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Estado de Minas HOMENAGEM

Devagar, devagarinho, Martinho da Vila espera o carnaval de 2022 chegar

Cantor e compositor, que ser� tema do desfile da Vila Isabel no ano que vem, espera a vacina, escreve livro e lamenta o sofrimento do brasileiro


17/02/2021 04:00 - atualizado 17/02/2021 08:56

O compositor no desfile da Vila Isabel no Sambódromo carioca, em 2010(foto: Sérgio Moraes/Reuters 2013 15/2/2010)
O compositor no desfile da Vila Isabel no Samb�dromo carioca, em 2010 (foto: S�rgio Moraes/Reuters 2013 15/2/2010)
Se n�o fosse a pandemia, o carnaval do novo coronav�rus seria o carnaval de Martinho da Vila. Em 2021, o cantor, compositor e escritor finalmente figuraria como personagem central de um enredo da sua escola, a Vila Isabel.

A azul e branco da Zona Norte carioca j� o exaltou em outros momentos, mas jamais dedicou um carnaval inteiro para contar a vida e a obra do sambista, autor de cl�ssicos que embalaram seus foli�es na avenida, como O sonho de um sonho, Pra tudo se acabar na quarta-feira e A Vila canta o Brasil celeiro do mundo: �gua no feij�o que chegou mais um (hino carnavalesco do �ltimo campeonato conquistado pela escola, em 2013, sobre a vida do homem no campo).

A COVID-19 se espalhou pelo mundo, ceifou 240 mil vidas no Brasil e levou ao cancelamento dos desfiles das escolas na Marqu�s da Sapuca�, adiando para 2022 a aguardada homenagem a seu baluarte.

Outra homenagem, mais reservada, veio na �ltima sexta-feira (12/2), quando o sambista, nascido em um s�bado de carnaval, completou 83 anos. O anivers�rio foi comemorado com um bacalhau no almo�o, marcado por mensagens afetuosas que chegaram dos quatro cantos do mundo.

Enquanto aguarda finalmente ser vacinado, Martinho praticamente n�o sai mais de sua resid�ncia, um condom�nio na Barra da Tijuca onde vive com a mulher, Cl�o, e dois filhos.

Ele costuma caminhar pela ciclovia, levando a vida “devagar e sempre”, evitando contato com o p�blico por conta do distanciamento social. “Gosto de falar com as pessoas e apertar a m�o, mas n�o d� mais”, lamenta o artista, que pertence � faixa et�ria mais vulner�vel aos efeitos da pandemia, que, segundo Martinho, “deixou o mundo louco”.

“O Brasil t� complicado, as coisas pioraram muito. Os contrastes sociais, a pobreza e a criminalidade aumentaram. Parece que estamos revivendo a Revolta da Vacina, e o presidente (Jair Bolsonaro) tamb�m ajuda nisso. O chefe ajuda e tem seus seguidores. O retrocesso est� ocorrendo de maneira clara. Acho que a gente vai ter de aturar ele (Bolsonaro) por mais tempo”, desabafa.

"O Brasil t� complicado, as coisas pioraram muito. Os contrastes sociais, a pobreza e a criminalidade aumentaram"

Martinho da Vila, cantor e compositor



As madrugadas pand�micas se transformaram em espa�o criativo para elaborar um livro de contos, batizado com o t�tulo provis�rio de Contos sensuais e algo mais. “S�o hist�rias atuais, de negritude, fam�lias negras, suburbanas, coisas que n�o aparecem muito”, antecipa.

Em um dos contos, uma bab� acaba se casando com o menino que criava. O livro de Martinho aguarda uma editora para ser lan�ado.

Em compasso de espera tamb�m est� o mundo do carnaval. Para Martinho, o adiamento dos festejos momescos, ainda que seja “chato”, foi uma decis�o acertada. “Fazer carnaval em julho, com este pa�s ainda sofrendo com a pandemia, n�o ia ser legal. A gente t� vivendo tudo diferente, essa confus�o total, a gente n�o t� nem com a cabe�a muito carnavalesca. No ano que vem, j� vai dar pra fazer legal, vai ser bom”, diz o compositor.

"Fazer carnaval em julho, com este pa�s ainda sofrendo com a pandemia, n�o ia ser legal. A gente t� vivendo tudo diferente, essa confus�o total"

Martinho da Vila, cantor e compositor



A Vila Isabel � uma filha para ele. “O desfile � uma obriga��o que eu cumpro, uma miss�o, porque tenho de alegrar as pessoas. Alegro, me divirto, exer�o minha capacidade criativa no samba-enredo. Agora, no pr�ximo carnaval, n�o sei como vou me comportar. N�o sei se olho pra cima, pra baixo, se aplaudo, se canto”, revela o autor de Canta, canta minha gente.

"No pr�ximo carnaval, n�o sei como vou me comportar. N�o sei se olho pra cima, pra baixo, se aplaudo, se canto"

Martinho da Vila, cantor e compositor



Em condi��es normais, a realidade seria outra: a Marqu�s de Sapuca� veria passar, mais uma vez, os carros aleg�ricos da Vila Isabel. Mas a pandemia trouxe outro cen�rio. As alegorias e fantasias da escola est�o todas desenhadas no papel, mas n�o houve trabalho no barrac�o.
 
Martinho da Vila na quadra da Vila Isabel, em registro de 2018. A escola vai homenageá-lo na avenida em 2022 (foto: MARCOS HERMES/DIVULGAÇÃO)
Martinho da Vila na quadra da Vila Isabel, em registro de 2018. A escola vai homenage�-lo na avenida em 2022 (foto: MARCOS HERMES/DIVULGA��O)

 
 

Primeira vit�ria da Vila Isabel foi em 1988


O primeiro campeonato da Vila na elite do samba veio em 1988, no centen�rio da Aboli��o, com Kizomba festa da ra�a, antol�gico samba de Luiz Carlos da Vila que surgiu de um enredo elaborado por Martinho.

Na ocasi�o, a Vila Isabel proporcionou um espet�culo inesquec�vel de exalta��o � ra�a regra, de empolga��o e de samba puro, sem precisar recorrer a luxuosos artif�cios nem a efeitos especiais. Encantou o Brasil.

A Vila foi palco de um �pico desfile de celebra��o da cultura negra, com capoeira e dan�a de jongo, homenagens a Mandela, Martin Luther King e o grito entoado no refr�o “de que o apartheid se destrua!”. O regime segregacionista na �frica do Sul acabaria tr�s anos depois.

“A vit�ria foi n�o s� da Vila, mas do movimento negro. Foi completamente uma catarse, porque falei com o carnavalesco: ‘Temos de fazer um carnaval diferente, podemos tirar esses resplendores das costas das pessoas, esses pesos na cabe�a, vamos fazer uma escola mais leve, diminuir esses brilhos, fizemos uma escola r�stica'. Foi muito incr�vel”, relembra Martinho.

A vit�ria da Vila impediu o tricampeonato da Mangueira, que acabou penalizada pelo j�ri em comiss�o de frente. Comiss�o que deveria contar com a presen�a de Martinho, que n�o refor�ou a constela��o de estrelas negras que abriu o desfile da verde e rosa, composta por Grande Otelo, Djavan, Gl�ria Maria, Ruth de Souza e Jo�o do Pulo.

“Me falaram que iam me pegar para levar pro desfile, mas ningu�m apareceu. Dona Zica ficou brava, expliquei bastante, mas n�o ficou nenhuma m�goa”, garante o compositor.

Oito anos antes, em 1980, Martinho j� tinha proporcionado outro grande momento � hist�ria dos desfiles, com Sonho de um sonho. Cada samba � diferente, tem suas particularidades, mas ele confidencia que este talvez seja o seu favorito.

Versos enfrentaram a ditadura militar


Em plena ditadura militar, os componentes da Vila cantaram um dos mais belos versos da hist�ria do g�nero: “Na limpidez do espelho s� vi coisas limpas/ Como uma lua redonda brilhando nas grimpas/ Um sorriso sem f�ria, entre o r�u e o juiz/ A clem�ncia, a ternura/ Por amor da clausura/ A pris�o sem tortura/ Inoc�ncia feliz/ Ai meu Deus, falso sonho que eu sonhava.”

O que acharam os militares? “N�o se tocaram, quando viram j� tava l�”, ri Martinho. “Desfilar com o pr�prio samba � uma coisa fant�stica. J� fiz muita coisa, mas ainda tenho muita coisa pra fazer, mas n�o sei o qu�”, comenta.

Do sonho de um sonho para o sonho de um carnaval p�s-pandemia… O negro rei da Vila Isabel diz que, mesmo com o desfile adiado, j� est� preparando a cabe�a para a homenagem na Sapuca�.

“Quero ir pra avenida como se fosse um simples componente, vou cantar a homenagem a um compositor de quem eu gosto”, avisa. “O carnavalesco me disse: ‘Vou te passando as coisas pelas redes, e eu falei: Amigo, n�o queria participar (do desenvolvimento do desfile)’. Porque o homenageado recebe a homenagem, tem de ter uma surpresa. Estou deixando assim.” (O Estado de S. Paulo).



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