
"A ideia foi da cantora e autora Diane Warren, tenho de ser honesto. Comecei a chamar meus amigos, Paul, Joe, Corinne Rae, Sheryl Crow. Apenas mand�vamos os arquivos e diz�amos: ‘Fa�am o que voc�s qui- serem’. Foi incr�vel." Generoso, Ringo responde sobre Beatles, biografias e das poss�veis interfer�ncias de John e Paul em suas levadas. Ele acredita que, gra�as � tecnologia, as pessoas, apenas agora, o ouvem melhor.
O jornal Washington Post os chamou de "assexuados". O New York Herald Tribune os repartiu em tr�s: "75% publicidade, 20% corte de cabelo e 5% lamentos alegremente cantados". E a revista Newsweek fez uma an�lise mais rigorosa sobre a passagem dos Beatles pelo programa “Ed Sullivan show”, em 1964: "Eles s�o um pesadelo: r�gidos, vaidosos e com cabelos cortados como tigela. Musicalmente, quase um desastre: guitarras e bateria golpeando com for�a uma batida incessante que dispensa ritmos secund�rios, harmonia e melodia. As letras, pontuadas por gritos de ‘yeah yeah yeah’, s�o uma cat�strofe... E h� grandes chances de que v�o desaparecer, como prev� com confian�a a maioria dos adultos".
H� mais do que todas as vit�rias contadas h� seis d�cadas por tr�s do sorriso grande e das m�os em eterno sinal de "paz e amor" de Ringo Starr. Afinal, antes e mesmo depois de vencer com os Beatles, ele precisou, silenciosamente, vencer os Beatles. Ao chegar ao est�dio Abbey Road, em Londres, para gravar “Love me do”, em 1962, deparou com outro m�sico em seu lugar. Andy White passava a George Martin uma seguran�a que o produtor n�o via em Ringo. Coube ao baterista resignar-se no pandeiro.
Historiadores, bi�grafos e jornalistas compram e vendem a ideia de que Ringo foi um fantoche nas m�os de John e Paul, refor�ando a tese do "beatle sortudo". Ele mesmo fez confiss�es ao bi�grafo mais �ntimo dos Beatles, Hunter Davis, em 1968, reproduzidas em 2020 por outro bi�grafo, Michael Seth Starr: "�s vezes, me sinto exclu�do, sentado l� na bateria, s� tocando o que me mandam tocar". Um desabafo que ajudou a criar o mito que ele desmonta quando diz � reportagem: "Ainda posso ver os olhos de John arregalados quando comecei a tocar 'Come together'".
Sir Ringo Starr quase n�o tem m�goas e diz perdoar at� o rep�rter que confessa ter feito, um dia, mau ju�zo de suas habilidades. "Eu perdoo voc�, s� voc�." Ele est� leve, feliz, de casaco vermelho e �culos escuros quando aparece em uma sala virtual para dar a entrevista sobre seu novo EP, “Zoom in”, que ser� lan�ado amanh�, e um livro com as hist�rias que vive ao lado de sua estelar All Starr Band desde 1989. Aos poucos, acredita, o tempo tem colocado as baterias que fez em seu devido lugar.
Como vai, Ringo? Desculpe meu ingl�s nervoso, n�o � todo o dia que um beatle aparece aqui na sala de casa.
Ah, claro (risos).
Fiquei imaginando como algu�m que passou a vida cercado por milhares de pessoas grava um EP com v�rios m�sicos sem poder v�-los.
Bem, meses atr�s, estava gravando um �lbum chamado “What’s my name” e, quando terminei, disse: "Ok, esse ser� o �ltimo que farei". Ent�o, veio a pandemia e percebi que poderia nunca mais fazer turn�s. Fiquei deprimido, mas pensei: "Ok, vou fazer um EP". E fui para o est�dio iniciar a grava��o com meu engenheiro de som. Diane Warren me mandou a can��o “Here’s to the nights” e teve a ideia de fazermos um clipe juntando todas aquelas pessoas. Achei incr�vel.
Depois de mais de 30 anos na estrada com a All Starr Band, voc� ter� um livro com hist�rias da banda. Ent�o, minha pergunta �: o que a All Starr Band deu a voc� que os Beatles n�o deram?.
N�o, n�o (faz uma express�o de reprova��o). Os Beatles me deram tudo. Eu tive grandes irm�os, grandes amigos, fizemos grandes m�sicas...
Mais tranquilidade?
A All Starr foi uma experi�ncia muito diferente dos Beatles. Eu nunca havia montado uma banda antes quando comecei a ligar para as pessoas em 1989. Eu dizia: "Ol�, eu ainda n�o tenho uma banda, mas voc� quer tocar comigo?". E todos diziam sim. Depois de 18 meses de turn� pelo mundo, encerrei a banda e comecei uma nova. E, um tempo depois, encerrei a nova e comecei outra. E ent�o, h� 12 anos, parei de fazer isso e passei a apenas trocar alguns m�sicos. O guitarrista Steve Lukather, por exemplo, est� comigo h� nove anos.
Eu devo confessar que estou entre os cr�ticos que acreditaram que voc� fosse o "beatle sortudo", um m�sico n�o t�o bom que, por sorte, tocava na banda em que todos queriam tocar. Queria pedir sinceras desculpas. Basta ouvir m�sicas com baterias incr�veis como “Something”, “Ticket to ride”, “Come together”, “Get back”, “She said she said” ou “Rain” para saber que, mais do que marcar o tempo, voc� conseguiu integrar c�lulas r�tmicas ao pensamento mel�dico das can��es. Isso os libertou e impediu que os Beatles ficassem presos � ideia dos tempos e contratempos do rock. Voc� guarda m�goas das cr�ticas?
Voc� sabe que n�s nunca fomos m�sicos profissionais, nunca lemos m�sica. �ramos meninos que gostavam de rock, como artistas de rua, que se juntam para tocar e tirar sarro das coisas. Um tempo depois, cada um encontrou sua forma de tocar e acabei descobrindo que gostava tanto de segurar o tempo na bateria (ele bate uma m�o sobre a outra para marcar o ritmo) quanto de usar a emo��o que vinha de dentro para me libertar (faz agora um gesto como se tocasse uma virada de bateria).
Ent�o, entendi que podia tocar com o cora��o, e n�o apenas com a mente. � por isso que as pessoas ainda me chamam para gravar. Elas sabem que, para mim, n�o importa se a can��o � minha, sua ou de outro algu�m. Fa�o meu melhor, e nunca vou fazer um solo de bateria enquanto o cantor estiver cantando (risos). N�o sei se respondi � sua pergunta, mas acho que faz sentido.
Ent�o, entendi que podia tocar com o cora��o, e n�o apenas com a mente. � por isso que as pessoas ainda me chamam para gravar. Elas sabem que, para mim, n�o importa se a can��o � minha, sua ou de outro algu�m. Fa�o meu melhor, e nunca vou fazer um solo de bateria enquanto o cantor estiver cantando (risos). N�o sei se respondi � sua pergunta, mas acho que faz sentido.
Posso dizer ent�o a minha teoria?
Pode (risos).
Parece que, depois de tantos anos ouvindo o baixo de Paul, as guitarras de John, os solos de George, as ideias dos vocais, as melodias, as harmonias e os arranjos, as pessoas passaram a ouvir mais os detalhes de sua bateria. Era muita coisa pra se descobrir em apenas 50 anos...
Isso pode ser (risos). Mas tenho que agradecer ao Giles Martin (filho do produtor dos Beatles, George Martin, que come�ou a remasterizar e remixar a discografia da banda para relan��-la a partir de 2006). Foi Giles quem colocou a bateria no lugar correto, onde ela deveria estar, usando o aparato tecnol�gico que temos agora. E s� agora voc� realmente consegue ouvir o que estou fazendo.
� curioso. Se voc� ouvir as primeiras grava��es dos Beatles, especialmente as feitas em mono, vai ver que n�o h� graves na bateria. Os t�cnicos tiraram todos os meus graves e deixaram a bateria soando baixo. Quando o ponteiro do gravador batia no vermelho, eles diziam que tinham de abaixar os tons da bateria ou do bumbo. A remasteriza��o digital trouxe mais clareza sobre meu jeito de tocar e, hoje, cada vez mais pessoas dizem isso que voc� me perguntou: "Poxa, foi �timo o que voc� fez, eu nunca tinha ouvido antes".
� curioso. Se voc� ouvir as primeiras grava��es dos Beatles, especialmente as feitas em mono, vai ver que n�o h� graves na bateria. Os t�cnicos tiraram todos os meus graves e deixaram a bateria soando baixo. Quando o ponteiro do gravador batia no vermelho, eles diziam que tinham de abaixar os tons da bateria ou do bumbo. A remasteriza��o digital trouxe mais clareza sobre meu jeito de tocar e, hoje, cada vez mais pessoas dizem isso que voc� me perguntou: "Poxa, foi �timo o que voc� fez, eu nunca tinha ouvido antes".
Voc� nos perdoa?
Perdoo voc�. S� voc� (risos).
As pessoas escrevem mil coisas, voc� sabe... Uma delas � que havia sempre algu�m, John, Paul ou George Martin, dizendo o que voc� deveria fazer nas m�sicas. Voc� teve mesmo liberdade para criar aquela bateria de “Come together”, por exemplo, ou fez apenas o que pediram?
Tudo nos Beatles surgia como m�gica, acredite, como m�gica! John chegou e tocou “Come together” naquele dia (ele canta o riff de guitarra). E, ent�o, comecei a tocar a bateria (e canta o riff com a bateria). Eu posso ver agora mesmo os olhos de John arregalados enquanto eu tocava aquilo. Ele dizia: "Uau, o que � isso! O que � isso!". A hist�ria dos Beatles � que n�s desafi�vamos uns aos outros: "Isso � muito legal", algu�m dizia. Ou: "Isso n�o � t�o legal" (risos).
Eu adoraria dizer a voc� que existia um processo mais cuidadoso na constru��o das m�sicas, mas tudo era mais imediato. Grav�vamos algumas faixas por tr�s ou quatro vezes e, ent�o, descobr�amos a melhor entre elas. O que sa�a vinha do m�sico que eu era e dos m�sicos que eles eram. A �nica vez em que tivemos de falar sobre alguma coisa foi sobre a minha bateria em uma m�sica e o baixo do Paul em outra. N�o quer�amos ofender um ao outro, ent�o eu cedia um pouco, ele contornava... Algu�m dizia: "George, voc� far� um solo aqui." "Ok, �timo." "Aqui tem uma virada de bateria." "Ok, beleza."
E o curioso � que esses solos se tornavam a can��o. Eles eram gravados naquele instante e ficavam para sempre, com uma for�a de fazer voc� reconhecer as m�sicas apenas ao ouvi-los. Isso � lindo. Eu gostaria de dizer a voc� que as cria��es eram momentos profundos e significativos e que sent�vamos l� por horas para faz�-las, mas n�o. Na realidade, s� diz�amos "1, 2, 3, 4!" e v�amos o que sa�a.
Eu adoraria dizer a voc� que existia um processo mais cuidadoso na constru��o das m�sicas, mas tudo era mais imediato. Grav�vamos algumas faixas por tr�s ou quatro vezes e, ent�o, descobr�amos a melhor entre elas. O que sa�a vinha do m�sico que eu era e dos m�sicos que eles eram. A �nica vez em que tivemos de falar sobre alguma coisa foi sobre a minha bateria em uma m�sica e o baixo do Paul em outra. N�o quer�amos ofender um ao outro, ent�o eu cedia um pouco, ele contornava... Algu�m dizia: "George, voc� far� um solo aqui." "Ok, �timo." "Aqui tem uma virada de bateria." "Ok, beleza."
E o curioso � que esses solos se tornavam a can��o. Eles eram gravados naquele instante e ficavam para sempre, com uma for�a de fazer voc� reconhecer as m�sicas apenas ao ouvi-los. Isso � lindo. Eu gostaria de dizer a voc� que as cria��es eram momentos profundos e significativos e que sent�vamos l� por horas para faz�-las, mas n�o. Na realidade, s� diz�amos "1, 2, 3, 4!" e v�amos o que sa�a.
O que voc� pensa sobre biografias? J� leu alguma biografia escrita sobre os Beatles ou sobre sua vida?
N�o, nunca li. Muitas pessoas j� escreveram biografias sobre mim e eu mesmo fui convidado para escrever a minha pr�pria, uma autobiografia. Disseram que eu s� precisaria ler uns quatro ou cinco livros sobre os Beatles para me preparar e faz�-la. Mas pensei: "N�o, n�o farei isso". Fa�o isso nas m�sicas. Meus momentos com os Beatles est�o nas can��es. N�o tenho interesse em escrever.
Mas biografias n�o s�o importantes para a hist�ria?
Acho que n�o, elas n�o mudam as coisas. E, sabe, gostaria muito de acreditar que tudo que o um cara que nunca me encontrou escreveu sobre mim fosse realmente verdade.
Biografia
Apesar de n�o gostar de biografias, Ringo Starr pode relaxar diante de “Ringo – A hist�ria do baterista mais famoso do mundo, antes e depois dos Beatles”, escrita por Michael Seth Starr, bi�grafo que n�o tem nenhum grau de parentesco com Ringo. Feito com muito material j� conhecido de outras biografias, sobretudo a primeira, de Hunter Davis, de 1968, o livro repassa a hist�ria indo a detalhes curiosos e expandindo outros. No livro, fica a ideia de que o que sempre importou a Ringo foi mesmo viver.