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Estado de Minas LITERATURA

Natalia Timerman desnuda sem pudor vulnerabilidade feminina

Em "Copo vazio", psiquiatra e escritora retrata o desespero da protagonista ao ser abandonada sem explica��o pelo "crush" que conheceu em app de relacionamento


03/04/2021 06:00 - atualizado 03/04/2021 15:18

A psiquiatra e escritora paulistana Natalia Timerman revela em
A psiquiatra e escritora paulistana Natalia Timerman revela em"Copo vazio" amor e ang�stia de uma mulher empoderada: "H� alguma for�a em se saber fr�gil" (foto: Renato Parada/Divulga��o)

 Abruptamente, sem deixar explica��es ou vest�gios. A pr�tica n�o � de hoje, mas ganhou novos contornos no meio digital. E tamb�m um nome: ghosting (de fantasma, em ingl�s). Em “Copo vazio”, novo livro da psiquiatra e escritora paulistana Natalia Timerman, a prota- gonista, Mirela, passa precisamente por essa experi�ncia.

Arquiteta bem resolvida, ela conhece Pedro por meio de um aplicativo de relacionamentos. Durante tr�s meses, eles se envolvem, se encontram com frequ�ncia e fazem planos juntos.

Certo dia, no entanto, ele a deixa sem qualquer explica��o, como se nunca tivessem tido qualquer v�nculo. Nessa primeira incurs�o de Natalia no romance, acompanhamos, assim, os desdobramentos do abandono na rotina da protagonista, em uma prosa que reflete a intensidade de seu desespero. Autora de “Desterros: Hist�rias de um hospital-pris�o” (2017) e da colet�nea de contos “Rachaduras” (2019), Natalia dedica seu doutorado na USP ao estudo da obra de Elena Ferrante.

Um dos tra�os da autora ita- liana � o despudor em expor a vulnerabilidade de suas personagens mulheres, algo que a escritora paulistana faz, em “Copo vazio”, com uma originalidade que se estende � pr�pria constru��o narrativa, em cap�tulos desordenados cronologicamente.
N�o faltam hist�rias de abandono na literatura. Seu romance, no entanto, traz ingredientes adicionais, como a internet e aquilo que se convencionou chamar de ghosting. Mirela, a protagonista, tamb�m acaba usando as redes para “stalkear” Pedro. O que muda nesse tipo de rela��o mais ligada ao mundo digital?

A internet e as redes sociais aumentaram vertiginosamente as possibilidades de encontro, mas sob o pre�o de que, pela pr�pria abund�ncia, as rela��es advindas da� pare�am descart�veis. Pessoas sem v�nculos em comum, que n�o chegariam a se conhecer fora do mundo digital, talvez sejam menos cuidadosas para romper um relacionamento porque teriam menos chances de se encontrar por acaso e porque n�o precisariam zelar por suas imagens diante de um grupo.

Esses ingredientes potencializam quest�es que existem h� s�culos e as tornam, hoje, efervescentes. Um perfil e uma pessoa n�o s�o a mesma coisa, mas a confus�o entre ambos facilita que haja expectativa em excesso. Quando n�o correspondida, essa expectativa recai em falta de zelo para com o outro, que, afinal, existe de fato, para al�m da virtualidade.

A protagonista � uma mulher emancipada, progressista... Faz parte de um universo no qual o feminismo tem mais proemin�ncia. Voc� v� algum conflito entre esses valores e a vulnerabilidade que ela acaba revelando ao longo da trama? Nota alguma press�o para mulheres como Mirela se mostrarem sempre fortes e seguras?

Um dos componentes do sofrimento de uma mulher contempor�nea por amor � a vergonha pelo pr�prio sentimento. Nosso imagin�rio � povoado de finais felizes de hist�rias rom�nticas, nossa gram�tica est� estruturada na depend�ncia que uma mulher j� teve de um homem, e a independ�ncia j� conquistada pelo g�nero feminino n�o condiz com essa narrativa.

O embate interior que resulta desse impasse ainda n�o tem solu��o, e a literatura pode ser uma das maneiras de express�o desse estado de coisas. Quem sabe seja tamb�m um aceno para outras possibilidades de existir, seja pela improv�vel supera��o da vulnerabilidade amorosa, seja pela assun��o de que sentir �, afinal de contas, leg�timo. H� alguma for�a em se saber fr�gil.

Ao longo das p�ginas, nota-se que o sofrimento de Mirela vai al�m da quest�o do ego ferido por ter sido abandonada. Em diferentes momentos, ela imagina o futuro que poderia ter tido com Pedro, e a necessidade de se desvencilhar dessas ilus�es parece atordo�-la. Essasrea��es s�o diferentes facetas do sentimento de abandono ou fazem parte de um mesmo processo?

O sentimento de abandono, principalmente quando � abrupto, agu�a uma falta constitutiva. Somos insuficientes desde que nascemos e seremos at� o fim da vida, mas a cada vez que essa verdade se torna aguda, lateja como se fosse nova. Esse parece ser um dos aspectos existenciais que precisam ser elaborados em cada ruptura, mas h� outros.

Al�m de insuficientes, e talvez por isso mesmo, somos seres que tecem narrativas com a pr�pria vida. Um devir que se interrompe, uma promessa retirada, nos deixa, lan�ados em dire��o ao futuro que somos, sem lastro para o presente. Isso acontece para al�m das situa��es amorosas, e o contexto brasileiro de manejo � pandemia, por exemplo, pode ser uma amostra: a sensa��o de que nos roubaram o futuro que nos hav�amos permitido sonhar torna o cotidiano muito mais dif�cil.

Os paralelos entre seu livro e “Dias de abandono”, de Elena Ferrante, n�o passam despercebidos. Al�m do tema da mulher abandonada, � poss�vel notar como o desespero e a obsess�o das protagonistas refletem-se na pr�pria prosa. Esses registros textuais foramum efeito calculado?

“Copo vazio” tem uma circularidade que ecoa a obsess�o de Mirela e pretende uma linguagem densa e veloz que traduza sua urg�ncia. A prosa de “Dias de abandono”, por sua vez, manifesta a claustrofobia de Olga, como se ela estivesse presa n�o s� em sua casa, mas tamb�m nas met�foras que a dizem. Muito do que escrevemos acontece na linguagem por conta pr�pria, sem passar necessariamente pela          consci�ncia.

Talvez por isso seja mais dif�cil come�ar, estruturar uma narrativa, tomar decis�es quanto ao ponto de vista, tempo, caracteriza��o de personagens, que, se suficientemente coesas, se capazes de formar o todo do romance, tecem a prosa como que de dentro para fora. Uma palavra puxa outra, puxadas todas pela protagonista, pelo que ela pede para existir: o mundo ficcional e a linguagem que o erige e sustenta s�o interdependentes, um s� existe com a outra, e isso � a literatura.

A produ��o da escritora, ali�s, � tema de sua pesquisa de doutorado. No processo de escrita de seu livro, Ferrante apareceu como uma refer�ncia imediata?

Tudo o que lemos, assim como tudo o que vivemos, transluz na escrita, sen�o tematicamente, ao menos no estilo. Os livros tamb�m s�o parte da nossa biografia, e suas personagens podem aparecer nos nossos sonhos tanto quanto as pessoas reais com quem convivemos.

Elena Ferrante � uma refer�ncia, como toda paix�o, mas acredito que, mais que na tem�tica espec�fica do abandono ou mesmo na linguagem, ela me inspire pela coragem de se debru�ar de verdade sobre temas considerados muito femininos. O apuro da linguagem, na obra dela, desfaz o que poderia ser excesso, porque, para a literatura, tudo importa e interessa: a maternidade, a amizade entre mulheres, a inveja, o amor.

Voc� j� tem publicado um livro de contos. Essa experi�ncia de escrita lhe deu mais seguran�a para lan�ar m�o de procedimentos formais?

Acho curioso perceber, no caminho que constitui a obra de um escritor, como as experimenta��es v�o se dando. “Mrs. Dalloway”, por exemplo, aparece em um conto antes de virar protagonista do romance que leva seu nome; a tetralogia napolitana de Ferrante parece ser a culmina��o do trabalho de temas recorrentes nas obras anteriores. Algo da obsess�o de Mirela e de seu fomento pelo mundo digital j� estavam no conto “A decis�o de Ver�nica M.”, de “Rachaduras”.

N�o sei, no entanto, se a escrita de contos proporcionou mais seguran�a para escrever um romance, primeiro porque cada g�nero liter�rio tem suas exig�ncias. Em segundo lugar, porque n�o h� seguran�a poss�vel na es- crita. Escrever � tatear, � desvelar um lugar narrativo que se sustentar� ou n�o por si mesmo, e n�o � poss�vel confiar num lugar antes que ele exista. (Estad�o Conte�do) 
 
“COPO VAZIO”

. De Natalia Timerman
. Editora Todavia
. 144 p�ginas
. R$ 62
. R$ 34,11 (e-book) 


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