
Pieces of a woman, primeiro longa-metragem em ingl�s do cineasta h�ngaro Korn�l Mundrucz�, que estreia nesta quinta (7/1), na Netflix, tamb�m � aberto com um plano-sequ�ncia. Mas, aqui, o vi�s � �ntimo, j� que se trata de um �nico ambiente, a resid�ncia de um casal.
Sala, banheiro e quarto, apenas, durante 24 minutos, sem cortes e dif�ceis de assistir. Mas, ao mesmo tempo, n�o conseguimos tirar os olhos do que se passa com as tr�s personagens. Participamos, com silenciosa afli��o, do supl�cio de Martha (Vanessa Kirby), que decidiu ter sua primeira filha em casa, ao lado do marido, Sean (Shia LaBeouf), e da doula Eva (Molly Parker).
E assim seguimos os passos das contra��es com intervalos cada vez menores, da bolsa arrebentada, da descoberta de que a doula escolhida n�o poderia participar, por isso outra seria enviada, dos batimentos do cora��o do beb�, da dor excruciante de Martha, sozinha na banheira, do parto dif�cil, e da alegria logo tornada trag�dia.
� a morte do beb� que vai desencadear a hist�ria desse longa sobre a dor e o luto de um casal, o que n�o demora a esfacelar uma fam�lia.

MELHOR ATRIZ
Com Martin Scorsese como produtor-executivo, Pieces of a woman teve premi�re em setembro passado, no Festival de Cinema de Veneza, que deu a Vanessa Kirby o pr�mio de melhor atriz. A int�rprete brit�nica de 32 anos, at� ent�o conhecida do grande p�blico como a princesa Margaret na primeira fase da s�rie The crown, � uma das apostas para o Oscar 2021.
A campanha da Netflix para a temporada de premia��es do cinema sofreu um baque recente. Em 11 de dezembro �ltimo, a cantora brit�nica FKA Twigs, que namorou Shia LaBeouf entre 2018 e 2019, entrou com um processo contra o ator em Los Angeles por agress�o e ass�dio sexual. Twigs relatou que LaBeouf tentou estrangul�-la enquanto ela dormia e que “conscientemente” passou uma doen�a sexualmente transmiss�vel a ela.
Ao The New York Times, o ator americano afirmou: "Tenho sido abusivo comigo mesmo e com todos ao meu redor h� anos. Tenho um hist�rico de ferir as pessoas mais pr�ximas de mim. Tenho vergonha dessa hist�ria e sinto muito por aqueles que magoei. N�o h� mais nada que eu possa dizer."
A campanha de lan�amento de Pieces of a woman tenta minimizar a participa��o de LaBeouf, coprotagonista da hist�ria. O ator n�o est� participando das entrevistas de divulga��o do filme e sua imagem n�o foi inclu�da no cartaz promocional, que focou apenas em Vanessa Kirby, na reprodu��o de uma cena entre ambos.
Na sess�o virtual de perguntas e respostas de que o Estado de Minas participou na tarde de quarta (6/1), o nome de LaBeouf n�o foi mencionado. Kirby, at� o momento, s� enviou um posicionamento, em nota publicada no The Times, de Londres. A atriz afirmou que "est� com todas as sobreviventes de abuso" e que respeita a "coragem de qualquer um que diga sua verdade". Tamb�m disse que "em rela��o �s not�cias recentes", n�o pode "comentar sobre um processo legal em andamento".
Pieces of a woman � um projeto pessoal de Korn�l Mundrucz� e sua mulher, a roteirista Kata W�ber. At� ent�o, os dois haviam feito juntos os filmes h�ngaros Deus branco (2014, vencedor da mostra Um Certo Olhar, em Cannes) e Lua de J�piter (2017), ambos com dire��o dele e roteiro dela. A narrativa nasceu de uma perda pessoal do casal de realizadores.
“Eu passei por uma hist�ria similar, mas n�o compar�vel com a do filme. Hesitei em dividir a experi�ncia sobre um aborto, mas foi quase uma terapia. (A perda de um filho) N�o � algo de que se fala muito, e o ato de quebrar esse sil�ncio teve um aspecto de cura. Eu n�o estava escrevendo somente sobre a perda, mas falando tamb�m de amor e de como uma pessoa pode se fortalecer. Eu me surpreendi com as mulheres com quem conversei, pois todas me falaram do legado de seus filhos”, afirmou Kata W�ber.
Korn�l Mundrucz� explicou que rodou o plano-sequ�ncia (que, na verdade, ficou ainda maior do que a vers�o editada no longa) no primeiro dia de filmagem. “O que est� no filme � o quarto take. Imaginei a sequ�ncia como a de um filme de a��o. Voc� planeja, planeja, planeja. Dividimos a cena como se fossem cap�tulos. Mas n�o fomos ao ensaio muito a fundo, pois ficamos com medo de perder o esp�rito da coisa na hora de rodar. No final, foi como um milagre, pois conseguimos fazer a sequ�ncia com liberdade e espontaneidade.”

FORTE
Vanessa Kirby, que nunca passou pela experi�ncia de um parto, viu em Martha a chance de fazer uma personagem com o peso que ela queria. Ao saber do papel, a atriz viajou de Londres para Budapeste para conhecer o casal.
“Li o roteiro em uma hora. De repente, me senti t�o forte com aquela hist�ria. E percebi que nunca tinha visto o nascimento no cinema filmado daquela maneira. Senti que era importante fazer o filme, mas, ao mesmo tempo, tive medo. � aterrorizante voc� tentar representar a experi�ncia de algu�m que perde um filho”, disse a atriz, que conversou com v�rias mulheres que passaram por situa��o semelhante e chegou a assistir um parto.
O drama � ambientado em Boston porque, na opini�o de Mundrucz�, a metr�pole norte-americana consegue unir o conservadorismo e o liberalismo. “� imposs�vel imaginar essa hist�ria na Alemanha, na Escandin�via. Achei mais f�cil imagin�-la nos EUA, pois esse embate � mais real. Boston tem uma popula��o judaica intelectualizada, e � uma cidade muito conservadora.”
Martha � filha de Elizabeth (Ellen Burstyn), que, quando crian�a, sofreu com a persegui��o aos judeus. A quest�o permeia seu dif�cil relacionamento com a m�e, uma mulher autorit�ria que nasceu em um parto solit�rio durante a ocupa��o nazista. Na vis�o de Elizabeth, embora ela n�o a explicite, a perda do beb� � um fracasso de Martha.
Com performances em alta combust�o, as duas mulheres se digladiam em cena. “Elizabeth n�o entende que a filha tem que lidar com o luto � maneira dela, e n�o da maneira que ela aprova”, comentou Burstyn.
“O problema da Martha n�o � com o marido, mas com a m�e”, acrescentou Mundrucz�. Em um embate com Martha, a personagem de Burstyn protagoniza um mon�logo memor�vel. “Ele foi sendo transformado, reescrito, e sab�amos que era um momento importante do filme. Quando finalmente chegamos a ele, foi m�gico. De vez em quando, voc� come�a a fazer uma cena e alguma coisa acontece. Voc� deixa de fazer a cena e ela come�a a se fazer sozinha. S�o momentos que n�o d�o para prever quando acontecem, mas fico feliz quando eles chegam”, comentou Burstyn.
O filme vai mostrando o luto em diferentes formas. O de Martha � solit�rio. Ao n�o conseguir dividir sua dor com ningu�m, tampouco com o marido, ela passa a se afastar de todos. Ao mesmo tempo em que sofre, tenta voltar � normalidade. Choca os companheiros de trabalho ao retornar para o escrit�rio poucos dias depois do parto, ainda que a blusa molhada de leite seja a tradu��o da situa��o que ela est� vivendo.
Impossibilitado de se comunicar com a mulher, Sean retorna aos velhos h�bitos, buscando no abuso de �lcool e drogas um escape. E Elizabeth, com a maneira de quem j� viu de tudo, tenta reparar a trag�dia por meio de um processo jur�dico contra a doula. N�o h� respostas prontas, tampouco um caminho f�cil, � o que a narrativa vai descortinando com um roteiro engenhoso que, em momento algum, resvala para o melodrama.
PIECES OF A WOMAN
De: Korn�l Mundrucz�. Com Vanessa Kirby, Shia LaBeouf e Ellen Burstyn. O filme estreia nesta quinta (7/1), na Netflix.