(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas LITERATURA

Milton Hatoum ensina 'Como ler Graciliano Ramos' nesta ter�a (10)

Admirador da obra do alagoano desde a adolesc�ncia, escritor manauara � convidado do projeto liter�rio do Minas T�nis Clube


10/11/2020 04:00 - atualizado 10/11/2020 09:08

Autor de uma obra enxuta, porém clássica, com títulos como Vidas secas, São Bernardo e Memórias do cárcere, Graciliano Ramos influenciou não apenas seus leitores, como também gerações de escritores (foto: Editora Record/Divulgação )
Autor de uma obra enxuta, por�m cl�ssica, com t�tulos como Vidas secas, S�o Bernardo e Mem�rias do c�rcere, Graciliano Ramos influenciou n�o apenas seus leitores, como tamb�m gera��es de escritores (foto: Editora Record/Divulga��o )
Caet�s (1933), romance de estreia de Graciliano Ramos (1892-1953), traz uma frase que marcou o escritor Milton Hatoum profundamente: “O mais dif�cil � escrever”. “Graciliano n�o escreveu muito e n�o foi preciso. Para que publicar loucamente, um livro a cada dois anos? Eu me reconhe�o muito na dificuldade de escrever, que vem de Flaubert, do drama da linguagem. A linguagem � a grande quest�o da literatura, que n�o � s� contar uma hist�ria, mas como cont�-la.”

Apaixonado pela obra de Graciliano, que conheceu na adolesc�ncia, Hatoum � o convidado da edi��o do projeto Letra em Cena on-line desta ter�a-feira (10). No canal do YouTube do Minas T�nis Clube, a partir das 20h, o autor amazonense fala sobre a obra do alagoano. O encontro virtual ter� leitura de textos de Graciliano pela escritora Bruna Kalil Othero.

Na entrevista a seguir, Hatoum tra�a rela��es de Graciliano com o Brasil atual e fala da concis�o que marca a escrita do autor, eternizada no poema Graciliano Ramos, de Jo�o Cabral de Melo Neto. “� melhor voc� escrever a sua verdade. Fora dela, voc� est� falseando.”

"Acabei sendo orientado por uma professora do Col�gio Pedro II, p�blico, que nos fez ver a import�ncia do Graciliano em rela��o � linguagem, � quest�o social, ao conhecimento do outro, de outra geografia, regi�o. Est�vamos em Manaus, � beira do Rio Negro, o maior afluente do Rio Amazonas. � excesso de �gua, e Vidas secas � o avesso disso. N�o captei toda a for�a do romance naquela �poca, nem do Inf�ncia, que eu achava que era estritamente um livro de mem�rias. E ele n�o � s� isso. Reli tudo de Graciliano v�rias vezes"

Milton Hatoum, escritor


(foto: Marcos Alves/Divulgação)
(foto: Marcos Alves/Divulga��o)


Voc� j� falou que Vidas secas foi um de seus romances de forma��o. Qual foi o primeiro contato que teve com a obra de Graciliano Ramos?
Li Vidas secas (1938) e Inf�ncia (1945) no gin�sio, em Manaus. Tinha 14 anos. A leitura foi muito importante, porque ele � um dos grandes escritores, e eu n�o o conhecia. Acabei sendo orientado por uma professora do Col�gio Pedro II, p�blico, que nos fez ver a import�ncia do Graciliano em rela��o � linguagem, � quest�o social, ao conhecimento do outro, de outra geografia, regi�o.

Est�vamos em Manaus, � beira do Rio Negro, o maior afluente do Rio Amazonas. � excesso de �gua, e Vidas secas � o avesso disso. N�o captei toda a for�a do romance naquela �poca, nem do Inf�ncia, que eu achava que era estritamente um livro de mem�rias. E ele n�o � s� isso. Reli tudo de Graciliano v�rias vezes. Enfim, � um escritor que n�o publicou muitos livros, a obra dele n�o � prol�fica. Mas n�o precisa ser.

At� nisso Graciliano foi conciso.
Ele � um escritor da extrema concis�o. O Jo�o Cabral tem um poema chamado Graciliano Ramos, em que fala dessa escrita muito concisa. Fala que, em 20 palavras, est� a for�a da concis�o dele. (“Falo somente com o que falo:/com as mesmas vinte palavras/girando ao redor do sol/que as limpa do que n�o � faca” s�o os versos iniciais). Isso me fascinou. Na minha �poca de gin�sio, li os contos de Machado (de Assis) e uma parte de Os sert�es (de Euclides da Cunha). Ali tive uma empatia maior pela linguagem machadiana e graciliana, a imagem de uma faca s� l�mina, para usar uma express�o do Jo�o Cabral.

A literatura nordestina era muito ret�rica. Um romance como O quinze (1930), de Rachel de Queiroz, antecipa isso, fazendo uma alus�o � seca de 1915. Um dos grandes feitos da obra do Graciliano, sobretudo a partir de Vidas secas, foi interiorizar a fala e o pensamento do sertanejo. O Fabiano e a Vit�ria (personagens do romance) falam por eles mesmos, n�o � um narrador culto que se intromete para falar por eles. Graciliano entendeu isso, ele conhecia esse mundo sertanejo, pobre. Esse discurso interiorizado, que depois ser� muito explorado em Guimar�es Rosa, pelo Riobaldo. Mas a origem est� no Vidas secas. At� a cachorra Baleia tem os sonhos e os sofrimentos dela.

Voc� acha que Graciliano deve ser lido quando jovem?
Deve ser lido na escola. (Vidas secas) � um livro complexo, que convida para uma segunda, terceira leituras. Li aos 14 anos e agora meu filho, de 16, est� lendo para a escola. Meio s�culo depois de mim, ele se emocionou. E ele n�o � um leitor como eu gostaria que fosse, mas eu n�o me intrometo. Ficou emocionado com a morte da Baleia, percebeu a brutalidade do cap�tulo O soldado amarelo, descobriu um vocabul�rio que n�o conhecia. Isso � literatura, que enriquece sua vida, seu esp�rito, sua vis�o de mundo.  Para ele, o sert�o hoje � insepar�vel de Vidas secas. Me perguntou quantos Fabianos ainda existem no Brasil. Eu disse que milh�es. Mas nunca � tarde para ler um romance. �s vezes, n�o se leram os cl�ssicos brasileiros na juventude. Nada � obrigat�rio.

Que rela��es podem ser feitas da obra de Graciliano com o Brasil de hoje?
Ele foi preso sem acusa��o formal, um pouquinho antes do golpe do Estado Novo. Em Mem�rias do c�rcere (1953), fala ironicamente do “nosso pequenino fascismo tupiniquim”. Se voc� prestar aten��o, a atitude do personagem do fazendeiro (Paulo Hon�rio) em S�o Bernardo (1934) � muito machista. Contra quem? Contra a mulher dele. E quem � Madalena? Uma professora. Ele fala que � uma vagabunda, comunista, diz que as mulheres intelectuais n�o prestam, s�o perigosas. Graciliano escreveu isso na d�cada de 1930. 

LETRA EM CENA 
Como ler Graciliano Ramos. Com Milton Hatoum. Nesta ter�a (10), �s 20h, no canal do YouTube Minas T�nis Clube (youtube.com.br/minastcoficial). 

O professor Wander Melo Miranda teve que adiar as viagens que faria pelos lugares fundamentais na trajetória de Graciliano Ramos (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press )
O professor Wander Melo Miranda teve que adiar as viagens que faria pelos lugares fundamentais na trajet�ria de Graciliano Ramos (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press )

Pandemia adia pesquisa biogr�fica


Um dos maiores especialistas na obra de Graciliano Ramos, Wander Melo Miranda vem se dedicando a uma biografia do escritor, que ser� publicada pela Companhia das Letras. A pandemia do novo coronav�rus atrapalhou os planos do professor em rela��o ao livro. 

J� com a metade da obra escrita (200 p�ginas), Melo Miranda esperava ir neste ano a campo: Alagoas e Ilha Grande, no Rio de Janeiro. Graciliano nasceu em Quebrangulo; foi prefeito de Palmeira dos �ndios, entre 1928 e 1930; e viveu em Macei� at� ser preso, em 1936. Deixou o estado natal como preso pol�tico de Get�lio Vargas e ficou encarcerado no pres�dio de Ilha Grande.

EXEMPLO 


Com a viagem adiada para o ano que vem, o bi�grafo espera finalizar o livro at� o fim de 2021. “Escrevendo sobre ele, vejo Graciliano como um exemplo excepcional, coerente e digno para o mundo de hoje. � dif�cil encontrar um escritor contempor�neo que tenha a mesma posi��o dele diante da escrita.”

Publicada em 1992, a tese de doutorado de Melo Miranda, Corpos escritos: Graciliano Ramos e Silviano Santiago, � um estudo pioneiro na reavalia��o da import�ncia de Mem�rias do c�rcere na obra do escritor alagoano. Ainda sobre ele, o acad�mico publicou em 2004 o ensaio Graciliano Ramos. 

“Graciliano traz tudo ao contr�rio da �poca em que vivemos. � uma pessoa de grande consci�ncia social, que nunca se dobrou aos poderosos, ao dinheiro. Depois que deixou de ser prefeito, viveu com o trabalho de escritor. Isto pelo menos me d� um pouco de alento para enfrentar este per�odo”, afirma Melo Miranda.


receba nossa newsletter

Comece o dia com as not�cias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, fa�a seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)