
De um lado, salas fechadas em v�rias partes do mundo, Hollywood com produ��es paralisadas e lan�amentos adiados, grandes festivais cancelados ou adaptados para o formato on-line. De outro, os servi�os de v�deo sob demanda, que j� tornaram o termo streaming ultrapopular, consolidados como a nova realidade. Os meses de pandemia mudaram radicalmente o cinema. Por�m, que novas transforma��es podem ser vislumbradas a partir de agora, depois de todo o impacto vivido em 2020?
Para o cr�tico de cinema Inacio Ara�jo, ainda n�o h� essas respostas, mas j� � poss�vel enxergar alguns novos rumos. Diz sentir em sua pr�pria atividade as mudan�as trazidas pelos �ltimos tempos. Ministrado por ele em S�o Paulo desde 1999, o curso Cinema: hist�ria e linguagem, antes presencial, ter� vers�o totalmente on-line em 2021, via plataforma Zoom. As aulas semanais come�am em 15 de fevereiro e se estendem at� 20 de dezembro.
''O streaming se imp�s efetivamente durante a pandemia. Hoje, vejo muita coisa no Vimeo. H� um ou dois anos, eu detestava. Mas hoje, vejo''
Inacio Ara�jo, cr�tico de cinema
Al�m da possibilidade de contemplar interessados de qualquer local, In�cio Ara�jo diz que o streaming ampliou as possibilidades do conte�do exibido. “Uma vantagem � que o repert�rio de filmes que posso passar se torna maior. Quase todos que busco est�o dispon�veis, abertos, no YouTube ou em algum servi�o de streaming. Sempre come�o a aula por um filme e depois temos trechos de outros, com an�lises mais detidas daquele exibido”, explica.

O conte�do come�a em Lumi�re, M�li�s e primeiro cinema, seguindo para D.W. Griffith e o surgimento da linguagem cl�ssica, com os filmes base The lonely villa (1909) e The lonedale operator (1911). Passando por todo o s�culo 20, o curso visita a hist�ria do cinema brasileiro em quatro m�dulos, o �ltimo deles dedicado ao per�odo que vai dos anos 1990 at� aqui. O filme base ser� O som ao redor (2013), de Kleber Mendon�a Filho.
Cr�tico do jornal Folha de S. Paulo, Inacio explica que o objetivo � mostrar a hist�ria do cinema sob ampla perspectiva, mas dentro da impossibilidade de abra��-la totalmente em apenas um ano de aulas. “Praticamente excluo os document�rios e tamb�m o cinema oriental, com exce��o do Jap�o e mais alguma coisa ou outra. Sen�o o curso levaria tr�s anos”, diz.
“A ideia � ter uma abertura para que a pessoa se espalhe mais, se encontre e v� confirmar o pr�prio gosto, a pr�pria maneira de ver filme. � uma abertura que tento propor sobre onde as imagens surgiram, como surgiram, quem foram as pessoas que propiciaram isso at� o momento atual”, detalha.
O curso chega ao presente, que � analisado com cautela por ele. “O momento atual � de grande transforma��o, entre outras coisas, por causa da pandemia. A Netflix j� n�o necessita mais de empr�stimos, tinha uma d�vida enorme h� um tempo, mas hoje o streaming se tornou praticamente obrigat�rio”, observa. “Tamb�m temos a quest�o das s�ries, que tento introduzir a partir do David Lynch, que fez a magn�fica Twin Peaks.”

Ara�jo destaca que as mudan�as alteraram at� mesmo a forma como nos referimos ao cinema, hoje tratado como audiovisual, justamente por compreender possibilidades mais amplas.“O cinema sempre evoluiu a partir de evolu��es t�cnicas. H� 20 anos, a discuss�o era a passagem do negativo para o digital.
A partir de um momento, o negativo n�o evoluiu mais, enquanto o digital tinha muito a evoluir. Fot�grafos aprenderam a trabalhar com digital e hoje n�o h� problema nenhum. O streaming se imp�s efetivamente durante a pandemia. Hoje, vejo muita coisa no Vimeo. H� um ou dois anos, eu detestava. Mas hoje, vejo”, revela, referindo-se ao site de compartilhamento de v�deos.
Apesar de toda a efervesc�ncia no que diz respeito a formatos, In�cio Ara�jo rejeita exerc�cios de futurologia sobre o cinema p�s-pandemia. “Francamente, � complicado dizer, porque s�o transforma��es que n�o s�o s� do cinema. H� algum tempo, temos o deslocamento da vanguarda cinematogr�fica do Oeste para o Leste, ou seja, dos EUA, Fran�a e Europa para o Oriente. Abbas Kiarostami, a Coreia do Sul que venceu o Oscar, China e Taiwan, nesses �ltimos 25 anos, t�m apontado a maior parte dos caminhos ou est�o sempre antenados no que h� de mais relevante”, destaca.
“Al�m disso, h� a mudan�a de eixo econ�mico, que � a China como grande pot�ncia. No ano passado, o cinema da China j� faturou mais do que Hollywood. E a gente n�o faz ideia do que seja o filme que mais faturou (The eight hundred).”

Autor dos livros Hitchcock – O mestre do medo (Brasiliense) e Cinema – O mundo em movimento (Scipione), o cr�tico diz que a pandemia ainda n�o gerou filmes.
“As coisas est�o a�, existem, mas diretamente n�o vi nada. O �ltimo filme significativo que me interessou foi o indiano O tigre branco (Netflix). Serve para a �ndia e para o Brasil, � sobre pobreza e riqueza. Quanto � pandemia, ainda n�o vi algo que trata disso, todo mundo est� um pouco aturdido ainda. Claro que teve um document�rio �timo, que vi na Mostra de S�o Paulo, sobre como Wuhan conseguiu controlar a pandemia (Coronation, de Ai Weiwei), sendo o epicentro da doen�a, mas � preciso esperar. N�o sei se a Gripe Espanhola trouxe uma transforma��o nesse sentido. A doen�a em si n�o � algo dram�tico. Ela � horr�vel”, avalia.
Inacio aponta uma contradi��o no cinema do Brasil, onde os �ltimos anos foram marcados por grande escalada produtiva, com repercuss�o internacional, mas agora o setor enfrenta apreens�o e pessimismo devido � pol�tica cultural adotada pelo governo federal.
“H� no Brasil um cinema muito bom feito em v�rios estados e cidades, h� quem diga at� que � a melhor gera��o desde o Cinema Novo. Mas existe tamb�m uma enorme barreira para o p�blico mais amplo”, afirma. Ara�jo d� como exemplo o filme mineiro Ar�bia, que venceu o Festival de Bras�lia em 2017, mas somou apenas 5 mil espectadores. “Essa � uma quest�o que n�o conseguimos resolver. Tem a ver com o abismo cultural no Brasil.”
Lamentando o sucateamento do audiovisual brasileiro, Ara�jo diz que nem mesmo na ditadura militar o quadro era t�o adverso. “Bolsonaro n�o � 1964, quando havia um projeto militar. Eles n�o eram bobos. Hoje temos um Ex�rcito idiotizado nas figuras que aparecem. N�o h� projeto nenhum. Na ditadura pelo menos criaram a Embrafilme (1969), havia um projeto de expandir a cultura brasileira, com v�rias coisas question�veis, tinha censura. Mas hoje � um governo destrutivo, que veio para matar pessoas e acabar com tudo”, lamenta.
“O que fazem com a Cinemateca Brasileira � um crime sem nome. Mereciam ir a um tribunal internacional s� por isso, sem nem falar na pandemia. � acabar com um tesouro nacional. Hoje, o cinema brasileiro sobrevive porque conseguiu algum cr�dito no exterior”, ressalta.
Por outro lado, o cr�tico tem alguma esperan�a de que a adversidade possa render frutos. “� uma crise completa, da arte e do cinema. Uma perspectiva imediata muito ruim, mas � onde h� recurso da resist�ncia. � poss�vel fazer filme com um bom telefone celular, um ou dois refletores. � poss�vel fazer filme barato e apostar nos circuitos universit�rios, inventar novos festivais independentes”, conclui.
CINEMA: HIST�RIA E LINGUAGEM
Curso on-line ministrado por Inacio Ara�jo. De 15 de fevereiro a 20 de dezembro, com aulas �s segundas-feiras, das 19h30 �s 23h. Mensalidade: R$ 320. Informa��es: [email protected] e (11) 992440771 (WhatsApp). O programa das aulas est� dispon�vel aqui.