
Os cientistas dizem que tubar�es e arraias est�o desaparecendo dos oceanos a uma taxa "alarmante" em todo o mundo.
Sua popula��o reduziu 71% ao longo de meio s�culo, de acordo com um estudo recente, e tr�s quartos das esp�cies estudadas est�o amea�adas de extin��o.
A BBC conversou com a vi�va de Peter Benchley, autor do livro que inspirou o enorme sucesso do filme Tubar�o, de 1975, sobre como a imagem negativa dos tubar�es gerada por seu trabalho atormentou Benchley ao longo da vida e o levou a fazer campanha pela preserva��o desses animais.
Poderia ter sido um final tr�gico e ir�nico para Peter Benchley naquele dia ensolarado de 1974.Ap�s o imenso sucesso de seu livro Tubar�o, lan�ado no mesmo ano, o escritor americano participava de um document�rio para a TV sobre tubar�es na Austr�lia.
Durante um mergulho em gaiola, Benchley quase foi morto por um tubar�o-branco — acidentalmente.
"Peter estava na gaiola e a tripula��o do barco jogou carne de cavalo na �gua como isca para os tubar�es", contou Wendy Benchley, vi�va do escritor, � BBC.
"Este belo tubar�o-branco veio dar uma mordida, mas n�o acertou a carne e ficou com a corda que segurava a gaiola presa em sua boca."
"Enquanto as pessoas continuavam a filmar, a gaiola foi virada de cabe�a para baixo, para frente e para tr�s. Eu agarrei a corda e a arranquei dos dentes do tubar�o."
"Acho que salvei a vida de Peter naquele dia", acrescenta ela com uma risada.
Wendy, que � conservacionista marinha e ativista ambiental, diz que o tubar�o passou mais de meia hora nadando casualmente nas proximidades.

Fen�meno cultural
O livro de Benchley vendeu cerca de 20 milh�es de c�pias em todo o mundo, mas o filme de mesmo nome, lan�ado mundialmente em 1975, se tornou a primeira produ��o a arrecadar US$ 100 milh�es de bilheteria.
Dirigido pelo ent�o iniciante Steven Spielberg com roteiro coescrito por Benchley, Tubar�o ainda � um dos filmes de maior bilheteria de todos os tempos.
Mas esse sucesso viria a atormentar a consci�ncia de Benchley at� sua morte em 2006.
"Sabendo o que sei agora, eu nunca poderia escrever aquele livro hoje", afirmou o autor em uma entrevista para promover uma edi��o comemorativa de Tubar�o em 2005.
Sua hist�ria sobre um tubar�o-branco assassino que aterroriza a ilha fict�cia de Amity nos Estados Unidos teve um efeito profundo na reputa��o do animal — e s�rias consequ�ncias.
Podemos v�-los como um predador perigoso, mas na verdade s�o os tubar�es que t�m muito mais a temer em rela��o � atividade humana. Uma combina��o da intensa pesca comercial, da ca�a desportiva e das mudan�as clim�ticas amea�a suas popula��es em todo o mundo.
Sua sobreviv�ncia est� se tornando cada vez mais prec�ria.

A ONG Uni�o Internacional para a Conserva��o da Natureza (IUCN, na sigla em ingl�s) diz que atualmente cerca de 80 das mais de 480 esp�cies de tubar�o s�o classificadas como "amea�adas" — incluindo os tubar�es-brancos t�o difamados na obra.
Em julho deste ano, uma rede de bi�logos marinhos de todo o mundo publicou os resultados de um estudo de cinco anos que mostrou que os tubar�es estavam "funcionalmente extintos" em cerca de 20% dos recifes de coral do mundo, que s�o ecossistemas marinhos essenciais.
Os tubar�es desempenham um papel importante na vida do oceano como predadores, controlando as esp�cies abaixo deles na cadeia alimentar, algo que os Benchley conheciam bem.
"Peter e eu aprendemos muito sobre tubar�es e tamb�m tivemos a chance, em todos esses anos, de falar sobre sua import�ncia para o oceano", diz Wendy.
Ca�ados e amea�ados
Os arrependimentos do seu falecido marido come�aram apenas alguns meses ap�s o lan�amento do filme em 1975. O sucesso do longa gerou um frenesi de ca�a aos tubar�es nos Estados Unidos.
"Milhares de pescadores come�aram a capturar tubar�es como trof�u depois de ver Tubar�o", escreveu George Burgess, renomado especialista em tubar�es, em 2015.
Para piorar a situa��o, a pesca comercial em grande escala se tornou o terror das popula��es de tubar�es a partir da d�cada de 1980.

Em 2013, um estudo publicado na revista cient�fica Marine Policy estimou que o n�mero m�dio de tubar�es mortos a cada ano em todo o mundo era de cerca de 100 milh�es.
Os tubar�es s�o cobi�ados principalmente por causa de suas barbatanas, usadas para fazer sopa em v�rios pa�ses, mas tamb�m s�o um efeito colateral da pesca em larga escala.
E, diferentemente do que � retratado em Tubar�o, esses animais raramente s�o uma amea�a para os humanos.
O International Shark Attack File, um banco de dados administrado pela Universidade da Fl�rida, nos EUA, registrou apenas cinco mortes em 64 casos de ataques de tubar�o sem provoca��o em todo o mundo em 2019.
Wendy diz que seu falecido marido se sentia especificamente culpado pela representa��o dos tubar�es como uma criatura que guardava rancor dos humanos.
"Era a d�cada de 1970 e as pessoas realmente n�o sabiam muito sobre tubar�es. No mundo ocidental, o que as pessoas pensavam era que tubar�o bom, era tubar�o morto", explica.
"Peter colocou o conhecimento que tinha no livro e, � claro, o tornou o mais emocionante que p�de."
"Mas depois Spielberg levou as coisas para outro patamar e fez um �timo filme de a��o."

As ressalvas de Benchley
Benchley, de acordo com sua vi�va, gostou da adapta��o do livro para o cinema, mas mais tarde expressaria publicamente suas ressalvas sobre as mudan�as feitas na hist�ria original.
"Havia elementos do filme que Peter gostaria de ver minimizados."
"O mais importante � que ele sentiu que Steven deu ao tubar�o muita (�ndole de) vingan�a e alguma intelig�ncia."
Wendy conta que, acima de tudo, o casal ficou "horrorizado" com algumas rea��es do p�blico a Tubar�o.
"Grande parte da rea��o ao livro e ao filme foi dizer que tubar�es s�o monstros."
Motivados pela repercuss�o, os Benchley embarcariam em uma campanha para defender os tubar�es nas d�cadas seguintes.
Eles se envolveram com uma s�rie de organiza��es ambientais, ajudaram a produzir document�rios sobre a vida selvagem e viajaram pelo mundo dando palestras.
O casal tamb�m fez parte de uma campanha na China no in�cio dos anos 2000 que destacou o impacto da ca�a de tubar�o — Wendy Benchley afirma que isso ajudou a reduzir drasticamente o consumo de sopa de barbatana de tubar�o no pa�s.

Um legado esquecido
Mas a ambientalista acredita que o livro e o filme tamb�m tiveram um efeito positivo, ao despertar o interesse de mais gente pelos tubar�es e pelo ambiente marinho em geral.
"Peter recebeu milhares de cartas de pessoas dizendo que, se n�o fosse por Tubar�o, elas nunca saberiam que o oceano era um lugar t�o emocionante."
"Ele se sentiu bem no final", diz ela.
Os Benchley nunca perderam o fasc�nio pelos superpredadores do oceano e continuaram a buscar intera��es com eles.
Peter e Wendy at� comemoraram seu 40º anivers�rio de casamento em 2005 nadando com tubar�es-brancos perto da Ilha de Guadalupe, no M�xico, um ano antes de Peter morrer de doen�a pulmonar.
"Alguns deles chegaram t�o perto que pod�amos toc�-los", lembra Wendy.
"Sempre � uma experi�ncia incr�vel ver essas belas criaturas."
Para promover a conserva��o dos oceanos, Peter Benchley tamb�m publicou obras de n�o-fic��o sobre tubar�es, mas alguns de seus outros trabalhos atra�ram cr�ticas.
Depois de Tubar�o, ele escreveu mais livros sobre amea�as n�uticas, particularmente um sobre uma lula gigante que amea�ava as ilhas Bermudas no Caribe (A Besta, 1991) e a hist�ria de um h�brido humano/tubar�o geneticamente criado pelos nazistas, que � acidentalmente solto no Atl�ntico (White Shark, 1994).
Ambos foram adaptados para as telas, para TV e cinema respectivamente, mas nenhum alcan�ou o sucesso de Tubar�o.
'Tubar�o' e lockdown
Wendy defende o legado do livro Tubar�o como uma hist�ria de como os humanos se comportam diante dos desafios apresentados pela natureza.
"O livro era muito mais sobre como as pessoas reagem a uma amea�a que n�o conhecem e contra a qual n�o sabem como se defender", ressalta.

Ela acredita que Peter Benchley teria ficado muito lisonjeado com a men��o de seu livro mais famoso em reportagens de jornais americanos e europeus durante a pandemia de covid-19. Alguns artigos tra�aram paralelos entre como as autoridades da fic��o e do mundo real lidam com uma grande crise.
Wendy Benchley menciona especificamente a hist�ria de Larry Vaughn, o prefeito da ilha fict�cia de Amity, que insiste em manter as praias abertas apesar dos incidentes com tubar�es. Ele n�o quer assustar os turistas durante as f�rias de ver�o, o que prejudicaria a economia local.
"(A covid-19) � uma amea�a invis�vel que voc� n�o pode controlar e que est� em todo o mundo", diz ela.
"E como as pessoas se comportam? No meu pa�s, alguns — como o presidente (Donald Trump) — decidiram ignorar."
"Eles v�o manter os neg�cios abertos e deixar as pessoas morrerem, assim como o prefeito de Amity", conclui.
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