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Estado de Minas FOTOGRAFIA

Sebasti�o Salgado: 'Trabalhar na Amaz�nia foi como trabalhar no para�so'

Novo livro do renomado fot�grafo ser� lan�ado ainda em 2021 e re�ne imagens de rios a�reos, montanhas e comunidades ind�genas da parte brasileira da floresta


15/03/2021 04:00 - atualizado 15/03/2021 07:02

Sebastião Salgado, durante sete anos, fotografou rios aéreos, montanhas e comunidades indígenas da Amazônia brasileira. Imagens do novo trabalho serão lançadas em livro
Sebasti�o Salgado, durante sete anos, fotografou rios a�reos, montanhas e comunidades ind�genas da Amaz�nia brasileira. Imagens do novo trabalho ser�o lan�adas em livro (foto: Capit�o Felipe Reichert/Divulga��o)

Depois de tanto captar a natureza humana por meio de suas lentes, h� alguns anos o renomado fot�grafo brasileiro Sebasti�o Salgado passou a ver a vida de um novo �ngulo, observando mais as outras esp�cies. Seu primeiro trabalho ap�s essa mudan�a foi lan�ado em 2013, com o livro “G�nesis”, quando foi atr�s dos lugares mais intocados do planeta. O novo projeto veio em seguida, constitu�do 100% em solo brasileiro, e ser� apresentado no pa�s no pr�ximo semestre (entre agosto e setembro), em obra que re�ne um conjunto de fotografias feitas durante sete anos de expedi��es na Amaz�nia brasileira.

Neste novo livro, Salgado conta que captou montanhas, povos ind�genas e at� rios a�reos. “A Amaz�nia � o grande para�so terrestre, um dos lugares mais impressionantes e mais bonitos. Para mim, foi como trabalhar no para�so durante estes �ltimos sete anos da minha vida. Foi colossal, fant�stico”, diz.

Sebasti�o Salgado conversou com a reportagem diretamente da It�lia, onde estava imprimindo as p�ginas do novo livro. Ele falou, ainda, do Instituto Terra, criado por ele e sua esposa, L�lia Deluiz Wanick Salgado, em 1998, depois que o fot�grafo voltou de um duro trabalho que gerou “�xodos”. Entre os tristes momentos vividos por ele naquela �poca est� o genoc�dio em Ruanda, quando 800 mil pessoas foram mortas em 100 dias. "O que eu vi em Ruanda foi t�o horr�vel que queria abandonar a fotografia", afirma.

O fot�grafo voltou ao Brasil em busca por um descanso na fazenda Bulc�o, em Aimor�s, no Vale do Rio Doce , que at� ent�o era dos pais e que foi repassada a ele. Mas, no local, encontrou uma terra arrasada, fruto de anos de explora��o pecu�ria. “A terra estava muito cansada, muito erodida. Estava doente, quase como eu estava doente”, conta. Tudo mudou com uma ideia de L�lia: transformar aquele espa�o em floresta. O objetivo inicial era plantar de 2 milh�es a 2,5 milh�es de �rvores. Mas os dois foram muito al�m disso.

"� uma pena que os brasileiros desconhe�am a Amaz�nia. At� um ano atr�s, quando teve in�cio uma preocupa��o com a sobreviv�ncia das comunidades ind�genas por causa da COVID, ningu�m se preocupava com a Amaz�nia"



A recupera��o da fazenda Bulc�o (que virou Reserva Particular do Patrim�nio Natural) gerou o Instituto Terra, uma organiza��o sem fins lucrativos que promove a restaura��o ambiental e o desenvolvimento sustent�vel no Vale do Rio Doce, abrangendo munic�pios de Minas Gerais e do Esp�rito Santo em uma regi�o de mata atl�ntica. O Instituto, sediado na reserva, tem viveiro de esp�cies nativas do bioma, com capacidade de produzir por ano 1,5 milh�o de mudas de mais de 100 esp�cies diferentes.

A organiza��o passou a formar t�cnicos ambientais, ajudar produtores rurais a recuperar as terras, criou programa voltado a escolas prim�rias, ensinando sobre preserva��o, e tem um grande programa de recupera��o de nascentes na bacia do Vale (que tem 86,7 mil quil�metros quadrados). Salgado afirmou que o trabalho no local � tamb�m um modelo para reconstruir diferentes regi�es e biomas.

Para divulgar esse trabalho e inspirar mais pessoas a preservar e a recuperar �reas degradadas, o Instituto acaba de lan�ar a campanha Refloresta, com o objetivo de plantar 1 milh�o de mudas por ano no Vale do Rio Doce. Ningu�m menos que Gilberto Gil escreveu e gravou a m�sica da campanha, que veio acompanhada por um clipe, no qual a natureza floresce da cabe�a de Gil, tal como o Instituto floresceu da cabe�a de Salgado e L�lia.

Em 1994, o senhor presenciou o genoc�dio em Ruanda e, em seguida, retornou para a fazenda Bulc�o. O Instituto Terra nasceu quatro anos depois. O que o fez retornar e qual foi o sentimento ao ver aquela terra devastada?
Retornei porque n�o queria mais fotografar. O que vi em Ruanda foi t�o horr�vel que queria abandonar a fotografia. Ent�o, voltamos para o Brasil, que foi quando meus pais estavam ficando velhinhos e doaram a terra para a gente. Pensamos em trabalhar a terra, viver de uma maneira mais calma. Mas a terra estava muito cansada, muito erodida. Estava doente, quase como eu estava doente. Foi quando minha mulher, L�lia, teve a ideia de replantar a floresta. Comecei a viajar pelo mundo inteiro para angariar recursos e, quando consegui, n�s come�amos o Instituto Terra.

Na �poca, o senhor estava em um quadro depressivo?
Estava sim. Vivi um momento dram�tico, vi coisas t�o terr�veis que perdi a f� na sobreviv�ncia da esp�cie humana. Vi barb�ries n�o s� na �frica, na ex-Iugosl�via, essas guerras todas. Na �poca, estava fotografando popula��es deslocadas, estava fazendo um livro sobre refugiados (“�xodos”), e acabei vivendo coisas que me levaram � depress�o. Comecei a perder a minha sa�de, aquilo come�ou a atacar meu f�sico tamb�m. Foi um momento dif�cil na minha vida.

E o que representou para o senhor o crescimento da floresta na fazenda Bulc�o?
A reconstru��o dessa floresta, ver voltar toda a vida, todos os insetos, todos os p�ssaros, toda a cadeia animal, ver voltar a �gua, fez com que voltasse � minha vida uma alegria grande. E eu comecei a compreender uma coisa que n�o compreendia at� ent�o: que o mundo n�o � constitu�do s� para a esp�cie humana ou da esp�cie humana. � um mundo de todas as outras esp�cies.

Ent�o, a reconstitui��o do Instituto Terra me levou a compreender que temos que nos situar dentro da cadeia de todas as esp�cies animais, pois somos s� uma dentro da grande quantidade de esp�cies animais, vegetais, minerais, e tudo faz um conjunto. A�, comecei a ver a vida de um outro �ngulo, de uma outra forma. O crescimento dessa floresta, a reconstitui��o da terra, das �guas, de tudo que houve no Instituto Terra levou � reconstitui��o da minha vida tamb�m. Foi dentro do Instituto Terra que comecei a ter uma vontade de fotografar a natureza, as outras esp�cies.

A�, L�lia e eu concebemos um outro projeto fotogr�fico que virou o livro “G�nesis”, que nasceu dentro do Instituto Terra. E, agora, acabei de passar sete anos na Amaz�nia trabalhando com comunidades ind�genas, fotografando a floresta, as montanhas da Amaz�nia e os rios a�reos.

Como foi ir � Amaz�nia depois de tudo que o senhor j� viu no mundo?
� uma pena que os brasileiros desconhe�am a Amaz�nia. At� um ano atr�s, quando teve in�cio uma preocupa��o com a sobreviv�ncia das comunidades ind�genas, por causa da COVID, ningu�m se interessava nem se preocupava com a Amaz�nia nem com as comunidades ind�genas. Felizmente, hoje, as pessoas no Brasil acordaram para isso e t�m uma verdadeira e s�ria preocupa��o, mas n�s temos que conhecer melhor a Amaz�nia.

A Amaz�nia � o grande para�so terrestre, um dos lugares mais impressionantes e mais bonitos. Um lugar cuja biodiversidade � completamente equilibrada. Essas comunidades ind�genas vivem em total equil�brio com a natureza e s�o comunidades de cultura incr�vel, sofisticada, t�m um n�mero incr�vel de l�nguas e culturas na Amaz�nia. As origens dessas culturas s�o de v�rios povos das Am�ricas que emigraram para l� h� mil anos, 2 mil anos. Para mim, trabalhar na Amaz�nia foi como trabalhar no para�so durante estes �ltimos sete anos da minha vida.

Foi colossal, fant�stico. Vou apresentar neste trabalho uma caracter�stica pouco conhecida da Amaz�nia, que s�o as montanhas. A Amaz�nia brasileira tem cadeias incr�veis. O pico mais alto do Brasil (Pico da Neblina) est� na Amaz�nia. Al�m disso, hoje tem o conceito dos rios a�reos, de que se fala tanto, mas n�o existem fotografias. Consegui fotografar muitos rios a�reos. Esse conceito vai aparecer no trabalho. Consegui as chuvas incr�veis da Amaz�nia, que voc� tem a impress�o de que s�o bombas at�micas que est�o explodindo. E coisas assim de um poder, de uma for�a grande.

Foi por causa do Instituto Terra que o senhor sentiu a necessidade de fazer esse trabalho na Amaz�nia?
A Amaz�nia apareceu para mim no livro “G�nesis”, quando tive que trabalhar naquela regi�o, porque fui procurar as partes mais puras do planeta, e a Amaz�nia � uma delas. E trabalhando l�, fiz uma s�rie de reportagens para o “G�nesis”, mas resolvi que depois voltaria. Porque era t�o vasto, t�o grande, que eu tinha que compreender melhor, mostrar melhor. Tinha que fazer um trabalho que ajudasse as pessoas a compreender que temos que ajudar a preservar o ecossistema amaz�nico. E a�, quando come�amos a apresenta��o do “G�nesis”, em 2013, eu comecei a trabalhar na Amaz�nia.

Acaba tendo uma rela��o com o Instituto Terra, n�o �?
Indiretamente, vem do Instituto. Mas uma coisa compreendi bem, s�o duas coisas que juntas formam um todo: o que n�s fazemos no Instituto � reconstituir uma parte do que n�s destru�mos. E n�s temos uma quantidade de terras no Brasil que foram destru�das. Se os brasileiros quiserem viver, v�o ter que reconstruir uma parte do que destru�ram. � o que n�s estamos fazendo no Instituto Terra, que � um piloto, � um modelo para isso.

E n�s temos um segundo lado dessa moeda, que � a Amaz�nia, � a parte que n�s precisamos proteger, sen�o a gente vai complicar n�o s� para o Brasil, mas para o resto do mundo. Veja, a agricultura hoje no Brasil tem um papel colossal para a economia. O sistema de chuvas que garante a agricultura do Centro-Oeste brasileiro, Centro-Sul brasileiro, S�o Paulo, Paran�, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Goi�s depende do ecossistema amaz�nico nas precipita��es. Destruindo a floresta, voc� vai destruir essa grande economia agr�cola brasileira. Ent�o, hoje existe uma contradi��o no Brasil, porque existe uma destrui��o da Amaz�nia para fazer agricultura e, com isso, n�s vamos destruir a longo prazo toda a agricultura brasileira.

N�s temos que manter um certo equil�brio, manter a floresta amaz�nica, porque � a maior reserva de biodiversidade, � a maior concentra��o de �gua doce do mundo. N�s temos que preservar isso. E temos que reconstituir parte do que n�s destru�mos para o pa�s viver equilibrado dentro do seu ecossistema.

E os desafios do futuro? Algum novo projeto em mente?
N�o, n�o. Olha, j� estou velhinho, tenho 77 anos. Vou come�ar a fazer a apresenta��o do trabalho na Amaz�nia, o que vai me levar uns tr�s anos. Quando terminar, estarei com 80 anos. Ent�o, acho que est� quase na hora de come�ar a parar de fotografar. Vou come�ar a trabalhar mais no Instituto Terra, a editar mais as fotos que fiz.

Mas a expedi��o na Amaz�nia esse ser� o �ltimo trabalho do senhor?
Quem sabe? N�o sei. Eu sempre falo que � o �ltimo, mas sempre aparece mais um.


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