
De acordo com o Sistema Nacional de Registro de Estrangeiros (Sincre), em 2019, S�o Paulo tinha 361 mil imigrantes– cerca de 3% da popula��o da maior metr�pole brasileira. Diferentes viv�ncias e culturas inspiraram o cineasta paulistano Matias Mariani a rodar em sua terra natal o longa Cidade p�ssaro, que chega nesta ter�a-feira (22) ao cat�logo do Netflix, depois de estrear no Festival de Berlim e ser exibido na 44ª Mostra Internacional de Cinema de SP.
Amadi, um m�sico nigeriano, desembarca na capital paulista em busca do irm�o Ikenna, rompido com a fam�lia e desaparecido. O protagonista � interpretado por O. C. Ukeje, nascido na Nig�ria, assim como Chukwudi Iwuji, que assume o papel de Ikenna. Os atores compartilham o idioma igbo, falado em boa parte das cenas, assim como o ingl�s, dando ao longa dimens�o ainda mais internacional.
PARCERIAS O trabalho teve como coprodutora a MPM Films (de O cavalo de Turim, do h�ngaro B�la Tarr) e parceria da February Films, da produtora Junyoung Jung, de O hospedeiro, de Bong Joon-ho. Al�m disso, o pr�prio diretor, formado na NYU Tisch School of the Arts, nos EUA, colocou na hist�ria muito de sua pr�pria viv�ncia entre fronteiras.

“Quando tinha 18 anos, fiquei um pouco perdido. Entrei na faculdade de biologia sem saber o que fazer, pois n�o me identificava com o curso. Na �poca, uma tia minha ia muito para o Oeste da �frica – n�o para a Nig�ria, mais para os pa�ses franc�fonos. Dona de uma loja de tecidos e coisas africanas, ela me convidou para ir � �frica. Entre meus 18 e 25 anos, viajei muito para o Oeste africano. Ent�o, j� havia esse desejo de contar algo sobre isso”, revela Matias Mariani, de 41.
Cidade p�ssaro � o primeiro longa dirigido pelo produtor e roteirista. Embora seja fic��o estrelada por atores de carreira, o desenvolvimento do roteiro bebeu em fontes reais. “Queria contar sobre comunidades africanas se mudando para c�. Eu e a Ma�ra B�hler (uma das coautoras do roteiro) passamos seis meses dando aulas de portugu�s gratuitas para imigrantes no Centro de S�o Paulo. Logo na primeira aula, a sala j� estava lotada. Ent�o, pudemos ter essa troca”, revela o cineasta.
“Notamos que a maioria dos alunos era de origem igbo, do Sudeste da Nig�ria. Resolvemos ir at� l� fazer uma pesquisa. A hist�ria foi surgindo nessa via- gem. Ouvimos, por exemplo, o caso do nigeriano que vivia em Londres e tinha um caderno de anota��es com o qual pretendia resolver as corridas de cavalo para sempre ganhar a aposta. (O filme) Surgiu assim”, explica Mariani. Em Cidade p�ssaro, h� cenas gravadas no Jockey Club de S�o Paulo.
A curiosa metodologia para tentar prever os resultados no turfe � um dos tra�os da estranha personalidade do irm�o, fascinado por f�sica qu�ntica, que Amadi vai descobrindo em sua jornada investigativa. Enquanto ele segue pistas e conhece quem conviveu com Ikenna, como a cabeleireira Emilia (Indira Nascimento), a trama ganha doses de mist�rio, pois o desaparecido acreditava ser capaz de transformar o rumo dos acontecimentos a partir de seus conhecimentos sobre a ci�ncia.
BUSCA Embora a estada de Amadi em S�o Paulo seja permeada por dificuldades com a l�ngua portuguesa e pela opressora imensid�o da metr�pole, a hist�ria tem foco na busca pessoal, sem se aprofundar demais em aspectos relacionados � vida em outro pa�s.
Mariani explica que o time de roteiristas contou com a nigeriana Chika Anadu, diretora do filme B for boy (2013). “Seria importante a contribui��o de pessoas com hist�ria de vida e lugar de fala pr�ximos aos dos personagens. Da� a import�ncia da Chika Anadu para construir a cultura igbo de forma mais cr�vel”, destaca Matias.
“Fiz o oposto do que se costuma fazer em filmes com propostas parecidas sobre imigra��o. Queria atores profissionais e com carreira s�lida, at� porque era meu primeiro filme e quis trabalhar com um elenco que me desse grande seguran�a, como ocorreu”, diz.
O. C. Ukeje e Chukwudi Iwuji trabalham nos Estados Unidos, na Inglaterra e na Nig�ria. Dessa forma, Mariani p�de construir a abordagem que desejava. “Um dos motivadores foi a aus�ncia de narrativas sobre imigra��o no Brasil. Claro que existe, o cinema brasileiro � enorme, mas n�o � algo t�o significativo quanto em outras cinematografias”, diz..
O diretor destaca o exemplo de S�o Paulo. “Vista como cidade fundada por imigrantes, como Nova York, tanto se fala dos italianos e dos japoneses, mas muitas vezes esquecem os escravos africanos que constru�ram esta capital e o estado”, observa Mariani.
“Fala-se muito na migra��o nacional, mas pouco na internacional, sendo que, todos os dias, entra uma grande quantidade de africanos, latino-americanos e asi�ticos para fazer a vida em S�o Paulo. Sempre achei muito peculiar que isso n�o representasse um lugar na narrativa contempor�nea da cidade. Era um desejo meu tornar isso mais vis�vel”, argumenta o cineasta. A capital paulista, ali�s, � forte personagem do filme, com as paisagens imponentes do Centro e seus acinzentados cen�rios repletos de concreto.
PANDEMIA Os planos para depois da estreia no Festival de Berlim, em janeiro, foram impactados pela pandemia. Mariani temeu que seu longa de estreia “ficasse pelo caminho”. Por�m, a hist�ria ser� vista por espectadores em todos os continentes. “N�o por sorte, mas pelo bom trabalho da MPM Films, nos encaixamos em uma proposta da Netflix �frica, que est� promovendo conte�dos em l�nguas africanas”, revela.
O caminho sui generis desta produ��o brasileira deixa Mariani orgulhoso. “Por�m, isso tamb�m significa que o filme n�o seria exibido nos cinemas fora do Brasil. Como todo diretor, digo que isso d�i, de certa forma, mas � uma escolha acertada, que permite ao filme ser visto em mais de 170 pa�ses. � bonita a recep��o a ele na Nig�ria, onde muita gente tem falado sobre poder ver um filme em igbo”, conclui Matias Mariani.