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Mona Lisa: a cadeira escondida que transforma o significado da obra-prima de Da Vinci

Pintura de 1503 de Leonardo Da Vinci � a obra de arte mais famosa do mundo; conhe�a uma perspectiva nova sobre o significado desse �cone das artes.


03/03/2021 09:39 - atualizado 03/03/2021 10:55


Mona Lisa é a obra mais visitada no Museu do Louvre, em Paris(foto: Getty Images)
Mona Lisa � a obra mais visitada no Museu do Louvre, em Paris (foto: Getty Images)

Algumas coisas s�o t�o �bvias que acabam passando despercebidas.

E isso pode acontecer at� em uma imagem onipresente como a Mona Lisa.

O retrato emblem�tico de Leonardo Da Vinci, feito em 1503, estrelado por Lisa del Giocondo, uma mulher de 24 anos, m�e de cinco filhos e esposa de um rico comerciante de seda florentino, � a obra de arte mais famosa do mundo.

No entanto, quantos de n�s j� notamos conscientemente o objeto na pintura que aparece mais perto do observador do que qualquer outro: a cadeira em que a mulher misteriosa est� sentada?

Ainda que seja a �nica coisa que a modelo de Leonardo agarra com a m�o (literalmente todos os dedos de sua m�o a tocam ou apontam para ela), a cadeira parece ser o aspecto mais esquecido da pintura.

Escondida, mas � vista de todos, ela tamb�m pode ser a seta que aponta o caminho para os significados mais profundos da obra.

Al�m do sorriso


A obra é uma das mais fotografadas no museu, mas ainda preserva alguns mistérios(foto: Getty Images)
A obra � uma das mais fotografadas no museu, mas ainda preserva alguns mist�rios (foto: Getty Images)

Durante s�culos, nossa aten��o se concentrou em outra parte do pequeno painel de �leo sobre choupo (77 x 53 cent�metros) que Da Vinci nunca terminou por completo e sobre o qual, acredita-se, ele continuou a trabalhar obsessivamente at� sua morte em 1519.

A preocupa��o com o sorriso inescrut�vel de Mona Lisa � quase t�o antiga quanto a pintura, remontando pelo menos � rea��o do lend�rio escritor e historiador renascentista Giorgio Vasari, que nasceu alguns anos depois de Da Vinci come�ar a trabalhar no quadro.

"A boca, com a sua abertura e as suas pontas unidas pelo vermelho dos l�bios �s tonalidades da carne do rosto", observou Vasari na sua c�lebre obra Vidas dos mais destacados pintores, escultores e arquitetos.

"Pareciam, na verdade, n�o serem cores, mas a pr�pria pele (...) do fundo da garganta, se voc� olhasse com aten��o, dava para ver a batida do pulso", escreveu.

E concluiu: "Nesta obra de Leonardo havia um sorriso t�o agrad�vel que era algo mais divino do que humano de se contemplar, e foi considerado algo maravilhoso, no sentido de que era algo vivo".

O fascinante mist�rio do sorriso de Mona Lisa e como Leonardo magicamente o aproveitou para criar "algo mais divino do que humano" e ainda "nada mais e nada menos do que vivo" acabaria sendo muito intenso para muitos.

Alfred Dumesnil, cr�tico de arte franc�s do s�culo 19, confessou achar o paradoxo da pintura completamente paralisante.

Em 1854, ele afirmou que o "sorriso � cheio de atrativos, mas � a atra��o trai�oeira de uma alma doente que retrata a loucura".

"Este olhar, t�o suave mas ganancioso como o mar, devora."


O sorriso de Gioconda é muito estudado, mas outros aspectos da obra também levantam dúvidas entre historiadores e teóricos da arte(foto: Getty Images)
O sorriso de Gioconda � muito estudado, mas outros aspectos da obra tamb�m levantam d�vidas entre historiadores e te�ricos da arte (foto: Getty Images)

Se for para acreditar na lenda, a "atra��o trai�oeira" do sorriso insol�vel da Mona Lisa tamb�m consumiu a alma de um aspirante a artista franc�s chamado Luc Maspero.

De acordo com o mito popular, Maspero, que supostamente terminou seus dias se jogando da janela de seu quarto de hotel em Paris, foi levado a uma distra��o destrutiva pelos sussurros mudos dos l�bios extasiados de Mona Lisa.

"Durante anos lutei desesperadamente com seu sorriso", ele teria escrito no bilhete que deixou para tr�s. "Prefiro morrer."

M�os e p�lpebras

No entanto, nem todo mundo se contentou em localizar o centro da m�stica magnetizante da Mona Lisa em seu sorriso enigm�tico.

O escritor vitoriano Walter Pater acredita que � a "delicadeza" com que suas m�os e p�lpebras foram pintadas que nos paralisa e nos hipnotiza para que acreditemos no poder sobrenatural da obra.

"Todos n�s conhecemos o rosto e as m�os da figura", observou ele em um artigo sobre Da Vinci em 1869, "naquele c�rculo de pedras fant�sticas, como em uma luz fraca sob o mar."

Pater passa a meditar sobre a Mona Lisa de maneira singularmente intensa. Em 1936, o poeta irland�s William Butler Yeats usou em um poema uma frase da descri��o de Pater, dividindo-a em versos livres.

A passagem que Yeats n�o pode deixar de responder come�a assim: "� mais antigo do que as rochas em que se senta; como o vampiro, morreu muitas vezes e aprendeu os segredos da tumba; mergulhou em mares profundos e guarda seus �ltimos dias ao seu redor; ela traficou atrav�s de redes estranhas com mercadores orientais e, como Leda, ela era a m�e de Helena de Tr�ia, e, como Santa Ana, a m�e de Maria; e tudo isso era para ela como um sonar de liras e flautas."


Os dedos de Mona Lisa tocam a cadeira(foto: Getty Images)
Os dedos de Mona Lisa tocam a cadeira (foto: Getty Images)

O retrato "vive", conclui Pater, "na delicadeza com que moldou os tra�os mut�veis %u200B%u200Be tingiu as p�lpebras e as m�os".

A descri��o de Pater ainda surpreende. Ao contr�rio de Dumesnil e do infeliz Maspero antes dele, Pater v� al�m da armadilha sedutora do sorriso do retrato.

A pintura est� fixada em uma vitalidade maior que se infiltra nas profundezas da superf�cie.

Ao argumentar que a pintura representa uma figura suspensa em um vaiv�m incessante entre o aqui e agora e algum reino de outro mundo, Pater aponta para a ess�ncia m�stica do apelo perene da pintura: seu senso surreal de fluxo eterno.

Como Vasari, Pater testemunha uma presen�a pulsante e transpirante — "caracter�sticas mut�veis" — que transcende a materialidade inerte do retrato.

A �gua

A chave para a for�a da linguagem de Pater � a insist�ncia em imagens aqu�ticas que refor�am a fluidez do ser elusivo da modelo ("luz fraca no fundo do mar", "submerso em mares profundos" e "traficado... com mercadores orientais"), como se a Mona Lisa fosse uma fonte viva e inesgot�vel de �gua, uma ondula��o sem fim nos redemoinhos intermin�veis %u200B%u200Bdo tempo.

Talvez seja. H� raz�es para pensar que tal leitura, que v� a modelo como fonte de eterno ressurgimento que muda de forma, � exatamente o que Leonardo pretendia.

Flanqueado em ambos os lados por corpos d'�gua fluentes e que o artista habilmente posiciona de forma a sugerir que s�o aspectos da personalidade da modelo, o tema de Da Vinci tem uma qualidade estranhamente subaqu�tica que � acentuada pelo vestido verde-alga.

A Mona Lisa usa uma segunda pele de anf�bio que se torna mais e mais escura com o tempo.

A cadeira

Virando ligeiramente o olhar para a esquerda, � poss�vel ver que Mona Lisa n�o est� sentada em um banquinho qualquer, mas no que � popularmente conhecido como cadeira pozzetto.

Significando "pequeno po�o", o pozzetto introduz um simbolismo sutil na narrativa que � t�o revelador quanto inesperado.


A Mona Lisa não faz parte da paisagem, ela é a paisagem, segundo estudiosos(foto: Getty Images)
A Mona Lisa n�o faz parte da paisagem, ela � a paisagem, segundo estudiosos (foto: Getty Images)

De repente, as �guas que vemos serpenteando em um movimento labir�ntico atr�s da Mona Lisa (sejam elas de uma paisagem real, como o vale do rio italiano Arno, como alguns historiadores acreditam, ou inteiramente imagin�rias, como outros argumentam) n�o s�o mais est�o distantes e desconectados da modelo, mas um recurso essencial que sustenta sua exist�ncia. Eles literalmente fluem para ela.

Ao colocar a Mona Lisa dentro de um "pequeno po�o", Da Vinci a transforma em uma dimens�o sempre flutuante do universo f�sico que ela ocupa.

Martin Kemp, historiador da arte e importante especialista em Da Vinci, tamb�m detectou uma conex�o fundamental entre a representa��o da Mona Lisa e a geologia do mundo em que ela habita.

"O artista n�o estava literalmente retratando o Arno pr�-hist�rico ou o futuro", afirma Kemp em um estudo sobre o artista, "mas estava moldando a paisagem da Mona Lisa com base no que havia aprendido sobre a mudan�a no 'corpo da Terra' para acompanhar as transforma��es impl�citas no corpo da mulher como mundo menor ou microcosmo".

A Mona Lisa n�o est� sentada diante de uma paisagem. Ela � a paisagem.

O significado do po�o

Como acontece com todos os s�mbolos visuais usados %u200B%u200Bpor Leonardo, a cadeira pozzetto � multivalente e serve mais do que simplesmente uma liga��o entre Mona Lisa e o conhecido fasc�nio do artista pelas for�as hidrol�gicas que moldam a Terra.

A sugest�o sutil de um "pequeno buraco" na pintura como o canal atrav�s do qual a Mona Lisa emerge � consci�ncia reposiciona completamente a pintura no discurso cultural.


O símbolo do poço é comum, como na obra
O s�mbolo do po�o � comum, como na obra "Cristo e a Samaritana", de Duccio di Buoninsegna (1310-1311) (foto: Getty Images)

Este n�o � mais apenas um retrato secular, mas algo espiritualmente mais complexo.

As representa��es de mulheres "junto ao po�o" s�o um marco na hist�ria da arte ocidental.

As hist�rias do Antigo Testamento de Eliezer encontrando Rebecca em um po�o e Jacob com Rachel no po�o se tornaram especialmente populares nos s�culos 17, 18 e 19.

Al�m disso, as representa��es ap�crifas da Anuncia��o no Novo Testamento (o momento em que o arcanjo Gabriel informa � Virgem Maria que ela dar� � luz a Cristo) ao lado de uma fonte eram comuns entre os ilustradores de manuscritos medievais e podem at� ter inspirado o retrato mais antigo de Maria.

Como um emblema infinitamente el�stico, como sugere Walter Pater, a Mona Lisa � certamente capaz de absorver e refletir todas essas resson�ncias e muito mais. N�o h� ningu�m al�m dela.


A água é um elemento fundamental para entender a Mona Lisa, a grande obra de Leonardo Da Vinci(foto: Getty Images)
A �gua � um elemento fundamental para entender a Mona Lisa, a grande obra de Leonardo Da Vinci (foto: Getty Images)

'�gua Viva'

Mas talvez o paralelo mais pertinente entre a Mona Lisa de Da Vinci e os precursores pict�ricos seja aquele que pode ser tra�ado com as muitas representa��es de um epis�dio b�blico em que Jesus se encontra em um po�o, tendo uma conversa enigm�tica com uma mulher samaritana.

No Evangelho de S�o Jo�o, Jesus faz uma distin��o entre a �gua que pode ser tirada da nascente natural e a "�gua viva" que ele pode fornecer.

Enquanto a �gua de um po�o s� pode sustentar um corpo perec�vel, a "�gua viva" � capaz de saciar o esp�rito eterno.

As representa��es not�veis %u200B%u200Bda cena pelo pintor italiano medieval Duccio di Buoninsegna e pelo mestre renascentista alem�o Lucas Cranach, o Velho, tendem a colocar Jesus diretamente na parede do po�o, sugerindo seu dom�nio sobre os elementos fugazes deste mundo.

No entanto, ao colocar seu modelo metaforicamente no po�o, Da Vinci confunde a tradi��o e sugere, em vez disso, uma fus�o dos reinos material e espiritual, um borr�o do aqui e do al�m, em um plano compartilhado de cria��o eterna.

Na emocionante narrativa de Da Vinci, a pr�pria Mona Lisa � uma onda milagrosa de "�gua viva", serenamente contente por estar ciente de seu pr�prio infinito intenso.

Leia o texto original no site da BBC Culture.


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