
M�s da Consci�ncia Negra, este novembro � de luta. E a trincheira de Edi Rock, a voz de trov�o do Racionais MCs, � o �lbum solo Origens parte 2: Ontem hoje e amanh�, lan�ado h� poucas semanas. A sexta faixa, Vidas negras importam, � um manifesto contundente contra o racismo e a viol�ncia policial. Lan�ado em junho, o clipe exibe os rostos de Jo�o Pedro Matos, de 14 anos, e Agatha F�lix, de 8, entre outras v�timas da barb�rie brasileira. L� tamb�m est�o Marielle Franco e George Floyd, s�mbolos da luta que levou multid�es �s ruas de todo o mundo em 2020.
"Antes, era a nossa palavra contra a pol�cia ou contra o racista; agora � a imagem, a prova."
Edi Rock, cantor e compositor
Aos 52 anos, Edi Rock sabe do que est� falando. H� tr�s d�cadas o Racionais – o grupo de rap mais importante do pa�s – vem denunciando o racismo estrutural. Sempre disparou contra a “democracia racial” brasileira. Quando toma emprestado o slogan do movimento Black Lives Matter em suas rimas, Edi mostra que a Minneapolis do americano George Floyd e o Complexo do Salgueiro, onde o garoto Jo�o Pedro morreu com um tiro de fuzil nas costas, fazem parte do mesmo negro drama, t�tulo do hit do Racionais.
O mundo est� mudando, avisa Edi, mas sem ilus�es. “H� 30 anos, quando o Racionais falava de racismo, parecia apenas m�sica”, comenta. Com efeito. O tema passava longe das manchetes. V�rias vezes o grupo foi acusado de fazer apologia da viol�ncia ao denunciar, com suas letras contundentes, a desigualdade no Brasil, tomando a defesa dos pretos, favelados e jovens condenados ao pres�dio pela exclus�o social.
“Daqueles tempos para c�, aumentaram os problemas, mas a informa��o se democratizou, as ideias se espalharam”, diz Edi. Nesta era do celular, “todo mundo est� com a c�mera na m�o”, lembra. “Antes, era a nossa palavra contra a pol�cia ou contra o racista; agora � a imagem, a prova.”
Mas o protesto globalizado e a potente campanha nas redes sociais, impulsionados pelo movimento Black Lives Matter, ser�o mesmo capazes de conscientizar a sociedade, rompendo a hist�rica indiferen�a do Brasil em rela��o aos negros?
“N�o sei se h� essa consci�ncia. O que sei � que agora temos a tecnologia, a arma para nos defender”, diz o rapper. Por�m, ele observa: “Todos somos rastreados”. E lembra que as redes sociais tanto estimulam a autoconsci�ncia quanto o mundo falso da felicidade- ostenta��o.
Um passo importante � discutir o racismo e a desigualdade desde as salas de aula, defende Edi Rock, saudando o engajamento dos jovens nesta luta. “A nova gera��o tem mais consci�ncia, tem orgulho de ser negra e de se autoafirmar. Conhece os seus direitos.”
Houve uma “virada” de mentalidade entre os s�culos 20 e 21, acredita ele. O rap foi uma esp�cie de instrumento pedag�gico nesse processo, e Edi Rock v� vingar a semente que sua banda plantou. “O Racionais � um pilar importante da m�sica brasileira, levou para o espa�o da cultura a pessoa comum, o negro da periferia. Somos n�s, como negros, falando com propriedade”, observa.
"N�o adianta falar s� para a sua bolha, quero falar para outras tribos tamb�m"
Edi Rock, cantor e compositor
CONFORTO
A vida � desafio, canta o Racionais. E o cinquent�o Edi Rock se arrisca na carreira solo, lan�ando discos longe da zona de conforto que a banda consagrada lhe oferece. No primeiro �lbum solo, Contra n�s ningu�m ser� (2013), ele dialogou com samba, soul e R&B, entre outros g�neros musicais. Emplacou o hit That's my way em parceria com Seu Jorge, can��o sobre a esperan�a que inspirou remix do badalado DJ Alok.
No segundo disco solo, Origens (2019), teve at� sofr�ncia, a rom�ntica Uq ce vai fazer – dobradinha de Edi com a sertaneja Lauana Prado –, al�m do flerte do MC do Racionais com o funk de MC Pedrinho, em De onde eu venho.
Origens parte 2: Ontem hoje e amanh� � uma esp�cie de “volta �s origens” do rap, com a participa��o de veteranos como MV Bill e Sombra (do SNJ), jovens talentos do trap (Flacko) e do hip-hop (Lourena e Morcego), al�m de produtores respeitados (DJs Cia e Will).
Muita gente vai se surpreender com a dobradinha de Edi com o pagodeiro Thiaguinho (na alto-astral Um novo amanh�), cujo clipe vai sair no final do ano. Outra novidade � a parceria do rapper com o pernambucano Jorge Du Peixe, pioneiro do manguebeat e vocalista da Na��o Zumbi.
O disco-manifesto contra o racismo � tamb�m um tributo � liberdade, haja vista a diversidade do universo sonoro dos parceiros de Edi. O rap dele dialoga com gospel (S� Deus, com Daniel Quirino), com o R&B rom�ntico (Vai chover) e com o afrobeat dos nigerianos Meaku e Fredy Muks, radicados em Los Angeles.
Foi uma “guerra” produzir esse �lbum durante a pandemia, conta Edi Rock. No in�cio do confinamento social, ele trocou S�o Paulo por Ubatuba. “Sa� do apartamento, n�o quis ficar recluso, neur�tico. Aquilo seria igual cadeia, n�o sou presidi�rio. Procurei um lugar com mais espa�o para arejar a mente”, explica.
Ubatuba o conecta com suas ra�zes. “Aqui, a gente respira os ancestrais. � uma regi�o de quilombos, aldeias ind�genas, tem cachoeira, mar e serra”, conta Edi comp�s at� uma can��o para Iemanj�.
“Estou de quarentena. Este � um momento de luta, de for�a, e n�o de derrota”, resume, definindo seu novo �lbum como “di�rio”, “uma terapia”. Ele retoma o rap das antigas que o projetou, “mas com batidas modernas, de olho no amanh�”. E � s� elogios para os jovens parceiros. “Os moleques est�o cantando bem. As minas tamb�m. Todos ali estudam, pesquisam, se dedicam. Ningu�m est� falando mimimi.”
Feliz com o encontro com o carioca MV Bill em Dinheiro, ele pretende convidar para seu pr�ximo disco solo Gog e Tha�de, pioneiros do rap de Bras�lia e de S�o Paulo.
Ao comentar o encontro de gera��es de Origens 2, Edi lembra que o rap sempre se reinventa. Volta l� atr�s, bebe na fonte, resgata coisas esquecidas do passado “e vai para a frente outra vez”, diz. O Brasil, ali�s, � um celeiro para essas reinven��es, com farta diversidade musical.
O pr�prio Edi � exemplo disso: destaque do hip-hop, foi percussionista de grupo de samba, ouviu de tudo um pouco em casa gra�as ao pai e � m�e, carrega o rock em seu pr�prio nome.
“Tento disseminar a minha mensagem por todos os espa�os, dialogar. N�o adianta falar s� para a sua bolha, quero falar para outras tribos tamb�m”, diz. Isso vale para a m�sica e para a vida. Nos tempos em que o Racionais evitava a grande m�dia, ele defendia suas ideias em entrevistas, aceitava convites para falar em programas da TV Globo.
MACHISMO
Edi adverte: a intoler�ncia – n�o apenas racial – est� acabando com o planeta. E chama a aten��o para a viol�ncia contra as mulheres e o desprezo pela natureza. A maturidade � aliada, e ele n�o se furta a fazer mea-culpa – no palco – em rela��o ao pr�prio machismo.
Autor de letras que se referem pejorativamente �s mulheres, como as de Estilo cachorro e Qual mentira vou acreditar, escritas quando ele tinha 20 e poucos anos, faz quest�o de apresent�-las na �ntegra em shows. Canta as rimas pol�micas, interrompe a banda e explica � plateia como � errado “capotar a mina no soco” e se gabar de ir para a cama com �ngela, a “matin�” de 16 anos. “Digo que aquilo n�o pode soar como apologia. T� errado. Mostro a forma machista como o homem pensava no s�culo 20.”
Voltar ao palco, ali�s, � algo distante para Edi Rock, pois a pandemia inviabilizou eventos como a turn� dos 30 anos do Racionais. A banda n�o aderiu � onda das lives, em respeito ao protocolo do confinamento, e recusou propostas de shows. Cantar para carros em drive-in, definitivamente, n�o est� nos planos.
“Show do Racionais tem de ter calor, plateia cantando”, explica, afirmando que a banda � avessa ao formato “de pl�stico”. E brinca: “J� basta a m�scara”. Por�m, o “Edi Rock solo” j� se arriscou nas lives, tendo Seu Jorge como convidado. “N�o ficou como eu queria”, admite.
Novos clipes de Origens 2 j� rolaram, como a dobradinha com Thiaguinho, com lan�amento em dezembro. A dupla se encontrou, fez testes para COVID-19, a equipe t�cnica seguiu � risca os protocolos sanit�rios durante a grava��o. Os dois cantaram sem m�scaras, porque, segundo Edi, “de m�scara j� basta a capa do disco”.
Ali�s, a parceria deles, Um novo amanh�, tem tudo a ver com estes tempos dif�ceis. Diz assim: “Rajada de orgulho, de coragem e sacrif�cio/ O irm�o nasceu guerreiro, livre, forte, lutador/ Com anticorpos pra racista/ Avalista do amor”.
ORIGENS PARTE 2: ONTEM HOJE AMANH�
Disco solo de Edi Rock
Som Livre
15 faixas
Dispon�vel nas plataformas digitais