
Moradora da periferia de Buenos Aires, pobre e analfabeta, ela descobriu que Laura, sua filha mais nova, portadora de defici�ncia mental, estava gr�vida, depois de ser abusada sexualmente por um tio.
Para tentar obter o direito de a filha interromper a gesta��o, a m�e da v�tima teve que enfrentar v�rias inst�ncias judiciais, chegando at� a Suprema Corte do pa�s. Essa hist�ria � contada no filme “Vicenta”, de Dar�o Doria, que ser� exibido nesta ter�a-feira (13/4), na programa��o do festival � Tudo Verdade.
Al�m da tem�tica, o document�rio se destaca pela forma, j� que foi todo filmado em anima��o. Se historicamente as anima��es s�o mais associadas � fantasia e �s narrativas l�dicas, o formato tamb�m tem grande valor informativo e tem sido de grande valia para o cinema documental, como comprova a edi��o deste ano do festival.
'� interessante entender que isso nasce de uma necessidade que o pr�prio projeto tem. Tanto no 'Vicenta' quanto no 'Fug'%u2019, o cineasta tinha uma hist�ria para contar em que seus protagonistas n�o queriam aparecer. Como tornar isso vis�vel sem as duas principais ferramentas dos document�rios, a entrevista e o registro direto?'
Amir Labaki, fundador e diretor do festival � Tudo Verdade

REFUGIADO
A abertura, no �ltimo dia 8, foi com o filme dinamarqu�s “Fuga”. O longa j� havia vencido o Festival de Sundance na categoria melhor document�rio, pela forma not�vel que conta a saga de Amin Nawabi, um refugiado homossexual do Afeganist�o que luta para se estabelecer na Europa. A hist�ria real � contada por meio de desenhos animados.Apesar de ainda parecer inusitado, o uso desses recursos gr�ficos em document�rios n�o � de agora. O document�rio de guerra “Valsa com Bashir”, de Ari Goldman, causou enorme impacto desde sua estreia, no Festival de Cannes, em 2008. Em 2014, o franc�s “Jasmine”, de Alain Ughetto, venceu a mostra competitiva internacional no � Tudo Verdade.
O filme sobre a hist�ria pessoal do diretor e seu romance com a iraniana Jasmine tamb�m faz uso da anima��o nas cenas. Para Amir Labaki, fundador e diretor desse que � um dos mais importantes eventos do mundo dedicado ao cinema documental, trata-se de uma forma de extrapolar barreiras existentes para contar uma hist�ria real atrav�s de imagens.
“� interessante entender que isso nasce de uma necessidade que o pr�prio projeto tem. Tanto no ‘Vicenta’ quanto no ‘Fuga’, o cineasta tinha uma hist�ria para contar em que seus protagonistas n�o queriam aparecer. Como tornar isso vis�vel sem as duas principais ferramentas dos document�rios, a entrevista e o registro direto?”, questiona Labaki. Para ele, “a anima��o � uma forma muito importante de contar essa hist�ria real, expandindo suas possibilidades”.
O diretor lembra que os "animadocs" v�m se popularizando nos �ltimos anos, ocupando at� categorias espec�ficas em alguns festivais. Ele cita como exemplo “Bem-vindo � Chech�nia”, exibido no ano passado na 44ª Mostra Internacional de cinema de S�o Paulo.
O document�rio sobre a violenta persegui��o do governo da Chech�nia contra a popula��o LGBT usa recursos animados para preservar a identidade de alguns depoentes. A estrutura tamb�m � uma forma de a produ��o driblar as dificuldades de realizar filmagens naquele pa�s devido � atua��o opressora do governo.

GENOC�DIO
Labaki cita ainda o cineasta cambojano Rithy Panh, apontado por ele como uma grande refer�ncia nessa pr�tica pelo trabalho feito em “A imagem que falta” (2013). O document�rio em anima��o conta a hist�ria do genoc�dio ocorrido no Camboja entre 1975 e 1979, sob o regime do Khmer Vermelho, quando cerca de 2 milh�es de pessoas foram mortas. Para remontar esse passado brutal, Panh usou miniaturas de argila e a narra��o em primeira pessoa. O filme venceu a mostra Um Certo Olhar, no Festival de Cannes de 2013, e concorreu ao Oscar de melhor filme em l�ngua estrangeira no ano seguinte, quando a estatueta ficou com o italiano “A grande beleza”.
O diretor do festival avalia que o uso das anima��es nos document�rios � uma tend�ncia que deve aparecer ainda mais futuramente e comenta que “esses filmes existem para resolver desafios impostos aos cineastas de como fazer imagens sobre lugares e situa��es em que n�o se pode levar a c�mera”.
Nesse processo, diferentes t�cnicas s�o poss�veis. Essa variedade � notada nos dois document�rios do estilo apresentados este ano no � Tudo Verdade. Ele destaca que “Fuga” tem uma proposta mais direta de anima��o, enquanto “Vicenta” traz filmagens de bonecos, em um modelo mais parecido com o filme de Rithy Panh.
COMPLEXIDADE
Apesar do not�vel formato dos filmes, o mentor do festival refor�a que eles se destacam tamb�m pelo conte�do. "Fuga'’ � um dos filmes mais complexos de estrutura narrativa que vi recentemente. Ao mesmo tempo, tem o thriller, o drama, ele vai mudando, ficando mais po�tico, trazendo mais suspense no roteiro. Sobre ‘Vicenta’ n�o posso falar muito, pois ele est� em competi��o, mas, tematicamente, � �bvio que fala sobre v�rias quest�es essenciais e delicadas”, afirma.Usando bonecos, sempre parados, em meio a efeitos de ilumina��o e som, o filme argentino reconta o drama familiar da protagonista que d� nome ao longa. Todo o processo, iniciado em 2006, � documentado. Desde quando � descoberta a chocante gravidez da filha Laura, de 19 anos – que “cresce, mas n�o cresce”, como � descrita sua condi��o mental pela narra��o feita por Liliana Herrero –, at� a complicada batalha travada nos tribunais envolvendo a divis�o da opini�o p�blica e a Igreja Cat�lica local. As protagonistas Vicenta, Laura e a filha mais velha, Valeria, aparecem em terceira pessoa, citadas pela narradora, que d� um tom sens�vel e dram�tico � trama. Trechos de reportagens televisivas da �poca sobre o caso tamb�m s�o inseridos, ampliando a profundidade informativa.
Em entrevista ao portal argentino Cin�filo Serial, o diretor Dar�o Doria disse que a motiva��o para produzir o filme foi a forma como a m�dia e a sociedade tratavam o assunto na �poca. “Era inverno de 2006 e lembro-me da indigna��o que tudo me provocava, o que a Vicenta estava passando em tribunais e hospitais e as barrigadas dadas pela m�dia sobre a hist�ria. Um dia, depois de todos sabermos ao vivo pela TV que a interrup��o legal da gravidez pedida por Vicenta para sua filha n�o aconteceria, a hist�ria sumiu da m�dia. Vicenta n�o era mais not�cia, n�o importava mais. A partir daquele momento � que me deu vontade de fazer este document�rio”, contou o cineasta.
Doria afirma que “o que se sabe foi triste e desanimador, mas o que aconteceu a seguir, fora dos holofotes da m�dia, foi exatamente o contr�rio. A hist�ria tornou-se maravilhosa, emocionante, esperan�osa, e foi ent�o que soube que, em algum momento, iria fazer este filme”.
Sobre a decis�o de usar a anima��o com bonecos para contar essa hist�ria t�o complexa, ele explica que “a �nica coisa clara no come�o � que eu n�o queria fazer um filme de entrevista e material de arquivo, mas sim colocar o espectador ao lado de Vicenta, para que ele sentisse o que ela vivia”.
A exibi��o de Vicenta ser� �s 19h, pela plataforma Looke. O filme participa da Competi��o Internacional de Longas e M�dias-Metragens. Os vencedores ser�o divulgados em 18 de abril, �s 17h, com transmiss�o da cerim�nia no YouTube do � Tudo Verdade.
Realizada em formato totalmente on-line em 2021, o festival neste ano exibe 69 document�rios de 23 pa�ses. A programa��o completa est� dispon�vel neste site.