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Estado de Minas ENTREVISTA

"O Poder Executivo � um predador", diz Sebasti�o Salgado sobre a Amaz�nia

Fot�grafo comenta sua rela��o com os povos ind�genas da floresta e denuncia a amea�a � regi�o por uma gest�o pol�tica exploradora


08/06/2022 04:00 - atualizado 08/06/2022 09:20

Em sala escura do Sesc Pompeia, silhueta de visitante em frente a duas imagens da floresta em tamanho gigante, p&b, integrantes da exposição 'Amazônia', de Sebastião Salgado
Visitante observa fotografia da exposi��o "Amaz�nia", montada no Sesc Pompeia, em S�o Paulo; no m�s que vem, a mostra segue para o Rio de Janeiro (foto: NELSON ALMEIDA / AFP - 14.fev.2022)

Sebasti�o Salgado criou duas exposi��es com o material fotogr�fico produzido na Amaz�nia nos �ltimos nove anos. Uma delas leva o t�tulo de “Blessures” (“Feridas”, em tradu��o do franc�s) e foi doada ao Instituto Krajcberg. S�o imagens da destrui��o que assola o maior bioma brasileiro, e sua exibi��o, por enquanto, est� restrita � Europa. 

A outra, “Amaz�nia”, desembarcou no Brasil em fevereiro passado e foi montada no Sesc Pompeia, em S�o Paulo. Em julho, chega ao Museu do Amanh�, no Rio de Janeiro, e depois vai para Bel�m, antes de seguir para Los Angeles. Desta vez, Salgado e a mulher, L�lia, optaram por mostrar o lado bonito e exuberante da mata. 

"Essa � uma op��o que n�s fizemos", explica Salgado. "Claro que fotografei fogos na Amaz�nia, desmatamento. Mas resolvemos apresentar a Amaz�nia viva, que n�o foi destru�da e precisa ser preservada."

A exposi��o tem um total de 194 imagens apresentadas em montagem com pouca luz e backlight, o que valoriza os contrastes e d� um ar sagrado � vegeta��o e aos ind�genas retratados. � como se L�lia e Sebasti�o constru�ssem um ambiente de adora��o e contempla��o para o tema. 

Das quase 200 etnias remanescentes na regi�o amaz�nica, Sebasti�o Salgado registrou 12. Durante esses anos percorrendo a regi�o, viu de perto o impacto do desmatamento e da invas�o de terras ind�genas. Segundo estudos do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amaz�nia (Ipam), a destrui��o das terras ind�genas na regi�o aumentou 150% nos �ltimos anos.

O governo � composto por tr�s poderes: o Executivo, que � um predador; o Legislativo, que n�o toma posi��o; e o Judici�rio, o �nico poder que mant�m refer�ncia. � com o Judici�rio que estamos contando

Sebasti�o Salgado, fot�grafo


Expor a amea�a que paira sobre povos e biomas do planeta � um compromisso antigo de Salgado. Come�ou com projetos como “Trabalhadores” e “�xodos” e ficou claro em “G�nesis”, no qual o fot�grafo saiu em busca de regi�es intocadas e povos tradicionais. 

"Tive oportunidade imensa, quando fui fazer ‘G�nesis’, de conhecer uma grande parte do lado pr�stino do nosso planeta e isso me levou � Amaz�nia", conta. "Trabalhei com v�rias tribos na Amaz�nia brasileira, mas vendo o que estava acontecendo percebi que havia um avan�o imenso na destrui��o da floresta, principalmente vindo da periferia para o centro."

Em janeiro de 2013, quando apresentou pela primeira vez o resultado de “G�nesis”, Salgado j� alimentava a semente de “Amaz�nia”. A intimidade com as quest�es relacionadas ao meio ambiente j� havia rendido frutos, como o Instituto Terra, criado em 1998 para preservar a mata atl�ntica, inicialmente na regi�o da Serra de Aimor�s, onde o fot�grafo mineiro recuperou milhares de hectares na fazenda herdada dos pais. 

Hoje, as a��es do instituto se espalham por todo o Vale do Rio Doce, atingindo munic�pios de Minas Gerais e do Esp�rito Santo. Em conversa por v�deo, de Paris, onde mora h� mais de quatro d�cadas, Salgado falou sobre Amaz�nia, sobre o futuro da mata e seus povos e sobre a pol�tica ambiental no Brasil. Confira a seguir. 

A op��o que fizemos foi essa, de apresentar a Amaz�nia viva no sentido de que as pessoas compreendam o que � e que precisamos preservar. � a maior concentra��o de riquezas do mundo. Eu sei porque o custo para recuperar um hectare � enorme. E quanto custa a destrui��o de um hectare da floresta amaz�nica? � o pre�o que vamos ter que colocar para refazer. Custa uma fortuna

Sebasti�o Salgado, fot�grafo


Segundo o Ipam, o desmatamento na Amaz�nia cresceu quase 57% nos �ltimos anos. Voc� teme que a floresta que fotografou j� n�o seja a mesma?
O bioma amaz�nico, principalmente no governo atual, sofre total amea�a. A primeira coisa que este governo fez foi tirar os filtros de prote��o. O Ibama era um grande filtro de prote��o, que verificava, dava multas. Foi eliminado para permitir a destrui��o. O segundo filtro foi a Funai, que sempre foi dirigida por cientistas, sempre foi organizada e funcionou na m�o de sertanistas, de soci�logos, de antrop�logos. A Funai hoje � dirigida por um delegado de pol�cia e serve ao agroneg�cio mais do que �s comunidades. A Funai passou a ser o inimigo das comunidades. Isso permitiu a viola��o extrema do bioma e das comunidades ind�genas. Minha grande esperan�a � que teremos elei��o em quatro meses e que o pr�ximo presidente n�o seja mais esse predador que est� a�, seja algu�m que respeite as grandes institui��es brasileiras. A Funai � uma das maiores institui��es de todas as Am�ricas. Comunidades ind�genas dos Estados Unidos e do Canad� foram inteiramente destru�das. O Brasil as mant�m. E a floresta amaz�nica era altamente protegida pelo Ibama, pelo Instituto Chico Mendes.

Voc� chegou a acompanhar o impacto dessa destrui��o junto �s popula��es ind�genas?
S�o amea�as terr�veis que est�o acontecendo. O Brasil tem a maior concentra��o de �ndios isolados do mundo. Uma das maiores concentra��es est� no vale do Javari, e eles sofrem amea�as diretas dos garimpeiros, dos madeireiros e de pescadores, que facilitam enormemente a penetra��o dos territ�rios ind�genas. O territ�rio ianom�mi est� sendo violado por mais de 20 mil garimpeiros. Esses territ�rios s�o protegidos por lei, o governo brasileiro devia ser o primeiro agente da Constitui��o defendendo esse territ�rio. O governo � composto por tr�s poderes: o Executivo, que � um predador; o Legislativo, que n�o toma posi��o; e o Judici�rio, o �nico poder que mant�m refer�ncia. � com o Judici�rio que estamos contando. As comunidades poderiam ter sido quase eliminadas agora com a COVID-19. Gra�as ao Judici�rio, conseguimos que fossem as primeiras a ser vacinadas. A gente tem tend�ncia a imaginar que o governo � s� Executivo, mas temos tr�s poderes e um deles atua, que � o Judici�rio.

Se continuarmos a grande escalada de destrui��o, seguramente vamos ter surpresas terr�veis com v�rus saindo da Amaz�nia. Imagina se tivermos tr�s ou quatro v�rus como o que causa a COVID-19?

Sebasti�o Salgado, fot�grafo


Mostrar a beleza, e n�o a destrui��o da Amaz�nia, tem capacidade de mobilizar mais as pessoas?
S�o mais de 180 l�nguas diferentes, mais de 185 culturas diferentes, com origens diferentes. A op��o que fizemos foi essa, de apresentar a Amaz�nia viva no sentido de que as pessoas compreendam o que � e que precisamos preservar. � a maior concentra��o de riquezas do mundo. Eu sei porque o custo para recuperar um hectare � enorme. E quanto custa a destrui��o de um hectare da floresta amaz�nica? � o pre�o que vamos ter que colocar para refazer. Custa uma fortuna. Uma fazenda jamais vai gerar riqueza suficiente para pagar a destrui��o que fez. Se tiv�ssemos um projeto de desenvolvimento sustent�vel, para tirar um projeto tur�stico, com distribui��o de co- operativas e com�rcio justo, �amos trazer um fluxo maior de dinheiro do que entra hoje. Com as plantas medicinais, poder�amos revolucionar a ind�stria farmac�utica. Mas isso � uma decis�o de governo, uma decis�o de levar a Amaz�nia para um projeto sustent�vel.

Alguns cientistas dizem que a pr�xima pandemia pode vir da Amaz�nia. O desmatamento aumenta a probabilidade de contato com novos micro-organismos que causam doen�as infectocontagiosas. H� uma rela��o entre a Amaz�nia e a pandemia que estamos vivendo?
Claro que sim. Quando voc� olha a COVID-19, � causada por um v�rus que saiu da natureza, assim como o ebola. Ent�o, se voc� pensa em um espa�o como a Amaz�nia, o que cont�m de v�rus, o que cont�m de enfermidades estocadas que nem conhecemos e que v�o proporcionar surpresas terr�veis com a destrui��o... Se continuarmos a grande escalada de destrui��o, seguramente vamos ter surpresas terr�veis com v�rus saindo da Amaz�nia. Imagina se tivermos tr�s ou quatro v�rus como o que causa a COVID-19?

A gente, �s vezes, tem uma ideia de que os ind�genas s�o ing�nuos, inocentes. Eles s�o iguaizinhos a voc� e a mim. Dentro da floresta, s�o o mesmo animal que eu, com a mesma acuidade e preocupa��o, existe uma verdadeira troca

Sebasti�o Salgado, fot�grafo


Houve momentos de muita tristeza durante as expedi��es? Quais foram?
Os momentos de tristeza vieram toda vez que tive acesso a�reo e via a destrui��o da floresta, quando via milhares de toras de madeira descendo o rio, extra�das ilegalmente. Me dava uma tristeza imensa ver esse incentivo � destrui��o da maior riqueza brasileira. Esse governo atual tem que ser responsabilizado por esse crime ambiental que est� cometendo.

Sebastião Salgado na abertura da exposição 'Amazônia', em São Paulo
Sebasti�o Salgado na abertura da exposi��o "Amaz�nia", em S�o Paulo, com fotografias de ind�genas atr�s de si. Ele fotografou indiv�duos de 12 etnias na regi�o (foto: NELSON ALMEIDA / AFP)

Como foi a aproxima��o e a rela��o com os ind�genas durante a execu��o do projeto?
Ir para comunidades ind�genas precisa de muito tempo. Primeiro, o acesso � dif�cil, precisa obter autoriza��o. Obtive autoriza��o da Funai. S� pude ir depois da autoriza��o e eles sabiam que eu ia, estavam me esperando. Para fazer um trabalho desses, precisa de muito tempo, precisa viver com as comunidades. Os ind�genas s�o muito democratas. Para come�ar a trabalhar, tinha reuni�o com a comunidade inteira, durante dias, para me conhecerem. As comunidades ind�genas jamais foram t�o amea�adas como agora. E nunca foram t�o organizadas. Eles est�o altamente organizados e sabiam quem era eu e que meu trabalho serviria no sentido de divulgar para proteger. Na exposi��o, eu fa�o, sim, apresenta��o est�tica atrav�s das fotos; L�lia traz uma quantidade de informa��o, mas quem traz o ponto pol�tico e social s�o as entrevistas de l�deres ind�genas que est�o dentro da exposi��o fazendo discurso na l�ngua deles.

Houve negocia��o entre o que voc� queria mostrar e o que eles queriam falar?
Todas as comunidades com as quais trabalhei, sem exce��o, j� tinham tido contato. Eles conheciam o mundo do qual eu vinha, por que eu vinha. S� me aceitaram porque o que eu ia fazer era coerente com o que eles queriam apresentar. Houve total amalgamento com o que estava esperando e o que eu poderia oferecer. Foi muito bom, interessante, sincero. Eles s�o profundamente sinceros e sabem que est�o profundamente amea�ados, que se a gente n�o conseguir que o bioma seja protegido, eles n�o ter�o mais o meio ambiente garantido e eles precisam de todo o sistema amaz�nico para continuar a existir como comunidade. A gente, �s vezes, tem uma ideia de que os ind�genas s�o ing�nuos, inocentes. Eles s�o iguaizinhos a voc� e a mim. Dentro da floresta, s�o o mesmo animal que eu, com a mesma acuidade e preocupa��o, existe uma verdadeira troca.

Voc� teve a oportunidade de conviver com popula��es que vivem em �reas isoladas, apesar do contato com o branco. O que acha do discurso da integra��o?
A op��o tem que ser da comunidade ind�gena e n�o de uma proposta pol�tica interessada no espa�o que o ind�gena ocupa hoje. As comunidades ind�genas entraram na Am�rica h� 20 mil anos, quando chegaram na Amaz�nia e tiveram que buscar seus territ�rios. Eles s�o agricultores e buscaram as terras mais aptas � agricultura. O que acontece no governo atual? Eles est�o loucos atr�s das terras ind�genas porque s�o as melhores para a agricultura, mas elas s�o protegidas pela lei.


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