
Marie est� com cara de “j� vi essa hist�ria antes”. Ainda que o provoque – afinal, se quer ser chamado de apol�tico, por que seu pr�ximo filme ser� sobre Angela Davis? –, no fundo n�o est� interessada. J� que o filme foi baseado em sua pr�pria hist�ria, qual a raz�o de n�o agradecer a ela?
Quando Marie faz esta pergunta, chegamos ao cerne da quest�o e da longa DR que ser� desenvolvida dali por diante. Malcolm & Marie, filme de Sam Levinson que chegou este m�s � Netflix, �, em ess�ncia, um melodrama amoroso. Mas parece mascarar outras inten��es.
� um dos primeiros filmes da era COVID. A hist�ria em si n�o tem rela��o alguma com a pandemia, mas ele s� foi realizado quando a s�rie Euphoria, criada por Levinson para a HBO, teve de ser interrompida. O diretor convocou dois atores, Zendaya, a estrela da s�rie, e John David Washington, os levou para uma casa dos sonhos em Los Angeles e rodou o longa, que se passa em uma �nica noite. Tanto por isso, transpira intimidade.
Rodado em preto e branco, cada sequ�ncia parece um editorial da Vogue. � um texto forte que caberia muito bem nos palcos. Como realiza��o cinematogr�fica, suas quase duas horas t�m momentos explosivos. Mas ao realizar a mesma sequ�ncia – briga, pazes, briga, pazes –, revela-se cansativo.
Resumidamente, Malcolm (Washington, aqui com tom dram�tico que ainda n�o tinha sido colocado � prova desde Infiltrado na Klan, longa que o tornou conhecido) � um eg�latra. Cineasta negro em ascens�o, acabou de lan�ar seu filme sobre uma jovem viciada de 20 anos.
Marie, namorada do diretor, � ex-viciada com pretens�es a atriz. D� para sentir o lugar desconfort�vel em que Malcolm fica desde que ela, inspira��o para a personagem, se viu alijada de qualquer agradecimento p�blico ou participa��o no processo.
Veja o trailer:
Clima de vendeta esvazia ess�ncia do filme
A honestidade com que os dois atores exp�em o drama na tela � tocante, e Zendaya, mais uma vez, mimetiza o olhar do espectador. S� a cena em que a personagem ouve na banheira o namorado desfiar a s�rie de namoradas que tamb�m o inspiraram a compor sua protagonista j� vale o filme inteiro.
A quest�o � o entorno. Malcolm, a despeito das quest�es do relacionamento (a namorada tamb�m tem sua dose de culpa, vale dizer), s� tem olhos para o cinema. Sua argumenta��o se torna um extenso desfiar de diretores, estilos cinematogr�ficos e, principalmente, a cr�tica, que considera med�ocre. � pern�stico, para dizer o m�nimo.
A seguran�a de Malcolm vai abaixo quando recebe o aviso, pelo celular, da primeira cr�tica sobre o filme. Foi escrita por uma “garota branca do LA Times” (palavras dele) que lhe havia feito elogios logo ap�s a exibi��o. � um dos poucos momentos de humor do filme, quando o diretor descobre que tem que passar pelo paywall para ter acesso � cr�tica e n�o consegue achar seu cart�o de cr�dito.
A cr�tica, que ele l� com sarcasmo, � uma desculpa para o personagem continuar se autoelogiando, enquanto desfia a ignor�ncia que atribui � jornalista. A sequ�ncia se alonga demais, a despeito das �timas e inteligentes investidas de Marie para encerrar o assunto.
O longa anterior de Sam Levinson, Pa�s da viol�ncia (2018), foi execrado por Katie Walsh. “Uma tentativa malsucedida de coment�rio social”, escreveu ela, que, tal qual a personagem de quem Malcolm fala mal no filme, � uma cr�tica branca do jornal LA Times.
Coincid�ncia ou n�o, fato � que a quest�o fica parecendo vendeta de Levinson, que teria se vingado na fic��o do que ocorreu com ele na vida real. O que o espectador tem a ver com isso? Mais: isso acaba esvaziando a pr�pria ess�ncia do drama, que trata das dificuldades de relacionamento e de comunica��o.
MALCOLM & MARIE
. Dire��o: Sam Levinson
. Com Zendaya e John David Washington