
Em 25 de fevereiro de 1964, Cassius Clay comemorou seu primeiro t�tulo mundial dos pesos-pesados, aos 22 anos, num modesto quarto de motel que aceitava negros na Fl�rida segregada, com tr�s grandes amigos: o ativista Malcolm X, o cantor e compositor Sam Cooke e o astro do futebol americano Jim Brown. A hist�ria real, lida no par�grafo de uma biografia do pugilista, virou fic��o na pe�a escrita por Kemp Powers, autor do roteiro de Uma noite em Miami. O filme, que marca a estreia na dire��o de longas da atriz Regina King, acaba de chegar � plataforma Amazon Prime Video. Est� cotad�ssimo para o Oscar, assim como os atores Eli Goree, Kingsley Ben-Adir, Leslie Odom Jr. e Aldis Hodge.
Em 2021, os Estados Unidos n�o t�m mais entradas separadas para negros e brancos nem o “Livro Verde”, guia de hot�is que aceitavam afro-americanos. Mas o assassinato de George Floyd e Breonna Taylor, entre tantos outros, mostra que as coisas n�o mudaram tanto quanto deveriam.
“Aguardo ansiosamente o dia em que esse filme ser� uma c�psula do tempo, n�o algo que reflete as coisas que acontecem � nossa volta”, diz Powers, tamb�m coautor e codiretor de Soul, atra��o da Disney%2b, que traz o primeiro protagonista negro de uma anima��o da Pixar.
ASSASSINATO Kemp Powers recorda que em 2013, quando lan�ou a pe�a Uma noite em Miami, o adolescente negro Trayvon Martin foi assassinado na Fl�rida.
Cassius Clay, que adotaria o nome de Muhammad Ali ao se juntar � Na��o do Isl� por influ�ncia de Malcolm X, poucos dias depois do encontro em Miami, sempre � visto como autoconfiante, sem papas na l�ngua. No filme, sua inseguran�a aparece. “N�s nunca o vimos t�o jovem”, diz Eli Goree, que interpreta o pugilista. “Ele n�o tem todas as respostas. E est� ali com as poucas pessoas no mundo que poderiam entender o que estava passando.”
O mentor espiritual de Clay, vivido por Kingsley Ben-Adir, tamb�m � visto como um ser humano, n�o como a figura por vezes controversa. “Regina e eu gostar�amos que as pessoas identificassem a humanidade dele. A raz�o pela qual � um her�i � porque sentia medo, mas ainda assim enfrentava (o racismo)”, diz Ben-Adir.
No roteiro, Malcolm X critica Sam Cooke (Leslie Odom Jr.) por se dedicar a m�sicas rom�nticas com o intuito de conquistar plateias brancas enquanto as pessoas lutavam pelos direitos civis nos EUA. Cooke se defende, dizendo que por ser dono de seus originais, faz dinheiro e pode dar oportunidade a outros negros.
“Minha ideia, com essa discuss�o, n�o � dizer que um est� certo e o outro errado”, explica Powers. “Tudo depende da situa��o. Estou refletindo sobre o meu conflito interno como homem negro nos EUA e no mundo ocidental. Precisamos de Sam Cooke e precisamos de Malcolm X. Precisamos de Malcolm X e de Martin Luther King, porque cada um deles provoca mudan�a de maneira diferente”, enfatiza o roteirista e dramaturgo.
Por isso, Aldis Hodge, que interpreta Jim Brown, a voz mais calma entre os quatro amigos, acha que o filme tem exemplos �teis ao atual momento. “Todos queriam o mesmo objetivo, mas tinham maneiras diferentes de chegar l�”, afirma Hodge. “Ver aquelas quatro pessoas poderosas num quarto tentando descobrir como trabalhar juntas � monumental. Quando digo poderosas, n�o � pelo dinheiro, mas pelo potencial de influ�ncia de cada uma delas. Ningu�m ficam dizendo estou certo, e voc� errado. � um retrato lindo de amor fraterno.”
FIC��O Ningu�m sabe ao certo o que os quatro discutiram naquela noite. Os di�logos e situa��es sa�ram da cabe�a de Kemp Powers, com base em muita pesquisa. O encontro marcou a transforma��o do quarteto. Clay anunciou sua entrada da Na��o do Isl�, organiza��o que Malcom X deixaria pouco depois, em 6 de mar�o. Jim Brown aposentou-se em 1966 para se dedicar exclusivamente ao cinema.
No filme, Sam Cooke comp�e A change is gonna come. Na verdade, ele j� tinha gravado essa can��o de protesto, mas o momento rende a cena poderosa em que Leslie Odom Jr. a canta no programa de Johnny Carson, grava��o real que se perdeu.
Odom Jr. tamb�m comp�s Speak now, com Sam Ashworth, que aparece nos cr�ditos finais e deve ser indicada ao Oscar de can��o original. (Estad�o Conte�do)
