 07:50

O ano � 1976. Em uma casa de veraneio na Praia dos Ossos, em B�zios, no Rio de Janeiro, um casal briga, h� um pedido de perd�o e quatro tiros na noite, como descrevem os jornais da �poca. Aos 32 anos, a socialite mineira �ngela Diniz � assassinada pelo ent�o namorado, Raul Fernando do Amaral Street, o Doca Street. O crime entrou para a hist�ria como o Caso Doca Street, eternizando o assassino e esquecendo a v�tima.  

Mais de quatro d�cadas depois, o enredo do Caso Doca Street n�o difere tanto dos notici�rios da atualidade. Contudo, nem todos conhecem o crime, t�o noticiado na �poca e importante para o movimento feminista. A partir dessa inquieta��o, surge o podcast Praia dos Ossos, um original da R�dio Novelo, apresentado por Branca Vianna.

Apesar de o material se basear em um crime real e ser visto por muitos como parte de uma cultura do true crime, as criadoras do Praia dos Ossos n�o o enxergam assim. “Os podcasts de crimes reais s�o uma investiga��o ou ‘reinvestiga��o’ do caso. Esse n�o tem mist�rio, fora uma ou outra teoria. N�o se tem d�vida de quem matou e dos motivos. A ideia n�o � analisar o crime em si, nem sequer as pessoas envolvidas, mas as consequ�ncias daquele ato para a sociedade de um modo geral, o simbolismo”, explica Branca.

Ou�a o primeiro epis�dio:


“Buscamos apresentar s� o essencial e deslocar o eixo. Trazemos o crime no primeiro epis�dio e olhamos para tudo o que aconteceu. � sobre a mulher e tudo que aconteceu depois que ela foi morta”, completa a pesquisadora Flora Thomson-DeVeaux. 

O assassinato de ângela Diniz(foto: fotos: divulgação)
O assassinato de �ngela Diniz (foto: fotos: divulga��o)

Produ��o dos podcasts sobre crimes reais


Mais do que mergulhar no juridiqu�s do crime para contar essa hist�ria, Branca e Flora foram at� Belo Horizonte e refizeram o percurso da mais bela jovem de boa fam�lia mineira que escapou da vida de rica dona de casa para o jet-set carioca.

Nesse caminho, Flora se debru�ou sobre acervos de jornais, colunas sociais, r�dios e redes de televis�o para desvendar a voz, os trejeitos e a personalidade da Pantera de Minas, como �ngela Diniz ficou conhecida. “Muito mais do que um jornalismo investigativo, � uma leitura de narrativa. Estava olhando para a hist�ria da hist�ria, a forma como a hist�ria � contada, embora os fatos tamb�m interessem muito”, detalha a pesquisadora.

Diante dos recortes de jornais e muitas perguntas, as duas e a equipe da R�dio Novelo entrevistaram mais de 60 pessoas que participaram da vida da socialite. Para roteirizar e compor os oito epis�dios do podcast — dos quais cinco est�o dispon�veis nas plataformas digitais —, elas convidaram os roteiristas de cinema Aur�lio de Arag�o e Rafael Sp�nola. “Desde o in�cio, t�nhamos o arco da narrativa do que quer�amos contar em cada epis�dio, em termos de temas, de conte�dos. Isso se manteve. Mas a forma como voc� encadeia uma narrativa em roteiro � muito diferente do que j� t�nhamos feito. Eles conseguiram trazer um jogo de tens�o e distens�o, de sequ�ncia de cenas”, analisa Branca, presidente da R�dio Novelo e apresentadora do podcast de entrevistas Maria vai com as outras.

Praia dos Ossos tamb�m faz uso do formato no qual apresenta a hist�ria para promover uma experi�ncia imersiva que deixa de lado a morbidez do assassinato. Mais do que a fala dos entrevistados, os �udios trazem emo��es, transportam no tempo e no espa�o, revelam detalhes da cena e da �poca em que viveu �ngela. Tudo isso embalado por uma trilha sonora que casa forma e conte�do.

“N�o queremos transformar �ngela em �cone feminista, nunca foi nossa inten��o. Queremos revelar a pessoa de verdade. Ela � uma figura muito interessante, era diferente. O que mais ouvimos dos entrevistados � que ela era uma mulher que nunca tinham visto antes”, afirma Branca. “A gente quer resgatar a �ngela desse lugar s� de s�mbolo de feminic�dio, de crime, e trazer um pouco da biografia”, pontua Flora. 

Mabê e Carol Moreira, apresentadoras do podcast Modus operandi
Mab� e Carol Moreira, apresentadoras do podcast Modus operandi

True crime brasileiro


Inspirado no norte-americano Serial, podcast de jornalismo investigativo apresentado por Sarah Koenig que narra hist�rias de n�o ficc��o, o curitibano Ivan Mizanzuk queria criar uma narrativa baseada em um crime real. Em 2015, ele lan�ou o Projeto Humanos, podcasts “de hist�rias reais sobre pessoas reais” e, naquela �poca, almejava recontar o crime do menino de 6 anos que desapareceu em 6 de abril de 1992 na cidade de Guaratuba, no litoral do Paran�.

O corpo foi encontrado dias depois sem as m�os, cabelos e v�sceras, suspeito de ter sido sacrificado em um ritual sat�nico. A hist�ria ficou conhecida como as Bruxas de Guaratuba.

Apesar da vontade, Mizanzuk s� teve acesso aos autos do processo em 2017 e a temporada do O caso Evandro foi ao ar em 2018, como um dos primeiros podcasts brasileiros de crimes reais. “O caso criminal, narrativamente, tem um apelo que � a quest�o do mist�rio. O ouvinte quer desvendar. A gente vai fazendo um processo de compreens�o e investiga��o do caso, e cada epis�dio leva uma pergunta”, explica o escritor. Mizanzuk comenta que nem conhecia o termo true crime antes de lan�ar a produ��o, mas reconhece que nos �ltimos anos a cultura tem se fortalecido no Brasil com s�ries, document�rios e podcasts.

No decorrer da pesquisa e constru��o dos roteiros, o escritor se deparou com a complexidade do fato. “A vida real n�o se encaixa nesse modelo de oito epis�dios de uma hora que a gente se acostumou com s�ries da Netflix e HBO”, comenta. Era preciso esmiu�ar, detalhar, dar zoom em alguns aspectos da hist�ria, esclarecer contextos da �poca, fazer com que o contradit�rio aparecesse, apresentar defesa e acusa��o. Dois anos depois de o primeiro material ser lan�ado, j� s�o 36 epis�dios e ainda faltam dois temas: a identidade do corpo e os outros suspeitos. “Essa constru��o mostra muito o meu processo de entendimento do caso”, argumenta.

Professor de storytelling, Mizanzuk faz uso da t�cnica para contar a hist�ria de uma maneira envolvente, interessante e, ao mesmo tempo, respeitosa. Tamb�m se beneficia da pr�tica em sala de aula. “Foi um processo de tradu��o, de pegar um ato penal e traduzir para uma narrativa. Entender o inqu�rito, os suspeitos, os denunciados, o j�ri, os recursos”, detalha. “Precisava estruturar isso de maneira que o espectador entenda a din�mica, o que aconteceu com aquele personagem, ent�o fui quebrando em temas”, acrescenta.

Na opini�o de Mizanzuk, ao oferecer produtos sobre crimes reais, que destrincham o fato, abre-se um espa�o para reflex�es. “Permite que a sociedade se questione como crimes assim acontecem e levante quest�es sobre o sistema penal. Se a gente n�o tem produ��es brasileiras, n�o consegue fazer isso. Posso usar O caso Evandro, mostrando o processo como ele �. Fico feliz em ver o lan�amento da R�dio Novelo. Mostra uma outra produ��o de alta complexidade importante, de um crime que praticamente havia ca�do no esquecimento. � preciso come�ar a olhar a cultura true crime brasileira consciente das implica��es que isso tem no debate de seguran�a p�blica e fora dos modelos sensacionalistas. Acho que � isso que o p�blico quer”, completa Mizanzuk.

Projeto Humanos: O caso Evandro
Projeto Humanos: O caso Evandro

Comunidade


Amigas que j� passavam horas conversando e compartilhando sobre produ��es true crime e as teorias por tr�s de cada assassinato, Carol Moreira e Marina Bonaf�, a Mab�, formalizaram as trocas no podcast Modus operandi. Ali, cada epis�dio parte de uma hist�ria real. Existe um roteiro-base, criado por Carol, mas os fatos se imp�em e criam narrativas �nicas. “A gente quer contar a hist�ria do melhor jeito poss�vel. Mas varia de epis�dio para epis�dio. Como eu contaria?”, questiona Mab�.

Antes das grava��es, as duas se debru�am sobre livros, document�rios, mat�rias jornal�sticas e todas as informa��es dispon�veis sobre o crime. “Mas, tentamos construir uma narrativa que tenha uma ordem cronol�gica. Tentamos ser muito did�ticas, descrevemos ao m�ximo os personagens”, explica Carol. O processo � colaborativo e bastante natural, mesmo quando vai ao ar, buscando sempre o comprometimento com a verdade dos fatos e uma fuga de aspectos sensacionalistas.

A partir do podcast, Carol e Mab� abriram espa�o para que outras pessoas pudessem se juntar nessa “conversa” sobre crimes reais. “As pessoas mandam casos, sugerem hist�rias que querem que a gente fale. Acabou criando uma minicomunidade dentro da rede social”, conta Mab�. Al�m disso, as duas expandiram a produ��o de conte�do para outras m�dias, sugerindo dicas de s�ries, filmes e document�rios dentro desse universo. “� uma maneira de se comunicar com o p�blico. Era uma coisa que a gente fazia entre n�s. A pessoa assiste � s�rie, por exemplo, e n�o tem com quem conversar, ent�o a gente vira esse amigo”, comenta Carol.

A produ��o de Modus operandi tamb�m quer usar das hist�rias reais como ponto de partida para reflex�es de problemas que ainda persistem na sociedade. “� a nossa raz�o. A gente est� em 2020 e nada mudou, e agora?”, questiona Mab�. “A gente fala muito sobre o trabalho da pol�cia, por exemplo, trazemos esses questionamentos, mas sempre com muito cuidado”, pondera Carol.

Confira algumas sugest�es de podcasts brasileiros sobre crimes reais dispon�veis nas plataformas de streaming:

.Praia dos Ossos
.Projeto Humanos, temporada O caso Evandro
.Modus operandi
.Que crime foi esse?
.Assassinos em s�rie
.Ficha criminal


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